Teto salarial no judiciário é questão de acesso à informação
Por Rafael Braem Velasco e Evandro Proença Sussekind*
Na sessão de quarta-feira (18), o Supremo enfrentou um de muitos casos envolvendo a questão dos limites constitucionais da remuneração de magistrados e servidores no Judiciário e decidiu que o teto constitucional deve incidir sobre valores recebidos a título de vantagens pessoais.
Este caso relaciona-se intrinsicamente com o acesso à informação, pois somente por meio da adoção de práticas transparentes na divulgação de informações sobre remuneração é que será possível avaliar se a decisão do STF estará sendo de fato cumprida. Porém, na dimensão da transparência em relação aos salários de seus integrantes, os tribunais brasileiros têm deixado a desejar.
Em pesquisa realizada em 2014, o Programa de Transparência Pública liderado pelas Escolas de Direito e de Administração da FGV analisou o grau de transparência de 40 tribunais brasileiros com relação à remuneração de seus servidores e magistrados. Os resultados da pesquisa, publicada como “O Estado Brasileiro e a Transparência – Avaliando a aplicação da Lei de Acesso à Informação”, apontam para um cenário cinzento: o judiciário brasileiro está bem distante de cumprir satisfatoriamente a Lei de Acesso à Informação (LAI).
A pesquisa indica que pouco mais da metade de todos os pedidos de acesso à informação enviados para tribunais é de fato respondida, uma vez que apenas 160 (61%), dos 269 pedidos enviados receberam alguma resposta. Além disso, quando os tribunais responderam aos pedidos, frequentemente forneceram os dados em formatos não processáveis, dificultando a manipulação dos dados.
Essa exigência da LAI não é difícil de ser cumprida, pois esses mesmos dados são processados todos os dias pelos departamentos financeiros e administrativos dos tribunais de modo a viabilizar a gestão financeira e a execução da folha de pagamento.
O baixo grau de cumprimento com a LAI também é evidenciado pelo fato de que apenas 6 tribunais forneceram respostas satisfatórias e em formatos processáveis por máquina aos pedidos de acesso à informação que versavam sobre remuneração dos magistrado, quais sejam: STF, TST, TRT da 15ª Região, TRF da 2ªRegião, TJRJ e TJRR.
Outra grande dificuldade envolve a falta de detalhamento do conteúdo de algumas categorias para organizar a remuneração – por exemplo, “vantagens pessoais”, “indenizações” e – a mais emblemática e vaga – “vantagens eventuais”. Essa última categoria de acréscimo no salário fixo de juízes e desembargadores é a responsável pelos valores astronômicos divulgados na imprensa no último ano, e que faz com que não raras vezes um desembargador receba mais do que um senador, o presidente da República ou – o suposto teto – um ministro do Supremo Tribunal Federal.
Por exemplo, em novembro de 2014, a ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Nancy Andrighi teria recebido a quantia de R$ 420.880,34 líquidos. Explicar que esse valor se refere a “vantagens eventuais” ou “indenizações”, nesse nível de generalidade, é explicar muito pouco. Sem transparência, mal podemos sequer começar a discutir a legitimidade e a legalidade desses acréscimos.
Hoje, o Supremo enfrentou um caso sintomático e julgou que os valores recebidos a título de vantagens pessoais devem ser somados aos demais rendimentos para fins do cálculo do teto constitucional do serviço público.
A decisão do Supremo é profundamente importante e gerará efeitos futuros que estão diretamente relacionados à Lei de Acesso à Informação. Afinal, os tribunais deverão adotar as medidas de fornecimento de informação e transparência estipuladas na Lei para permitir que o CNJ, o MP e a sociedade civil fiscalizem a adequação da remuneração efetivamente paga aos magistrados com o teto constitucional.
É provável que o Supremo Tribunal Federal seja chamado a resolver casos futuros a respeito do descumprimento das obrigações da lei de acesso à informação por tribunais. O STF precisará monitorar se e como suas decisões estão sendo cumpridas, o que exigirá cada vez mais transparência por parte dos tribunais inferiores.
De que adianta o Supremo julgar que as vantagens pessoais estão incluídas no teto se os tribunais, por outro lado, não fornecerem as informações básicas para que se saiba se magistrados estão ou não recebendo acima do teto? Ou sobre o que os tribunais estão incluindo dentro desta rubrica?
A fiscalização do cumprimento da decisão só poderá ser alcançada se os dados forem disponibilizados para o público. Caso contrário, a remuneração de servidores e magistrados continuará a ser, sob a alcunha de vantagens pessoais, a mesma caixa preta que é para outras espécies remuneratórias, como, por exemplo, as vantagens eventuais.
O Supremo pode aproveitar esta oportunidade para encorajar os tribunais a se tornarem mais abertos à vigilância da sociedade. É particularmente importante, de modo a conferir maior eficácia à decisão, que os Ministros incluam conteúdo mandamental obrigando os tribunais a, por exemplo, divulgar os dados relativos ao pagamento de vantagens pessoais relativos a todos os seus servidores em até 60 dias. Assim, o STF estará adotando as medidas que se fazem necessárias para o aperfeiçoamento do regime de transparência pública dos tribunais brasileiros.
* Rafael Braem Velasco é pesquisador do Centro e Tecnologia e Sociedade (CTS/FGV) e da EBAPE/FGV SUPRA-ALTA-Converted-94×94
Evandro Proença Sussekind é mestrando em Ciência Política no IESP-UERJ
Fonte: Site Jota Info/ Foto: Nelson Jr./SCO/STF