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Suicídio III – O VALE DOS SUICIDAS

Por Natalício Cardoso da Silva*
E ali me vi aprisionado, em região do mundo invisível, de panorama desolador, composto por sombras e vales profundos, gargantas tortuosas e cavernas sinistras. Dentro destas cavernas, os Espíritos que foram homens uivavam qual malta de demônios enfurecidos, como dementes, devido ao grande sofrimento que os martirizava.
Neste local de aflições não havia um único arvoredo, nem bela paisagem que pudesse distrair a vista torturada. A visão era cansativa pelas gargantas onde só existia o supremo terror!
O chão, coberto por matéria negra e fétida, parecendo fuligem, era imundo, pastoso, escorregadio. O ar pesado era asfixiante, gelado, escurecido por nevoeiro espesso e ameaçador, como se as tempestades eternas rugissem em torno; os espíritos ali aprisionados sufocavam ao respirar, como se aquele ar cheio de matéria nocivas iguais cinza e cal, invadissem-lhes as vias respiratórias. Era um martírio, um suplicio que o cérebro humano, habituado às claridades do sol, jamais pode entender.
Nunca o ar fresco da madrugada! Nem uma faixa azul do céu, para ser contemplada! Nem mesmo a claridade do sol! Nem bandos de andorinhas em revoadas, nem as cintilações das estrelas! Nunca, a primavera! Não havia ali, nem haverá jamais, nem paz, nem consolo, nem esperança: tudo é marcado pela desgraça, miséria, assombro, desespero, horror! Era a dor que nada consola, a desgraça que nada ameniza, a tragedia sem tranquilidade, sem poder dormir, sem sonho, sem esperança! Não há céu, não há luz, não há sol, não há perfume, não há tréguas!
O que há é o choro convulsivo e inconsolável dos condenados! O que há é o assombroso “ranger de dentes”, daquela sábia advertência de |Jesus! O que há é a blasfêmia do miserável, a se acusar a cada uma das dolorosas recordações. Há a loucura das consciências chicoteadas pelo remorso! O que há é a raiva envenenada daquele que já não pode chorar, cansado do excesso de lagrimas! O que há é o desapontamento, a surpresa aterradora de quem se sente vivo, apesar de haver se atirado na morte! É a revolta, a praga, o insulto, os corações que o monstruoso castigo transformou em feras! O que há é a alma ofendida, tudo envolvido nas trevas! É o inferno, na mais horrenda exposição porque, além de tudo, existem cenas de animalidade, pratica dos mais sórdidos instintos as quais, envergonhar-me-ia de contar aos meus irmãos, os homens!
Quem estaciona ali, como eu estacionei, são grandes personalidades do crime. É a escoria do mundo espiritual _ apenas grupos de suicidas que chegam todos os dias. São almas que vem quase sempre da Espanha, Brasil , Portugal e colonias portuguesas da Africa, infelizes necessitados do auxílio da prece. São os levianos, irresponsáveis que, fartos da vida, aventuram-se ao desconhecido, à procura de “esquecimento e alivio”, através do suicídio!
Não sei como são os trabalhos de correção para suicidas nos núcleos destinados ao mesmo fim. Sei apenas que fiz parte da sinistra falange aprisionada nesse local pavoroso, cuja lembrança, até hoje, faz-me sentir repugnância.
É bem possível que haja quem duvide da verdade que vai escrita nestas páginas. Dirão que é fantasia. Não só convidarei a crer. Não é assunto que se imponha à crença. Mas se sabem raciocinar, que o façam! Eu os convido, desejando ardentemente, que não queiram conhecer essa realidade através dos canais do suicídio _ canais cheios de trevas, aos quais me expus, eu mesmo.
Era eu, pois, presidiário dessa cova detestável do horror!
Ainda sentia-me cego. Pelo menos, achava que estava cego mas, na verdade, minha cegueira era a inferioridade moral do espirito distanciado da Luz.
No entanto, apesar de cego, conseguia perceber o que se apresentasse de mau, feio, sinistro, imoral e obsceno, pois, meus olhos conservavam visão suficiente para contemplar toda essa escória.
Eu, tendo bastante sensibilidade, sentia-me muito pior, porque experimentava também os sofrimentos do outros companheiros de aflições, desde que tudo o que um sentisse, esparramava-se em cima dos outros.
Às vezes, aconteciam brigas brutais naqueles becos cheios de lama onde enfileiravam as cavernas que usávamos como moradia. Sempre irritados por quaisquer motivos, nos atirávamos uns contra os outros, em lutas violentas. Muitas vezes, ridicularizado e humilhado, atirava-me como um selvagem contra os agressores e, com eles, rolava na lama que nos servia de ceva espiritual.
A fome, a sede, o frio intenso, a fadiga, a insonia nos martirizavam, como se ainda estivéssemos em nosso corpo de carne. A promiscuidade vergonhosa de espíritos que foram homens e dos que foram mulheres; tempestades constantes e inundações, a lama, o mau cheiro, as sombras eternas, a ansiedade de nos vermos livres de tantos martírios _ assim era o panorama que acompanhava os nossos mais dolorosos padecimentos morais.
Não se podia ao menos, sonhar com coisas bonitas, nem pensar coisas diferentes; nem mesmo recordar o passado era permitido aos que gostariam de o fazer. Naquele ambiente superlotado de males, o pensamento estava prisioneiro em torno de n´s, só emitindo e recebendo vibrações tão negativas quanto quanto o local onde nos encontrávamos. Envolvidos em tão enlouquecedora situação moral e espiritual, não havia quem pudesse atingir um único instante de serenidade para se lembrar de Deus e chamar por Sua Misericórdia! Não se podia orar, porque a oração é um bem, um descanso, uma esperança _ e aos desgraçados suicidas, seria impossível atingir tão grande benefício _ o benefício da prece!
Não sabíamos quando era dia ou quando era noite, porque as sombras eternas nos rodeavam as horas em que vivíamos. Perdemos a noção do tempo. Senti amos apenas uma triste sensação de distancia do nosso passado, como se fizesse seculos que ali nos encontrávamos. Dali não esperávamos sair, apesar de ser este o nosso único desejo. O mesmo desanimo que armou nossa mão para o gesto suicida nos dava a certeza que ali estávamos para toda eternidade! O tempo estacionou no momento exato em que fizemos tombar nosso corpo para a morte. Dai para cá , só existiam assombro, confusão, pensamentos tristes e enganadores..
Também ignorávamos em que local nos encontrávamos. Às vezes, tentavam os escapar dali; procurávamos aflitos, fugir do lugar maldito _ e saíamos a correr, como loucos furiosos! Dementes malditos, sem consolo, sem paz, sem descanso em parte alguma, em correria sem saber para onde _ para depois, sermos atraídos de volta ao mesmo lugar, como se estivéssemos ligados a ímãs gigantes que nos levavam sempre ao ponto de partida, naquela confusão de nuvens sufocantes.
Outras vezes, vagarosamente entre sombras, lá íamos, por vielas e becos, sem descobrirmos sinais de saída… Cavernas, sempre cavernas, ou trechos encharcados, lagos cheios de lodo, tendo em volta altas muralhas, que mais pareciam erguidas em pedra e ferro, como se estivéssemos sepultados vivo nas profundezas de um vulcão! Era um labirinto onde nos perdíamos, sem jamais alcançar o fim! Nossa impressão era que estivéssemos prisoneiros no subsolo, em carcere cavado embaixo da terra _ ou dentro de uma cordilheira cheia de vulcões extintos _ se não fosse assim, de onde viriam aqueles poços de lama e lodo, com paredes tão altas?
Aterrados, nos púnhamos a gritar em coro, furiosamente, como se fossemos uma malta de lobos danados; pedíamos que nos retirássemos dali, devolvendo-nos a liberdade! Depois , aconteciam as mais violentas manifestações de terror; tudo quanto o leitor possa imaginar, dentro de confusões, de cenas tristes, aterradoras e horrorosas, ficará muito longe daquela verdade por nós vivida nessas horas criadas pelo nosso próprio pensamento distanciado da luz e do Amor de Deus.
Como se enormes espelhos nos perseguíssemos, dentro de nós víamos sempre aquela cena macabra: o nosso próprio corpo na sepultura, a se decompor sob o ataque dos vermes esfomeados; o trabalho detestável da podridão a seguir seu curso natural de destruição, levando junto nossas carnes, nossas vísceras, nosso sangue fétido, nosso corpo inteiro sendo consumido num banquete de milhões de vermes famintos _ nosso corpo era carcomido devagar, sob nossos olhares esbugalhados pelo terror! O físico, a nossa a parte material morria enquanto nós, seus donos, continuávamos vivos, sofrendo, sem podermos morrer também!
Ó, castigo punindo o desgraçado que decidiu insultar a Deus, destruindo antes da hora, o que só a Ele cabe decidir e realizar! Nós estávamos vivos ainda, diante do corpo apodrecido! E doíam em nós, as picadas monstruosas dos vermes! Ficávamos enfurecidos como loucos, sentindo em nós mesmos, o que se passava em nosso corpo já morto no túmulo!
E os nossos gritos infernais se reproduziam em ecos ao longo de todo o vale, o tempo todo, o tempo todo, o tempo todo…
Pensávamos estar diante do tribunal do inferno! Sim, aqueles mesmos obsessores que alimentaram em nós, as sugestões para o suicídio, divertiam-se com nossas angustias, fazendo-nos acreditar que eles eram os juízes que iam nos julgar e castigar. Apresentavam-se como seres fantásticos, fantasmas impressionantes. Inventavam cenas satânicas, com as quais nos castigavam.
Submetiam-nos a vexames difíceis de descrever. Obrigavam-nos a torpezas e deboches, fazendo-nos cúmplices de suas infames obscenidades! Donzelas que praticaram o suicídio por motivos de amor _ esquecidas que o verdadeiro amor é paciente e obediente a Deus; esquecendo o amor de uma mãe que ficara inconsolável; desrespeitando os cabelos brancos de um pai _ estas donzelas eram agora, insultadas no coração e no pudor, por estas entidades animalizadas que as faziam crer serem obrigadas a se escravizarem e a servi-los sob todas as formas, por serem eles, os donos do Impe rio da Trevas que elas escolheram por moradia quando abandonaram o lar pelas portas do suicídio!
Estes satânicos não passavam de Espíritos que foram homens também, mas que viveram no crime: sensuais, hipócritas, perjuros, traidores, sedutores, assassinos, perversos, caluniadores, sátiros, _ e que, muitas vezes, na terra, tiveram funerais pomposos, mas que na vida espiritual, resumem-se na corja repugnante que mencionamos…
Além destas cenas, acontecia-nos que os atos que fizemos durante a vida na Terra _ nossos crimes, nossas quedas eram colocados à nossa frente; visão acusadora na condenação pelo que fizemos de incorreto. As vitimas que fizemos enquanto estivéramos vivos, reapareciam agora, em lembranças vergonhosas, nos desequilibrando pelo remorso!
Enfim, cada um de nós era um morto-vivo, em toda a extensão da palavra. E este estado de coisas só poderia ser atenuado, quando acabassem as forças vitais de que éramos portadores. Os suicidas se demoram no sofrimento o tempo que lhes rsta para o final de seu compromisso na terra: dias, meses, anos… ”
Para que o leitor entenda, faço aqui uma observação quanto ao o fato do espirito Camilo narrar toda sorte de sofrimento, noticiando sentir fome, frio, sede, dor, especialmente aquela provocada pelas picadas dos vermes em seu corpo físico depositado no fundo da sepultura. Como se sabe o espirito não sente dor, frio, fome ou dor, no entanto dado ao atraso moral a que estamos submetidos no atual estagio evolutivo, o espirito culpado transforma a dor do erro cometido, em uma especie de repercussão moral deste sofrimento, haja vista ter sido o ato praticado por ele de grande atentado contra a Lei de Deus e por falta de paramentos comparativos, ele adota aquele que lhe foi peculiar quando encarnado, ou seja o sofrimento experimentado por seu corpo físico, quando ainda estava encarnado (vivo).

Uruaçu, 06 de janeiro de 2012

* Natalício Cardoso da Silva é Delegado Regional da Polícia Civil de Goiás

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