Segurança pública: dever do Estado
Por Edemundo Dias de Oliveira Filho*
Não sei quantas vezes nesses últimos dias tive que responder à pergunta: por que a segurança pública é tão ineficiente no Brasil? Mas a resposta é simples: falta vontade política e tem sido conveniente para o poder público. Até quando? No Brasil, o setor mais eficiente do Estado é, sem dúvida, o de arrecadação de tributos, desde a multa de trânsito até o Imposto de Renda, e se robustece a cada dia. Agora, em sentido diametralmente inverso, o setor mais ineficiente é o de prestação de serviços, seja educação, saúde ou segurança, e piora a cada dia. E qual tem sido a solução apresentada pelo governo? Aumentar impostos. Incompetência apenas ou conveniência também?
Com efeito, tudo isso tem reflexo no dia a dia do cidadão, mas às vezes não percebido: favorecimento à corrupção, enfraquecimento das instituições e a proliferação de um fenômeno ascendente: o Estado transversal — qual seja, um novo poder, quase invisível, que transita e é plasmado nas paredes do Estado legal; daí surgem algumas associações privadas, em ocupação ao vácuo estatal, criando-se uma espécie de subgoverno, ou, como diria com mais propriedade Bobbio — um criptogoverno, assim conceituado pelo renomado jusfilósofo como forças subversivas, obscuras, mas onividentes, que atuam nas sombras ou na vacância do poder estatal.
Todos sabem como a Itália enfrentou esse tipo de situação; todos sabem o preço que o juiz Giovanni Falcone, assassinado em 1992, e outros mártires e baluartes da justiça criminal italiana tiveram que enfrentar até o desfecho da famosa Operação Mãos Limpas, naquele país. A propósito, estive estudando por lá — na Polizia di Stato — acompanhando todo aquele processo, portanto posso falar de cátedra.
No Brasil, contudo, temos uma democracia que ainda tenta se firmar. É certo que vem mostrando seiva suficiente para seu aprimoramento, mas temos que considerar que um Estado fraco significa instituições fracas; e, polícias fracas, sucateadas, fragmentadas, divididas, malformadas, de certa forma são, aqui, convenientes ao poder central, porque mais manipuláveis, uma vez que o próprio Estado brasileiro se mostra comprometido com muitas dessas mazelas.
Enquanto isso, o que temos visto? Violência, sangue nas ruas, clima de beligerância total, terror, crescente onda de desrespeito às autoridades, desmoralização das polícias, ataques frontais a agentes de segurança pública e justiça, caos…
A história da formação do Estado moderno surge fundamentalmente do poder coercitivo — mormente, com a capacidade de as polícias cumprirem bem seu papel de estabelecer a paz social nos limites da lei — o que exige o monopólio da força física, assim considerado como o caráter intrínseco e inalienável do Estado, ou seja, a essência do poder jurisdicional — não apenas de fazer a legislação, mas o de aplicá-la.
Recorro novamente a Bobbio, em artigo intitulado O Mau Governo, publicado em 1982: “Quero dizer que todas as outras inumeráveis funções que o Estado desempenha com vantagem ou desvantagem dos próprios súditos poderiam ser diminuídas sem que fosse diminuído o Estado, o qual, exatamente enquanto exerce as três funções essenciais, torna possível o desenvolvimento de todas as outras, porque toda função que vier em seguida exige, invertendo a ordem em que as enumerei, as três funções principais, ou seja: a) que o Estado tenha dinheiro [e defina prioridades na sua aplicação]; b) que o Estado tenha condições de resolver conflitos surgidos inevitavelmente onde emergem novos direitos e novos deveres; c) que o Estado possa valer-se da força para resolvê-los, pelo menos em última instância”.
Diante desse contexto, a direção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) firmou o seguinte princípio: nosso partido é o Brasil, nossa ideologia, a Constituição. Esta Constituição preceitua em seu artigo 144 que segurança pública é um direito de todos, mas dever inarredável do Estado. Em outras palavras: um governo que não garanta a segurança de seus cidadãos não é governo; um Estado que não garanta segurança pública eficiente, ou que assegure minimamente as condições para seus cidadãos trabalharem e, inclusive, pagarem ávidos impostos, não merece ser chamado de Estado.
*Edemundo Dias De Oliveira Filho é advogado, presidente da Academia Goiana de Direito e da Comissão de Segurança Pública e Políticas Criminais da OAB/GO
Fonte: Jornal O Popular