Quando erra o Judiciário
Por Paulo Teles*
Quando os Poderes Executivo e Legislativo cometem equívocos, costuma-se dizer que ocorreu um erro político. Se daí houver clamor público, entra em cena a chamada vontade política, e as coisas voltam aos eixos. Simples assim. Rápido e indolor para o ego e a vaidade do gestor desavisado.
Nenhuma sociedade, império ou democracia consegue atingir seus objetivos de progresso e bem-estar, que não seja pelo permanente propósito, do diálogo, das discordâncias e dos embates civilizados. Neste caso estou falando do exercício da prática político-partidária, fruto da vontade popular quando faz vitoriosa uma mensagem ou ideia, assumindo o seu porta-voz o poder de Estado.
Paradoxalmente, ao Supremo Tribunal Federal é atribuída, dentre outras, a definição de tribunal político, quando suas decisões, envolvendo razões de Estado, sacrificam interesses individuais ou de alguma minoria, em favor do coletivo.
Assim, mostra-se equivocada a interpretação de tratar-se aquela Corte de tribunal político, pelo só fato da sua composição dar-se mediante indicação da Presidência da República. Entretanto temos de admitir a ocorrência de algumas decisões políticas no âmbito da Suprema Corte, inspiradas na teoria do bem maior, que é o interesse público, a exemplo da questão Raposa Serra do Sol. Decisão esta polêmica, e que apenas o tempo dirá quão acertada ou equivocada foi. Ousaria mesmo, afirmá-la mais política que jurídica, embora desvestida dos matizes ideológicos predominantes no Poder Central.
No mês de agosto de 2011 o Judiciário Goiano, pelo seu presidente, patrocinou a mudança de horário do seu expediente, com o objetivo de economizar, segundo projeções, 25% do orçamento. Logo a medida se mostraria de todo danosa ao interesse público e de resultados pífios em termos de economia. As mais autorizadas vozes do mundo jurídico de Goiás se posicionaram contra o novo horário. O CNJ determinou o retorno do horário antigo, e o Supremo cassou liminarmente a sua decisão. Desta forma, para que a questão tenha um deslinde definitivo, terá o Supremo que julgar o mérito do MS interposto pelo presidente do TJ-GO.
Fato é que o TJ-GO acabou por criar o seu Afeganistão, sem saber como escapar da sua própria armadilha. Extrai-se de tudo isso a lição de que, quando o judiciário erra, seja judicial ou administrativamente, as nefastas consequências desse erro perduram por muito mais tempo que as dos demais Poderes. De imediato são apenas os danos, e em longo prazo as consequências. Conosco as discussões são mais recheadas, mais pormenorizadas e mais prolongadas, sendo algumas até mesmo bizantinas. Quase sempre temos de superar preliminares, questões de ordem ou pedidos de vista, para só depois irmos ao mérito. Esses ingredientes fazem parte da nossa rotina de julgadores e visam garantir a segurança jurídica. Os caminhos que levam à decisão final são íngremes, tortuosos, acidentados, incidentários, longos, demorados, angustiantes, surpreendentes, e por vezes decepcionantes e incompreendidos. O resultado final pode levar anos ou décadas para ser conhecido ou proclamado.
Quando nós juízes cometemos erros podemos provocar alguns efeitos colaterais, dentre outros: óbito, invalidez, demência e pânico, no plano físico; falência, insolvência, perda de liberdade e desemprego, de natureza material; desmoralização, descrédito e abandono, de caráter moral.
Entretanto, o imbróglio do novo horário não exige maiores digressões, dependendo apenas de vontade política e desapego, para que seja submetido ao crivo da Corte Especial que poderá, em curtíssimo espaço de tempo, reconsiderá-lo ou confirmá-lo.
*Paulo Teles é desembargador, ex-presidente do Tribunal de Justiça de Goiás
Fonte: Jornal O Popular