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Princípio equivocado

Por Rodrigo Ribeiro*
O debate sobre a PEC 37 tem sido marcado pelo impasse. O nó se deve a um equívoco de princípio: não se pode retirar de algo — no caso, a Constituição — aquilo que nela não está expresso. Explicando: é um sofisma a argumentação dos representantes do Ministério Público segundo a qual a Carta asseguraria aos promotores o pressuposto de presidir inquéritos, ou seja, de o MP ser condômino de uma atribuição — esta sim garantida por dispositivo constitucional — legal e especificamente consagrada às corporações policiais, qual seja a de exercer o papel de Polícia Judiciária.
O que está em questão, basicamente, é o artigo 144 da Constituição, que dispõe claramente sobre a competência para a instauração de inquéritos. Note-se que, pelo artigo 129 da Carta Magna, compete ao Ministério Público requisitar a instauração do inquérito penal, não instaurá-lo. É elucidativo trazer a relevo entendimento do então ministro do STF Cezar Peluso sobre a questão. Em sessão de junho de 2012, ele destacou que “o MP apenas pode realizar investigações criminais quando a investigação tiver por objeto fatos teoricamente criminosos praticados por membros ou servidores do próprio MP, por autoridades ou agentes policiais e, ainda, por terceiros, quando a autoridade policial, notificada sobre o caso, não tiver instaurado o devido inquérito policia l”. Escora-se, assim, a PEC 37 em sólidos argumentos, seja à vista da Carta maior, seja à luz do arrazoado de um dos mais ilustres integrantes do Poder Judiciário do país.
Veja-se, ainda, a questão por outro ângulo que não o da interpretação legislativa. As funções judiciárias são claramente delimitadas na Constituição, cabendo ao Judiciário o poder de julgar, ao MP o papel de apresentar denúncia e acusação, e à advocacia o de realizar o inalienável direito de defesa. O Ministério Público, portanto, é sempre e indissociavelmente parte dos processos. Como tal, tem interesse implícito nas ações levadas a julgamento. Ora, aceito o alegado princípio da competência do MP de presidir inquéritos criminais, estaria o primado jurídico do país contaminado por uma contradição de graves consequências — a de uma mesma parte apresentar denúncias e produzir provas ao arrepio da atuação da Polícia Judiciária. Não é, com certeza, uma situação jurídica cara a um estado democrático de direito.
Cumpre, portanto, à PEC 37 restabelecer o primado da legalidade, agravado por uma interpretação heterodoxa da Constituição. Ademais, registre-se que ao MP não está reservada, no texto em discussão, a exclusão no andamento de inquéritos criminais. A ele permanece assegurado, como inscrito na Carta, o direito de participar de investigações, solicitar diligências, enfim, atuar ativamente nos inquéritos policiais, desde que requisitado pelas corporações imbuídas do legítimo papel de Polícia Judiciária. Em suma, exclua-se do debate o erro de princípio, e estarão abertas as portas para o desejado consenso sobre tão relevante questão.

*Rodrigo Ribeiro é advogado

Fonte: Jornal O Globo

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