Posse de suplentes
O ano de 2015 começou registrando tragédias pelo mundo. Acontecimentos irreparáveis que nenhuma explicação ou reposta servirá para amenizar o sofrimento dos que não foram escolhidos para figurar entre as vítimas. Uma delas foi o atentado terrorista a um jornal em Paris, matando 12 pessoas. As tragédias seriam temas mais do que oportunos para análises pelas circunstâncias em que ocorreram e pela perplexidade que causaram.
Todos os holofotes se voltam para as tragédias ao redor do mundo, mas precisamos não nos esquecermos de um outro acontecimento, que revolta pela imoralidade: o ato legal de empossar parlamentares suplentes nas Casas Legislativas. Políticos que não conseguiram se reeleger, passam a ocupar cadeiras nos parlamentos brasileiros, em substituição aos titulares que se elegeram para outros postos da esfera política.
O que se deve questionar não é o fato de assumir a cadeira vaga, mas sim a forma que se dá a assunção do suplente. Não é justo que num momento que o parlamento está em pleno recesso, sem qualquer atividade legislativa, o cidadão chega lá toma posse e sem ter que trabalhar receba os polpudos vencimentos de um parlamentar. Se é legal a posse, é imoral sob todos os pontos de vista. Esse assunto, em meio à tanta turbulência trágica, ganhou destaque em alguns dos principais jornais e outros veículos de comunicação do país, mas não se tem notícia de nenhuma movimentação social para gritar que basta de tanta imoralidade e desperdício com o dinheiro público.
Nomes conhecidos se tornaram políticos efetivos só por 30 dias, com direito a todas as vantagens, sem ter que comparecer ao trabalho por conta do recesso. Marcelinho Carioca, com passagem pela Seleção Brasileira e ex-ídolo do Flamengo e do Corinthians, é um dos beneficiados do que se pode chamar de trem da alegria da política. Ser suplente pode ser, definitivamente, um bom negócio, mesmo que por apenas um mês. Você se torna deputado estadual, federal ou senador sem nunca ter sido pela absoluta falta do exercício legislativo. Ao fim do prazo da legislatura, o dinheiro ta lá na conta bancária e depois de um novo ciclo legislativo a história vai se repetir, a não ser que algum político decente tome a iniciativa de tentar barrar essa imoralidade.
Tragédias, como a que ocorreu com o avião da AirAsia em 28 de dezembro de 2014, podem não ser evitadas, quando a natureza mostra sua força, ou quando a vontade do homem programado para matar age sorrateiro, como o atentado contra o jornal francês. Mas imoralidade é outro extremo. Para ser estancada, depende apenas de decência e vontade de não permitir que situações, como a posse de suplentes em período de pleno recesso dos parlamentos brasileiros, continuem realçando a visão turva que a sociedade tem dos políticos, onde até os que atuam com responsabilidade e decência pagam o preço dos desmandos.
* Norton Luiz Ferreira é delegado de Polícia
Fonte: Jornal O Popular