Populismo penal e aredução da maioridade
Por Romeu Fernandes de Carvalho Filho*
O populismo não é novidade na história política brasileira. Desde os tempos de Getúlio Vargas, inúmeros políticos se valeram desta prática para angariar prestígio, simpatia e votos junto ao povo (em última análise, poder). O problema é que, para aliciar as massas, esses governantes acabam por adotar práticas pouco republicanas, as quais, cedo ou tarde, cobram seu preço. Quando incidem no campo penal, essas medidas acarretam efeitos ainda mais severos, tendo em vista que o que está em jogo são os bens jurídicos mais caros à sociedade. Lamentavelmente, é o que se observa uma vez mais na discussão da redução da maioridade penal.
Deixando de lado o debate acerca da constitucionalidade da medida, que é polêmico e divide a opinião de renomados juristas, vamos ponderar alguns fatos, sem pretensão de esgotar o tema: 1) Menor no Brasil é punido. A concepção de que menor de 18 anos não pode ser punido é mais falsa que nota de três reais. Aliás, este é um argumento comumente utilizado pelos defensores da redução da maioridade penal. Se há impunidade, não se trata de exclusividade dos menores. Cuida-se de decorrência lógica da falta de aparato dos órgãos estatais encarregados da persecução penal, bem como do Poder Judiciário.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a possibilidade de aplicação de medidas socioeducativas, incluindo-se aí a internação (na prática, nada mais é que prisão em regime fechado), aos adolescentes que pratiquem atos infracionais (crime ou contravenção penal).
Considerando que o prazo máximo de internação é de três anos, situação que, no entendimento de muitos (e do qual compartilhamos), violaria o princípio da proporcionalidade em sua vertente da proibição da proteção deficiente, talvez fosse o caso de se discutir uma reforma do próprio ECA, aumentando-se o limite temporal da sanção em casos de maior gravidade.
Em todo caso, afirmar que o menor delinque pela certeza da impunidade é uma tremenda falácia. 2) Os menores são responsáveis por 0,9% do total de crimes praticados no Brasil. A estatística é da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do Ministério da Justiça. Os números, portanto, contrariam a tese alardeada pelos arautos da redução do limite etário da imputabilidade, segundo os quais os menores seriam responsáveis por parcela significativa dos crimes cometidos no país.
O terceiro fator é que o Brasil tem um déficit de quase 50% nas vagas do sistema penitenciário. Dados obtidos em levantamento recente realizado pelo Conselho Nacional de Justiça revelam que o Brasil conta com mais de meio milhão de presos, ocupando o quarto lugar no ranking mundial de encarceramento, ficando atrás apenas dos Estados Unidos (2.228.424), China (1.701.344) e Rússia (676.400). A capacidade atual do sistema prisional nacional é de 357.219 vagas.
Despiciendo maiores esforços de elucubração para vislumbrar as consequências de se aprovar uma medida irresponsável como a que se coloca em questão, introduzindo ainda mais pessoas dentro de um sistema reconhecidamente superlotado e falido: impossibilidade de ressocialização, aumento da reincidência, agravamento da violência no interior dos presídios etc. 4) Os criminosos vão usar menores de 16 anos. O argumento de que a limitação da imputabilidade penal reduziria o aliciamento de menores para a prática de delitos é de uma ingenuidade risível. Obviamente, havendo conveniência, o submundo do crime não poupará esforços em recrutar menores de 16 anos ou até mesmo crianças para a consecução de suas empreitadas delituosas.
Já o quinto fator gira em torno de que a reforma pura e simples da lei não transforma a realidade social. Não há solução mágica. Por mais clichê que possa parecer, de nada adianta recrudescer a resposta penal sem os necessários investimentos em ações sociais preventivas da criminalidade, a exemplo da educação, saúde, moradia e lazer.
São incontáveis os casos que comprovam essa constatação. Veja-se, a título de exemplo, a situação da violência doméstica e familiar contra a mulher. Não obstante a aprovação da Lei Maria da Penha no ano de 2006, os índices relativos aos crimes dessa natureza permanecem numa crescente constante. Não sem razão, o Congresso Nacional aprovou no início do mês passado a Lei 13.104, prevendo a figura do feminicídio.
Na feliz expressão do criminalista Ney Moura Teles, “querer combater a criminalidade com o Direito Penal é querer eliminar a infecção com analgésico”. É chegada a hora de nossos congressistas superarem o argumentum ad populum, com seu raciocínio falacioso e truncado. Um basta no populismo penal barato, na política criminal estelionatária, na demagogia, na hipocrisia, na falácia, no oportunismo.
O povo brasileiro merece um debate mais sério e aprofundado a respeito das graves mazelas que enfrenta em seu cotidiano.
* Romeu Fernandes de Carvalho Filho é advogado
Fonte: Jornal O Popular