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Poder de apreensão do delegado é necessário à investigação criminal

Por Henrique Hoffmann Monteiro de Castro

A importante função de investigação criminal, essencial e exclusiva de Estado, foi sabiamente adjudicada à Polícia Judiciária, órgão imparcial da persecução penal.[1] A Polícia Civil e a Polícia Federal, órgãos vocacionados para levar adiante as apurações, tiveram seu protagonismo estabelecido não apenas pelo legislador ordinário (artigo 2º da Lei 12.830/2013 e artigo 2º-A, parágrafo único da Lei 9.266/1996), mas pelo próprio legislador constitucional (artigo 144, §§1º e 4º da Constituição Federal). Aliás, observando as discussões da Assembleia Constituinte de 1988, constata-se que o constituinte originário teve a oportunidade de adotar modelo diverso, mas preferiu manter a Polícia Judiciária como principal figura da investigação criminal.

A investigação criminal, ao perquirir a reconstrução histórica dos fatos a fim de atender ao interesse público de possibilitar a responsabilização de infratores, envolve um caminhar invasivo na esfera de direitos fundamentais. É indubitável que o inquérito policial repercute nos bens jurídicos mais caros ao cidadão, quais sejam, liberdade, patrimônio e intimidade, e por isso mesmo afeta o eu e suas circunstâncias.[2]

Com efeito, o legislador conferiu à Autoridade de Polícia Judiciária uma série de instrumentos para possibilitar que cumpra de modo satisfatório seu mister. O desenho constitucional adotado, da reserva relativa (e não absoluta)[3] de jurisdição, significa que nem todos os atos de Polícia Judiciária precisam da chancela prévia do Judiciário, sistemática que, sem afastar o controle judicial, reforça a importância da tomada de decisões pelo delegado de polícia.

Além do poder geral de polícia (artigo 6º, III do CPP), que permite à Autoridade Policial colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias, chama a atenção o poder de apreensão do delegado de polícia. Trata-se de providência inserida no plexo de atos que podem ser concretizados sponte sua pela autoridade de Polícia Judiciária, independentemente de autorização judicial anterior.

Nesse panorama, a apreensão de bens sobressai-se como uma das principais medidas constritivas do patrimônio, podendo mitigar também a intimidade do indivíduo. Destaca-se como um relevante mecanismo de busca da verdade pela Polícia Judiciária.

Vale distinguir a busca, que significa a procura de objetos de interesse da investigação criminal em pessoas e coisas (revista) ou em locais (varejamento),[4] da apreensão propriamente dita, que corresponde à detenção jurídica da coisa pelo Estado, rompendo seu vínculo com o antigo possuidor ou proprietário e retirando-a da esfera de quem a detém.[5]

É dizer, apesar de estarem umbilicalmente ligadas, a apreensão não depende de prévia busca. Em que pese a regra geral ser a constrição antecedida de varredura, nem sempre ela é necessária para se apreender o objeto de interesse da investigação. Pode acontecer de a coisa ser entregue voluntariamente na delegacia de Polícia, ou o policial se deparar fortuitamente com o bem em local público. Assim como é perfeitamente possível que a busca não seja sucedida de apreensão, quando restar frustrada a diligência de localização.

A medida evita o perecimento da prova, possibilitando a formação do lastro probatório necessário à demonstração da ocorrência delito e sua vinculação ao agente, viabilizando a responsabilização do autor.

Isso posto, é necessário pontuar quando é possível a apreensão, ou seja, definir seus requisitos. Vale sublinhar que, como a busca traduz a procura de objetos de interesse da investigação criminal em pessoas, coisas ou locais, e a apreensão a ulterior constrição da coisa afetivamente achada, os objetivos da busca confundem-se com os requisitos da apreensão.

Os requisitos manifestam-se no binômio utilidade e pertinência,[6] e estão expressos na Lei Processual Penal. A utilidade é demonstrada pela vedação à restituição das coisas apreendidas, o que representa, a contrario sensu, a exigência de manutenção da apreensão (artigo 118 do CPP). A pertinência se evidencia pela ligação do objeto com o fato (artigo 6º, II do CPP).

Art. 118. Antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo.

Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
(…)
II – apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;

Destarte, deverá permanecer apreendido, vedando-se a restituição, o bem que interessar ao processo (utilidade) e tiver relação com o fato (pertinência). Quanto à utilidade, conquanto a lei tenha utilizado o termo processo, o interesse não se limita à fase processual, não podendo a coisa apreendida ser restituída se interessar ao inquérito policial.[7] Utilizando-se uma interpretação teleológica, conclui-se que a palavra processo foi utilizada em sentido genérico, devendo ser entendida como o gênero persecução penal, do qual são espécies a investigação e o processo.

Existe uma presunção legal de utilidade à persecução penal, relativa aos instrumentos, produto e proveito do crime (artigo 119 do CPP), pois não podem ser restituídos durante o curso da investigação e do processo. Nada mais adequado, pois são os objetos que servem para provar a materialidade delitiva e delimitar a autoria, permitindo também a satisfação dos efeitos da condenação. Vale destacar que, para a apreensão do proveito do delito, deve ser utilizado o sequestro — medida cautelar patrimonial (arts. 132, 125 e 126 do CPP e artigo 91, §2º do CP), ficando a busca e apreensão reservada para a obtenção do instrumento e produto do crime – medida cautelar probatória (artigo 240, §1º, d e c).

No que tange à pertinência, a redação legal estabelece que, logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais. Por óbvio, quando não houver cena de crime ou os peritos não comparecerem, o delegado de polícia determina a apreensão do objeto e em seguida requisita a perícia sobre o objeto.

Pertinência consiste na relação do objeto com o fato. Para ser apreendido, o bem, além de ser útil à persecução penal, deve possuir vinculação com o caso. Nada mais adequado, afinal, não faria sentido, por exemplo, a constrição de instrumento de um crime diverso daquele investigado.

Com efeito, todo objeto útil à persecução penal é também pertinente, mas nem todo bem pertinente tem utilidade para a investigação ou o processo. A pertinência está contida pela utilidade. Os objetos úteis e pertinentes podem servir para:

a) comprovar a materialidade delitiva e delimitar a autoria (artigo 2º, §6º da Lei 12.830/13). Enquanto nos delitos transeuntes a apreensão decorrerá da discricionariedade do delegado de polícia, no caso crimes que deixam vestígios é indispensável o exame de corpo de delito (artigo 158 do CPP), devendo a prova testemunhal ser utilizada apenas subsidiariamente (artigo 167 do CPP);

b) permitir a satisfação dos efeitos da condenação – confisco pelo Estado, reparação da vítima e asfixia financeira do criminoso (artigo 91 do CP);

c) facultar a contraprova em relação à perícia realizada (arts. 159, §6º, artigo 170 e 530-F do CPP, e arts. 50 e 50-A da Lei 11.343/06);

d) restituir o bem ao proprietário ou possuidor, satisfazendo o interesse legítimo da vítima (artigo 119, in fine do CPP);

e) reconstituir o fato delituoso (artigo 7º do CPP);

f) exibir o instrumento do crime no plenário do Tribunal do Júri (artigo 480, §3º do CPP).

Sem dúvidas a principal finalidade é obter prova da materialidade a autoria delitiva. Disso depende a eficácia da persecução penal. Convém grifar que a apreensão não se limita aos bens do investigado, podendo perfeitamente recair sobre objetos de testemunhas e da vítima. Como visto, o critério autorizador da constrição da coisa consiste no binômio utilidade e pertinência, independentemente da titularidade do bem.

Destarte, dentre os diversos meios de obtenção de prova à disposição da autoridade de Polícia Judiciária, a maioria passível de utilização por autoridade própria, a apreensão ganha destaque, relativizando direito fundamental do investigado em prol de uma investigação criminal eficaz.


[1] Para um estudo aprofundado sobre a moderna visão da persecução penal, confira nossa recém lançada obra “Investigação Criminal pela Polícia Judiciária”, pela editora Lumen Juris.
[2] Expressão de Ortega y Gasset citada por LOPES JÚNIOR, Aury, Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 407.
[3] RANGEL, Paulo Castro. Reserva de jurisdição: sentido dogmático e sentido jurisprudencial. Porto: Universidade Católica, 1997, p. 63.
[4] PITOMBO, Cleunice Bastos. Da busca e apreensão no processo penal. São Paulo: RT, 2005, p. 96.
[5] TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 470.
[6] COSTA, Adriano Sousa; SILVA, Laudelina Inácio da. Prática policial sistematizada. Niterói: Impetus, 2014, p. 191.
[7] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 1117.

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