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Os dois lados da Segurança Pública do Estado de Goiás: O Interior e a Capital

Por Adriano Sousa Costa

A Segurança Pública do Estado de Goiás apresenta-se na mídia, atualmente, de duas formas distintas: uma própria da região metropolitana, a qual ostenta apreensões de aviões, de helicópteros e da prisão de grandes grupos criminosos, tudo mostrado de forma hollywoodiana por vídeos oficiais que circulam nas redes sociais; e a outra, a do restante do Estado, na qual se noticia o fechamento de Centrais de Flagrante (como a de Valparaíso) e de unidades por falta de material humano. Isso está sendo percebido por todos nós, inclusive pelos criminosos.

Atualmente, conforme dados obtidos pelo SINDEPOL-GO, dos 246 municípios de Goiás, 176 não têm delegados de polícia. Isso significa que cerca de um milhão e quinhentos mil goianos sofrem diretamente pela falta de uma autoridade policial em suas cidades. E não se pense que isso só repercute na falta daquele atendimento paroquial das demandas cotidianas da população. Na verdade, a situação se agrava quando se percebe que o crime organizado já entendeu essa dinâmica e começou a migrar para o interior. Cada vez mais prisões de membros de facções de organizações criminosas de quilate nacional estão sendo feitas no interior, o que indica que as raízes do crime organizado estão se fortalecendo onde há menos investimentos em Segurança Pública qualificada.

No ano de 2017, Goiás era um dos estados com o menor número de policiais civis do Brasil, ocupando o 19º lugar no ranking respectivo. À época, 104 municípios não possuíam agentes ou escrivães e 162 não tinham delegados de polícia. Eram cerca de 51 policiais civis para cada grupo de 100 mil habitantes, isto é, havia um único policial civil para cada grupo de quase duas mil pessoas. Nos últimos 20 anos, nos termos desse levantamento, a polícia civil goiana havia perdido quase 50% do seu efetivo.

No que tange ao quantitativo de delegados, essa situação obviamente se agravou. Em abril de 2014, após a posse dos aprovados no penúltimo concurso da carreira, existiam 421 delegados em atividade no Estado de Goiás. Em agosto de 2019, esse número já estava reduzido para 326 delegados, segundo dados do portal da transparência. Entre 2014 e 2019, portanto, houve uma drástica diminuição de 95 delegados de polícia na ativa, sem que qualquer reposição tenha sido realizada.

Enquanto o crime organizado escolhe locais – com menor estrutura estatal instalada – para se reagrupar, a estrutura da Polícia Civil do interior está sendo obrigada a se fragmentar para dar conta do trabalho. Diz-se isso, pois, segundo levantamento recente, 51 delegados que estão lotados no interior do Estado são responsáveis por três ou mais delegacias, isto é, devem conduzir os trabalhos da unidade policial em que são titulares e de pelo menos mais duas outras delegacias. A divisão de atribuições em tantas municipalidades dificulta que os Delegados se engajem nos problemas de cada um desses locais, impedindo que se evolua no trabalho investigativo dos grupos criminosos que ali passaram a se enraizar. E, nesse caso, não se pense que as comarcas são próximas umas das outras. Há delegados, como é caso do titular da Delegacia de Cavalcante, que também responde pelas Delegacias de Buritinópolis e Sítio d’Abadia, respectivamente a 227 km e 312 km de distância. Não é incomum, também, que Delegados respondam por sete municípios, o que é vedado pela lei que rege tal acúmulo de Delegacias.

Esse preocupante quadro de falta de delegados de polícia, sobretudo no interior do estado, tem sido objeto de ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público de Goiás. Já existem, por exemplo, decisões judiciais determinando a nomeação de delegados para as cidades de Santa Terezinha de Goiás e Campos Verdes (Processo nº 200604644455), Alto Paraíso de Goiás (Processo nº 201201445340) e Cristalina (Processo nº 201701427170).

No entorno, a realidade não é tão diferente assim. Foi muito divulgado na mídia o recente fechamento da Central de Flagrantes de Valparaíso, devido à falta de delegados na Regional de Luziânia, que circunscreve uma das áreas com os maiores índices de criminalidade do estado.

Diante dessas circunstâncias, em que pese o trabalho sério e dedicado da Polícia Civil do Estado de Goiás, é fato que essa falta de preocupação com o interior e com o entorno contribuem para a inexistência de redução expressiva da prática de crimes violentos no ano de 2019. Na verdade, o Estado de Goiás continua registrando elevadas taxas de mortes violentas, superiores à média nacional e até mesmo aos índices do Estado do Rio de Janeiro, conforme dados do Monitor da Violência, uma iniciativa conjunta da USP, da Rede Globo e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Talvez por isso, Goiás continue a ter 4 cidades entre as 30 mais violentas do país, permanecendo na 5ª posição entre os estados com maior taxa de homicídios de mulheres, constatações estas materializadas no Atlas da Violência 2019, elaborado pelo IPEA e pelo FBSP.

Com efeito, para que não existam essas duas realidades no Estado de Goiás (uma cinematográfica e uma de descaso imotivado com o interior/entorno), é necessário que haja investimentos na recomposição do efetivo da Polícia Civil, iniciativa que o atual governo já poderia ter adotado desde maio deste ano, com a nomeação dos mais de 100 delegados de polícia formados e prontos para suprir as demandas do povo goiano. Por derradeiro, cabe salientar que a nomeação dos aprovados acima mencionados não acarretaria em ultrapassar o limite com gasto de pessoal, tendo em vista que, da análise do balancete bimestral divulgado recentemente, o percentual está em torno de 43 por cento, abaixo, portanto, do limite de alerta. E não é só. Precisamos de novos concursos para ingresso de agentes, de escrivães e de papiloscopistas, pois as investigações de organizações criminosas só são feitas graças ao trabalho conjunto de todos esses qualificados profissionais.

Adriano Sousa Costa é presidente do Sindepol

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