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Os desafios da abordagem às drogas

Por Áurea Chagas Cerqueira*
A luta contra as drogas no Distrito Federal foi reforçada esta semana, com o lançamento de cursos de capacitação de profissionais de comunidades terapêuticas para o atendimento ao dependente químico, sob a condução da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania do GDF. A ofensiva estatal contra o uso e o tráfico de drogas, somada às ações de instituições privadas e do terceiro setor, é bem-vinda e merece nosso respeito e apoio. Mas nos leva a crer que o governo vem negligenciando a atenção às suas próprias equipes de trabalho.
Recentemente, o Correio Braziliense revelou a dificuldade encontrada em hospitais públicos em face do despreparo de profissionais da saúde para lidar com dependentes químicos que chegam a suas unidades. Deve-se registrar que o atendimento a usuários de drogas na rede pública de saúde do DF aumentou em mais 70% em um ano. Relatórios estatísticos, no entanto, não garantem a eficácia da abordagem adequada ao tratamento dessas pessoas.
A questão do uso e do tráfico de entorpecentes deve ser pensada sob os vértices emocional, social, familiar, econômico, educacional. Proponho-me a discutir aqui alguns desses aspectos, partindo de um relato de um conhecido.
O colega estava na Rodoviária do Plano Piloto e acabava de entrar num ônibus com destino a uma cidade de Goiás, quando um policial, acompanhado de 15 adolescentes transtornados pelo uso de droga, acenou para o motorista parar e abrir a porta do ônibus. Como o motorista não parou de imediato, o policial insistiu. Quando, enfim, abriu a porta, o policial disse: “Leva esses garotos e deixa lá no Goiás” (sic). O ônibus partiu e, segundo o relato, o sentimento geral foi de indignação e revolta.
Não me cabe aqui discutir o fato em si, mas aproveito para esboçar pensamentos acerca da abordagem psicológica e social da temática do uso e do tráfico de drogas. Muitas iniciativas nacionais e internacionais, voltadas a crianças e adolescentes, resultam em condutas eficazes que privilegiam um tratamento adequado e o retorno desses indivíduos à sociedade, com melhores condições emocionais, sociais e econômicas, aptos a exercerem papel social relevante.
O relato que ouvi me faz pensar no despreparo das pessoas envolvidas nesse tipo de trabalho. O problema é multifacetado: o uso, abuso e tráfico de drogas constituem tema de interesse das áreas de saúde, segurança, educação, econômica e social, e requerem o envolvimento de muitos profissionais com foco no seu enfrentamento. Não podemos mais pensar em ações individualizadas para tratar de questões tão complexas. Urge que nos orientemos para o trabalho de equipe, composto por diferentes saberes da sociedade, os quais necessitam interagir permanentemente em busca de alternativas de solução que façam a diferença.
Os profissionais de ciências humanas e sociais recebem, ao longo de sua formação, extensas orientações acerca de condutas adequadas para a abordagem às pessoas e o tratamento dessas. Profissionais de outras áreas não são orientados de forma tão permanente, a fim de incluírem os temas humanos em sua leitura do dia a dia de trabalho.
Sensibilizar e preparar equipes que lidam com questões psicológicas e sociais tão delicadas como a das drogas constitui um dos maiores desafios a serem enfrentados. Implica o reconhecimento de que, apesar das competências e experiências de cada integrante, uma nova equipe constituída necessita acertar os passos, falar a mesma linguagem, trabalhar por objetivos comuns.
Num cenário alentador, penso que o trabalho em equipe na abordagem às drogas, com profissionais preparados para lidar com as dificuldades do ser humano, seja capaz de acolher nossas crianças e adolescentes envolvidos com drogas. Capaz de promover ações que fortaleçam a autoestima, que resgatem sua cidadania e lhes deem o direito a um lar afetuoso, em condições mínimas de higiene e conforto.
Sob um enfoque psicanalítico, voltado para o trabalho em grupo, lidar com dificuldades não significa meramente passá-las adiante, como o fez o policial do relato. Significa, sim, “olhar” para elas, reconhecer sua existência, pensar sobre suas múltiplas facetas e nas questões que impedem as ações dos envolvidos. Ou seja, adotar e assumir as dificuldades para que sejam compreendidas e, se possível, transformadas. Conduta válida para quaisquer situações-problema, não apenas para a temática das drogas.

* Áurea Chagas Cerqueira é psicóloga, mestre em psicologia clínica pela Universidade de Brasília e membro do Instituto de Psicanálise da Sociedade de Psicanálise de Brasília

Fonte: Jornal Correio Braziliense

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