OAB é favorável à aprovação da PEC 37
Por José Francisco Mallmann*
A manifestação do pensamento é livre no país, vedado seu anonimato, conforme garante o artigo 5ª, IV, da Constituição Federal-CF. Às vezes, é preciso certa coragem para dizer. Assim sendo, desde 2011 a sociedade brasileira assiste as partes interessadas: associações de classe, sindicatos, delegados, promotores, juízes, juristas, não juristas, mais uma infinidade de operadores e entendidos do direito, digladiando-se, uns pelo sim e outros pela não aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 37 (PEC-37). Essa Proposta, apenas acrescenta o § 10, ao art. 144 da CF, definindo que cabe às Polícias Federal e Civis dos Estados e do Distrito Federal a apuração das infrações penais, ressalvadas as exceções. Este é o ponto central e nervoso de todo o reboliço! Mas por quê? Com a exclusividade das polícias na investigação criminal, de suas atribuições, bem definidas e, neste caso dizendo o óbvio, porque já explícito na atual CF, entende o Ministério Público-MP que é retirado de sua “competência” esse “direito”.
Caberá aqui esclarecer, de uma vez por todas, que inexiste amparo legal ao MP para existência de tal “direito” tanto na Constituição Federal quanto em lei ordinária ou complementar. Claro, não se retira o que não se tem! Mas, de onde então o MP baseia-se nesse proceder? Como não foi encontrada nenhuma verbalização nesse sentido em nosso ordenamento jurídico, o Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP editou a Resolução nº 13, de 02/10/2006, dando a atribuição ao MP para investigar em matéria criminal, ocasião em que o “titular da ação penal” intitulou-se também nesse “direito”, finalmente almejado. Como se vê, atuação flagrantemente ilegal! Portanto, veremos as razões.
Imagine num homicídio doloso o Ministério Público (MP) INVESTIGANDO, sem qualquer tipo de controle externo da atividade, isto é, sem que seja de outro Órgão, em que não haja qualquer vinculação. Imagine essa mesma investigação criminal em que a renovação de prazos de conclusão, igualmente carecer de qualquer tipo de controle externo, de igual natureza apontada, porque tal procedimento é realizado pelo mesmo “investigante”, bastando para isso um fundamento no feito, quantas vezes assim entender. Imagine o mesmo “investigante” agora DENUNCIANDO o que ele próprio concluiu. Imagine, também, o próprio denunciante, titular da ação penal, na sequencia, no Tribunal do Júri, atuando na ACUSAÇÃO! Refiro-me sempre quanto à Instituição MP. Essa atuação parece democrática? É legal? Moral? Mas, é assim mesmo que orienta a tal Resolução nº13! John Lennon jamais imaginaria isso no Brasil!
Ora, a tríade da justiça penal brasileira e democrática, é a Polícia investigando, o MP denunciando e a Justiça julgando. Inconcebível admitir o MP figurar em todas as etapas, no mínimo há um absurdo ferimento ao princípio do devido processo legal, conforme previsto na nossa Constituição Federal-CF, cujo regime é o Estado Democrático de Direito! Além do mais, o Código de Processo Penal-CPP, no Título II – Do Inquérito Policial, no art. 4º, estabelece: “A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.” E, em seu parágrafo único, diz: “A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas (no caso o MP), a quem por lei seja cometida a mesma função”. Cabe apontar qual LEI estabelece essa prerrogativa ao MP?
Vejamos: a CF, art. 129, inciso VII, estabelece ao MP: “exercer o CONTROLE EXTERNO (grifo) da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior”. E no inciso VIII: “REQUISITAR (grifo) diligências investigatórias e a INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL (grifo), indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais”. Já o seu art. 144, § 1º, I e § 4º, estabelece que, ressalvadas às exceções (e diga-se, não incluindo o MP), incumbe às polícias a apuração das infrações penais!
A Lei Orgânica Nacional do Ministério-LOMIN, Lei nº 8.625, de 12/02/93, art. 10, IX, alínea “e”, define ao MP: “ACOMPANHAR (grifo) inquérito policial ou diligência investigatória, devendo recair a escolha sobre o membro do Ministério Público com atribuição para, em tese, oficiar no feito, segundo as regras ordinárias de distribuição de serviços”. E no art. 26, IV, rege: “REQUISITAR (grifo) diligências investigatórias e a instauração de INQUÉRITO POLICIAL e de inquérito policial militar, observado o disposto no art. 129, inciso VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los”.
A Lei Complementar (LC) nº 75, de 25/05/93, art. 3º, repete praticamente o mesmo dispositivo da CF. Já as alíneas “a, b, c, d, e”, estabelece os princípios (o respeito) que devem ser obedecidos para tal exercício. Destaco a alínea “a”: “o respeito aos fundamentos do ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO (grifo), aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil,…”. Ainda, a mesma LC, em seus artigos 9 e 10, determinam sobre o CONTROLE EXTERNO da atividade policial pelo Ministério Público da União – MPU. Há que se deixar bem claro que controlar a atividade policial não significa substituí-la!
Entretanto, veio a inusitada Resolução nº 13/2006-CNMP, que “regulamenta” o art. 8º da LC nº 75/93 (?) e o art. 26 da Lei nº 8.625/93, baseada na qual o MP tem fundamentado a instauração de procedimentos investigatórios em área criminal, pelo mencionado em seu art. 2º: “Em poder de quaisquer peças de informação, o membro do Ministério Público PODERÁ (grifo):” E no seu inciso II–“ instaurar procedimento investigatório criminal”(PIC). Trata-se aqui de um instrumento totalmente desprovido de previsão no ordenamento jurídico e inconstitucional! Nessa forma de atuar, o MP age como “dono” da investigação, diferentemente do inquérito policial, onde há clara divisão de responsabilidades e atribuições, fundamental no equilíbrio de nosso sistema jurídico. Nessa peça, prevista no CPP, em seu art. 6º, estabelece que a autoridade policial, no âmbito do inquérito policial, DEVERÁ! Eis a diferença.
A propósito das diferenças entre o Ministério Público PODER (ter a faculdade de) e a autoridade policial DEVER (ter a obrigação de), alguém imagina o parquet não instaurando um “PIC”, numa cidade do interior qualquer deste imenso país, por qualquer que seja a conveniência ou interesse? Neste caso, quem exerceria o controle externo diretamente dessa omissão? Pela insólita Resolução nº 13, seria o CNMP, quando de suas reuniões, de todos os membros do MP (!), em Brasília… Ora, no mesmo caso, a autoridade policial teria, no dia-a-dia, no cogote, a fiscalização e o controle externo do MP, nessa mesma cidade hipotética…
Como aquele “Procedimento Investigatório Criminal – PIC”, verdadeiramente inventado naquela incrível Resolução nº 13, trata-se de uma faculdade, em função do PODERÀ, o MP procede de forma SELETIVA nesse mister, ou seja, investiga o que melhor lhe aprouver! Prioriza casos de grande repercussão pública e relega a plano secundário sua atuação em casos de menor visibilidade. A propósito, intriga se há interesse do MP investigar o homicídio, o crime mais grave – o bem maior protegido pelo ordenamento jurídico – a vida! Aliás, é o que PODERIA o MP contribuir para a sociedade no auxílio à Polícia Civil-PC, pois em torno de 8% dos homicídios são esclarecidos no Brasil! Um baixíssimo índice que aponta e preocupa a ENASP- Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública, no Grupo Persecução Criminal, como Meta 2 – A Impunidade como Alvo -, visando, com isso, reduzir a sensação de impunidade. Documento, diga-se de passagem, assinado pelo próprio Procurador-Geral da República, como Presidente do Conselho Nacional do Ministério Público-CNMP! Afora isso, também PODERIA o MP auxiliar a PC, investigando, ao menos que fosse, um quinto dos cerca de um milhão e duzentos mil inquéritos policiais hoje em andamento no Estado do Rio Grande do Sul! Por que o MP não investiga veementemente isso? É simples a resposta: não há repercussão na mídia….
Mas, o que chama a atenção é o segundo “considerando” do preâmbulo para a edição da mencionada Resolução nº 13, visto que se baseia também no art.4º, parágrafo único do CPP, uma vez que diz clara como a luz solar, que a competência não exclui a das ‘autoridades administrativas’ (no caso MP, renovo), desde que LEI (!) cometa tal função, volto a repetir! Inacreditavelmente, a citada Resolução nº 13 do CNMP, ao ARREPIO DE TODOS OS DIPLOMAS LEGAIS QUE TRATAM A MATÉRIA, SEJA A CONSTITUIÇÃO, SEJA A LEIS COMPLEMENTAR OU ORDINÁRIA, HOUVE POR BEM ACRESCENTAR ATRIBUIÇÃO AO MP QUE NÃO PREVISTA EM NENHUM DESSES MANDAMENTOS JURÍDICOS! Neste caso, o CNMP legislou por meio de Resolução, isto é, por uma medida meramente administrativa. Portanto, foi desta forma que o CNMP ‘resolveu’ dizer que o Ministério Público PODE investigar em material criminal! Simplesinho assim…
Pelo exposto, penso estar bem claro que nenhum dispositivo oriundo do ‘PODER’ Legislativo, de onde emanam todas as leis nesta República Federativa, deu “poder” ao Ministério Público para proceder a investigação criminal! Lógico, e não deu esse ‘poder’ para evitar a investigação criminal CONCORRENTE! Porém, é o que acontece hoje devido à infausta Resolução nº 13, pois até o denominado sistema “Guardião” o MP utiliza em suas “investigações concorrentes” (paralelas) com as polícias judiciárias! O que o legislador constitucional e infraconstitucional bem definiu, e que vem ao encontro dos anseios da sociedade, é uma investigação criminal COLABORATIVA!
Contudo, chama, ainda, mais atenção o fato de que entre as edições da Lei nº 8.625/93 (LOMIN) e da LC nº 75/93, com a Resolução nº 13/2006, decorreram 13 (treze) anos! O que houve nesse interregno? O MP, como fiscal da lei, naquele período não PODIA investigar? Só PÔDE após 2006, com a criação do CNMP, em 2005? Sinceramente…
Chamam, falsamente, a PEC-37 de “PEC da Impunidade”, assim expressa o próprio site do CNMP, tentando incutir na população que, se tal proposta for aprovada pelo Congresso Nacional, impedindo o MP de proceder a investigação criminal, imperarão a impunidade no Brasil, mormente a corrupção, a improbidade administrativa, o crime organizado, o tráfico de drogas e tantos outros crimes midiáticos, logicamente. Então, deduz-se que, vindo a ser aprovada, o MP não irá cumprir com suas atribuições constitucionais e infraconstitucionais ao tomar conhecimento de delitos dessa natureza, especialmente às de requisitar a instauração de inquérito policial e de diligencias investigatórias, bem como a tudo acompanhar? Deixará de exercer também o controle externo da atividade policial? Ficará silente, omisso? É óbvio que não! Mas, por corporativismo, política e no intuito de se valer da manipulação, é passado à sociedade a sensação de que sim!
Ora, o MP é parte no processo penal! Tem interesse direto! Como admitir que uma das partes possa presidir investigações criminais que ensejarão a Denúncia? “É uma afronta aos direitos e garantias fundamentais do homem, clara violação ao Princípio da Paridade das Armas”. Vide “O Ministério Público e o Poder de Investigar”, de Antonio de Holanda Cavalcante Neto (ambitojuridico.com.br). Portanto, o MP ao “reeditar” o Código de Processo Penal a seu modo, provocou a exigência da PEC 37.
Por ironia, devido ao “Procedimento Investigatório Criminal” – PIC foi necessária a aludida “Proposta de Emenda à Constituição” – PEC!
Por isso, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 37 pretende deixar ainda mais clara a ilegitimidade do MP em se investir na condição de polícia judiciária, salvo em situações excepcionais, conforme sufragado pelo ex-Ministro do STF Cezar Peluso, Relator do RE 593927, em sessão realizada em 21/06/2012, na qual sentencia: “o MP apenas pode realizar investigações criminais quando a investigação tiver por objeto fatos teoricamente criminosos praticados por membros ou servidores do próprio MP, por autoridades ou agentes policiais e, ainda, por terceiros, quando a autoridade policial, notificada sobre o caso, não tiver instaurado o devido inquérito policial”. Destarte, o MP não pode ter papel concorrente com a polícia judiciária!
Portanto, em 21.05.2013, simplesmente a Ordem dos Advogados do Brasil-OAB posicionou-se ao lado da LEI quando, por ampla maioria do seu Pleno do Conselho Federal, manteve o entendimento de que o MP não tem competência para conduzir investigação criminal e, por conseguinte, favorável à aprovação da PEC 37, verdadeiramente a PEC da LEGALIDADE!
Concluindo, convivi com o regime de exceção implantado no Brasil de 1964 a 1985. Hoje experimento a democracia. Posso afirmar que a democracia é o melhor dos regimes!
Fonte: Site da ADPF