O prende e solta
Por Cileide Alves
Secretários estaduais de segurança pública estiveram no Congresso Nacional na semana passada para pedir mudanças no Código Penal sob justificativa de reduzir a criminalidade. Não é de hoje que a polícia reclama que enxuga gelo: prende criminosos em um dia e a Justiça solta no outro.
Nas delegacias, disse o secretário do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, 80% das pessoas não são presas porque é lhes facultado. É compreensível a angústia da polícia, afinal ela tem a impressão de que seu esforço é inútil, pois boa parte das pessoas que prende diariamente já foi presa antes e o será futuramente.
Os secretários sugerem propostas como aumento da pena para determinados crimes; elevar de 3 para 8 anos o tempo máximo de internação de jovens infratores em casos de crimes hediondos; a obrigatoriedade de a Anatel bloquear definitivamente aparelhos de celular furtados ou roubados; e a volta da obrigatoriedade do exame criminológico para condenados receberem benefícios de progressão de regime e livramento condicional.
Coincidentemente, no mesmo dia da mobilização dos secretários em Brasília o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou seu censo carcerário. Segundo o levantamento, há 567 mil pessoas presas no Brasil em apenas 357mil vagas. Portanto, há no país 37% mais presos do que o sistema comporta.
O Brasil ocupa o quarto lugar na lista de países com a maior população carcerária, atrás da Rússia, China e EUA. Na relação de presos por 100 mil habitantes, é gritante a diferença do Brasil para países onde a criminalidade é bem menor, como a Alemanha. Aqui há 358 presos por 100 mil habitantes contra 78 do país germânico. Impressiona também a informação de que 41% dos presos no Brasil não foram nem sequer julgados, são prisões provisórias. Média que é ainda maior em Goiás: 53% dos que estão nos presídios esperam por julgamento.
Esses dados indicam a complexidade do problema do aumento da criminalidade e que a mera mudança no Código Penal pode ser apenas um paliativo. “A violência aumenta na mesma medida em que aumenta o número de presidiários. A prisão tem sido o principal indutor da violência no Brasil”, observa o promotor de Justiça Haroldo Caetano, da Promotoria de Execuções Penais.
“A mudança do Código Penal não combaterá a violência nem vai alterar o quadro da impunidade, pois, como se sabe, as prisões não ressocializam”, concorda o advogado criminalista Alex Neder, ambos favoráveis a mudanças, mas não como solução para o problema. As opiniões dos dois são confirmadas pelos números do CNJ: as prisões cresceram ano a ano, desde 2003, sem que isso tenha reduzido a criminalidade.
Infelizmente, o enfrentamento da violência exigirá remédios mais eficientes do que uma mera aspirina. Mais do que mudar o Código Penal, exigirá revisão do sistema prisional; revisão da estrutura das polícias brasileiras, discussão da criminalização do uso de drogas e da atual guerra contra o tráfico, etc. Um bom debate para os candidatos a presidente da República.
Fonte: Jornal O Popular