Matar não é crime?
Por Cileide Alves
A manchete do POPULAR de sexta-feira revelou que Goiás está entre os Estados com mais crimes antigos sem solução, atrás apenas de Minas Gerais. Essa conclusão foi possível pela análise dos dados da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), uma parceria dos Conselhos Nacionais do Ministério Público (CNMP) e de Justiça (CNJ), que se propuseram a reexaminar os milhares de inquéritos de homicídios parados nas delegacias de polícia de todo o País.
A chamada Meta 2 dos dois conselhos identificou 3.250 inquéritos parados nas delegacias goianas até 31 de dezembro de 2007. Destes, conseguiu reavaliar 391 e os resultados são preocupantes: 344 só trocaram de gaveta, a da delegacia para a da Justiça – quer dizer, foram arquivados por impossibilidade de se chegar a uma conclusão. Só houve denúncias em 39 inquéritos (8 foram desclassificados para outro tipo de crime).
Resumindo: só houve denúncia em pouco mais de 1% do total de 3.250 inquéritos de homicídios parados até 2007 mesmo passados pelos menos seis anos das investigações. E denúncia não significa julgamento muito menos condenação. Esses 39 inquéritos ainda passarão por outro funil e muitos dos acusados podem nem sequer ser condenados.
Matar é crime, mas na prática esses números sugerem que o homicídio está sendo tolerado em Goiás. Além da injustiça, que aumenta o drama das famílias desses milhares de mortos, essa cruel impunidade pode estimular novos assassinatos. Aliás, já está, pois Goiás tem registrado o aumento desses crimes ano a ano.
Em 2008, chegaram mais 800 inquéritos nas delegacias goianas. Na melhor das hipóteses, se esta média anual tiver sido mantida – e ela cresceu – já chegaram mais 3.200 inquéritos nas delegacias desde 2007. E com essa baixíssima taxa de solução de casos, é fácil prever que a impunidade no caso de crimes de mortes vai se tornar uma constante.
E por que esses números tão ruins? Coordenador do Centro de Apoio Operacional do MP, Bernardo Boclin Borges informou ao POPULAR que a grande maioria dos homicídios elucidados no Brasil acontece quando a polícia prende o autor em flagrante. A polícia precisa, então, ter a sorte de cruzar com o criminoso. Quando isso não acontece e o caso requer investigação o índice de esclarecimento cai assustadoramente.
Seja por falta de estrutura das delegacias, algumas ainda sem delegado ou agentes, ou por outro motivo menos tangível, o fato é que esses números revelam muito sobre a pouca eficiência da polícia para o trabalho de investigação necessário não só para punir como também para coibir todas as modalidades de crime.
O mais assustador não é só o que esses números dizem sobre a realidade atual, mas para o que apontam: pelo cenário, os assassinatos vão continuar em curva ascendente e em alta velocidade, afinal, matar não dá cadeia.
Fonte: Jornal O Popular