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Maior tem de ser o amparo

Maior tem de ser o amparoPor Enil Henrique de Souza Filho*

É histórico o entendimento do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contrário à aprovação, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/1993, que prevê a redução da idade penal no Brasil. Isso foi decidido em março de 2007 e reiterado em manifestação do mês de março de 2015, naquela instância, e foi com felicidade e orgulho que pude presenciar deliberação, no mesmo sentido, pelo conselho seccional da OAB-GO, em sessão institucional realizada no último 16 de abril.

Por entender, portanto, que esse posicionamento reflete, com fidelidade, a visão da entidade que represento, em nosso Estado, permito-me aqui algumas considerações. A Constituição Federal fixa a maioridade penal em 18 anos. Em nossa interpretação, esta é uma cláusula pétrea, que não pode ser modificada. É compreensível que a sociedade exija a punição, o castigo, a expiação daqueles que praticaram crimes. Ocorre que, quando esse agente tem entre 12 e 18 anos incompletos, ele se inclui, precisamente, no quadro de sujeitos destinatários da Doutrina da Proteção Integral (DPI), a qual, a propósito, reflete a orientação jurídica adotada pelo Direito Brasileiro às crianças e adolescentes.

Para além de exigir que os direitos das crianças e adolescentes sejam respeitados e garantidos integralmente, a DPI prevê a destinação de um sistema de justiça especializado para os casos de infrações cometidas por adolescentes, justamente por reconhecer a condição peculiar de desenvolvimento na qual se encontra uma pessoa entre 12 e 18 anos incompletos.

É de se salientar que a idade da responsabilidade penal no Brasil está em acordo com uma tendência mundial: apenas 17% de 57 países pesquisados pela ONU definem como adulto uma pessoa com menos de 18 anos. É que a maioria dessas nações cumpre o que foi definido em tratados internacionais dos quais, a exemplo de nosso País, são signatárias.

Trata-se de posicionamento que endossa e reafirma compromissos assumidos, por exemplo, na Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas (ONU) e na Declaração Internacional dos Direitos da Criança. Dados do Unicef revelam a experiência mal sucedida dos EUA. O país aplicou em seus adolescentes penas previstas para adultos, mas os que cumpriram pena em penitenciárias voltaram a delinquir e de forma ainda mais violenta.

Esse é o contexto mundial, mas se formos tratar do contexto nacional, basta observarmos o sistema prisional brasileiro: abrigando a 3ª maior população carcerária do mundo, com mais de 700 mil presos, nossas superlotadas penitenciárias, ao invés de promover efetivamente a reintegração de seus egressos na sociedade, alcançam uma taxa de 70% de reincidência de seus encarcerados no crime, enquanto a taxa de reincidência no sistema socioeducativo é inferior a 20%.

Só isso já nos dá elementos para presumir que o ingresso antecipado de adolescentes no sistema penal brasileiro pode, ao contrário do que se deseja, aumentar os índices de criminalidade, na medida em que os deixaria ainda mais expostos aos mecanismos que reproduzem a violência.

Ao invés de reduzir a maioridade penal, o Congresso Nacional deveria contribuir para fortalecer o sistema educacional e as políticas públicas voltadas à proteção dos jovens e à efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), diminuindo a vulnerabilidade dos adolescentes ante a criminalidade. Não é razoável endurecer as leis se o próprio Estado não as cumpre. A redução da idade penal possui um caráter seletivo porque seguramente submeterá ao sistema prisional pessoas que provêm, sobretudo, de classes sociais desfavorecidas e de territórios marginalizados das cidades, especialmente os jovens negros e pobres.

Não é o jovem de 16 anos que tem de assumir maioridade penal. Maior tem de ser o amparo, isto sim, dado à infância e à adolescência, com investimentos sérios em educação, esportes, lazer, saúde. Com adoção de medidas e iniciativas que tornem o cotidiano e a estrutura de vida desses jovens mais saudável, positivamente ativa e com boas perspectivas. Parece óbvio, repetitivo, e até desnecessário insistir nisso, mas é precisamente disso que nossa juventude carece.

Para a OAB-GO, a redução da maioridade fatalmente levará a efeitos que transcendem a esfera penal, visto que teria impactos diretos e indiretos em outras legislações. Notadamente, podemos listar que o aumento das mortes por acidente no trânsito, da exploração sexual e comercial de crianças e adolescentes, da exploração do trabalho infanto-juvenil e do consumo de álcool e tabaco entre os adolescentes seriam praticamente imediatos.

*Enil Henrique de Souza Filho é presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de Goiás

Fonte: Jornal O Popular

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