Justiça só para maiores
A revista Veja (Editora Abril) publicou uma matéria com o título “Justiça só para maiores”, partindo de uma abordagem dos jovens que participaram de um estupro coletivo no Piauí que terminou na morte de uma garota e que ficarão, no máximo, três anos internados. E indaga: isso é justo? Em um momento em que a nação discute o polêmico tema sobre a maioridade penal, opiniões favoráveis e contra pululam aos quatro cantos.
Como sou favorável a redução para 16 anos de idade, sem qualquer ressalva, tendo em vista que a diminuição da idade para somente alguns crimes importaria em algumas incongruências, tais como, por exemplo, um adolescente seria imputável se cometesse um estupro, mas ao mesmo tempo seria vulnerável se fosse vítima também; ele seria irresponsável na prática de um determinado ato infracional e para tirar sua carteira de habilitação para dirigir um veículo a lei fala que tem de ser imputável. Claro que a redução da idade para algumas situações achando-se que seria um meio termo, com certeza ocasionará outras inconsequências duvidosas e perigosas.
Aumentar o prazo de internação como medida paliativa e política não resolve o problema. Não há locais apropriados e adequados para a aplicação das medidas socioeducativas previstas na legislação. Isso refuta da mesma forma o argumento de que não há lugares corretos nos presídios para colocar os adolescentes, que num passe de mágica, passariam a ser imputáveis na superlotação carcerária. Somente quem tem experiência em atuação na área criminal pode enxergar isso com mais clareza.
É verdade que existem muitos mitos e falsidades sobre a redução da maioridade penal. É falácia dizer que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é bom para punir menores infratores. Pode até ser bela no papel, mas na prática deixa a desejar. Ela é muito leniente. É mentira que menores assassinos ficam internados mais de três anos. O ECA determina que só poderá ficar internado por até três anos, não importa o ato que tenha cometido. É engano apontar que em países onde houve a redução isso não contribuiu para diminuir a criminalidade. A diminuição não deve ter como objetivo diminuí-la, mas combater a impunidade de jovens que cometem delitos. É utopia imaginar que a redução vai resolver o problema da criminalidade do Brasil. Outra balela é admitir que a não-majoração só faria com que os bandidos passassem a recrutar menores de 16 anos. A experiência como juiz do Tribunal do Júri me dá base a informar que adultos estão aliciando meninos de até 10 anos de idade hoje para acerto de contas com mortes no tráfico de drogas. Outra falsidade é pregar que a redução fará com que crianças acabem internadas juntamente com criminosos adultos. Atualmente não estão internados com eles, mas já andam e perambulam juntos em quadrilhas nas ruas praticando atrocidades, o que é pior. Além do mais, no Brasil, todos os projetos em debate preveem que os jovens infratores cumpram pena em instituições especiais, separados. Improvável que menores de 18 anos são responsáveis por menos de 1% dos homicídios no país. As estatísticas disponíveis contam outra história e é evidente que o número de pessoas com idade abaixo de 18 anos é bem menor que os demais, furando o percentual apontado. Incongruente definir que 16 anos é uma idade tão boa quanto 14 ou 15. Entre os adolescentes internados hoje por crimes hediondos, 71% têm 16 anos ou mais.
A revista apontou igualmente que a neurociência explica por que os adolescentes tendem a ser quase sempre imaturos, mais mercuriais e inconsequentes do que os adultos. O jovem com 16 anos de idade atualmente é diferente do mancebo da década de 40 quando o Código Penal entrou em vigor. Os tempos mudaram, as mentes são outras, as comunicações são mais lépidas e as infrações se alteraram também. A norma deve acompanhar as mudanças no mundo.
A discussão em torno da proposta de redução virou um embate ideológico e político. Está óbvio que, do jeito que estão, as coisas não podem ficar.
O assunto é complexo e polêmico. Não se esgota em um simples artigo, mas é sério e extremamente preocupante. Justiça não é só para maiores.
*Jesseir Coelho de Alcântara é juiz de Direito e professor
Fonte: Jornal O Popular