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Justiça, desta vez

Justiça, desta vezEditorial da Folha de S.Paulo

Dois anos e meio depois do desaparecimento do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, morador da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, a Justiça chegou na última sexta-feira (29) a um veredito em primeira instância.

Com o apoio de evidências amplamente divulgadas pela imprensa ao longo desse período, concluiu-se que 13 policiais militares foram responsáveis pelos crimes de tortura seguida de morte, ocultação de cadáver e fraude processual.

O pedreiro tinha sido detido numa delegacia da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) em sua comunidade; nunca mais foi encontrado. Depois, vídeos mostraram a movimentação de um comboio policial em seguida ao crime, transportando o que se acredita ser o cadáver da vítima para destino insuspeito.

Eram cabais as provas coligidas, e o caso suscitou inusual mobilização da sociedade –entre muitas razões, porque o crime ocorreu numa UPP, supostamente modelo de novo relacionamento entre a polícia e o público a que deveria servir.

Não espanta que tenha sido relativamente curto, assim, o intervalo entre o crime e a condenação –cabendo ainda recurso, todavia, a instâncias judiciais superiores.

A regra costuma ser outra. De acordo com a ONG Anistia Internacional, das 220 investigações de homicídio por ação da polícia carioca abertas em 2011, apenas uma resultou em denúncia à Justiça, ao passo que 183 permaneciam sem conclusão até meados de 2015.

Não se trata, por óbvio, de particularidade do Rio de Janeiro. Basta lembrar que o massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, em São Paulo, teve seu primeiro veredito condenatório concluído 21 anos depois.

São diversas as causas para o quadro de impunidade. Policiais dispõem de recursos técnicos, sem contar com eventual conivência de seus pares e o poder de intimidar testemunhas, para ocultar provas.

O ambiente da opinião pública, confrontada com relatos diários e verídicos sobre a sanguinolência e o poder bélico do crime organizado, contribui para o descontrole.

A tese “bandido bom é bandido morto” obtém apoio de largas parcelas da população, ainda que ninguém ignore a possibilidade de inocentes serem trucidados no cumprimento dessa estúpida assertiva.

Amarildo de Souza foi, sem dúvida, uma dessas pessoas. Mesmo que tivesse algum envolvimento com o crime, seu assassinato brutal, assim como as tentativas de ocultar o ocorrido, seria inadmissível em qualquer país civilizado.

Menos mal que, desta vez, a Justiça não tenha tardado demasiadamente em sua missão.

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo

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