Já estamos em quarto… em presos
Por Alexandre Barros
Nada para celebrar. Matéria da revista The Economist sobre prisões, publicada na edição de 22 de setembro, pinta um quadro desolador das cadeias nas Américas do Sul e Central. O Brasil chegou ao quarto lugar em número de presos no mundo.
Apesar do crescimento vertiginoso da classe C e de sermos a sexta economia do mundo, não vi em nenhum lugar o governo comemorando esse quarto lugar. Julita Lemgruber, socióloga e ex-diretora do Sistema Prisional do Estado do Rio de Janeiro, encabeçou uma campanha, na década de 1990, para mudar a lei e possibilitar que acusados de crimes não violentos, cujas possíveis penas não ultrapassassem quatro anos, pudessem ser beneficiados com penas alternativas, isto é, que não envolvessem encarceramento. Aprovada a lei, ela descobriu quando era que a porca torcia o rabo: os juízes não queriam condenar pessoas a penas alternativas, preferiam mandar os condenados para a cadeia, apesar da lei. É a visão de que prisão é vingança, e não apenas o que deveria ser: uma maneira de isolar criminosos violentos.
Recentemente ouvi uma entrevista de uma senhora, se não me engano, do Ministério Público de São Paulo, falando sobre tráfico de animais silvestres. Estamos na época do nascimento de papagaios, quando os colecionadores se dedicam com mais afinco a traficar as pobres aves. Ela reclamava de que era muito difícil prender alguém por esse crime. E, mesmo preso e condenado, “só passaria um ano na cadeia”. Qualquer pessoa de bom senso percebe que prender alguém por um ano por vender um papagaio “ilegal” envolve enorme desproporcionalidade entre o crime e a pena.
Pior é a desproporcionalidade econômica. Encarcerar custa muito caro. O processo é longo e penoso. É verdade que gera trabalho para policiais, advogados, promotores e juízes. Se condenados, há o custo de trancafiar os culpados, por 12 meses, como hóspedes involuntários do Estado, como gostava de dizer o Barão de Itararé. O preso terá de comer, dormir, vestir-se, banhar-se, receber cuidados médicos e ser vigiado por agentes penitenciários, por piores que sejam as condições prisionais no País. Quase todo mundo sabe disso, mas ninguém fala. Essa conta não fecha. É um investimento perdedor. Uma empresa tentando funcionar com base nessas finanças faliria rapidamente, só que Estados não falem.
Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia, dizia que quando alguém gasta dinheiro dos outros (leia-se nosso) em benefício dos outros (presumivelmente, nós), não importam nem o custo nem a qualidade do serviço. Como o governo não produz nada, só extrai recursos de quem faz. E o pior: para pagar despesas decididas por parlamentares eleitos, que não precisam se preocupar com os gastos, porque nós pagaremos. Se um crime faz “sucesso” nos noticiários de televisão, os parlamentares o tornam hediondo. Dobram a pena… e a despesa.
Com a crise, os malabarismos amanteigados da política econômica aumentam. O governo quer mágica: cortar despesas sem reduzir custos. O setor de prisões não é irrelevante.
Temos atualmente, segundo os dados da The Economist, 515 mil cidadãos na cadeia, já condenados. E outros mais que já cumpriram suas penas, mas a burocracia ainda não encontrou tempo para libertá-los. Como a grande maioria dos presos cai na categoria “ppp” (pretos, prostitutas e pobres), a sociedade prefere esquecer-se disso.
Estamos formando recursos humanos competentíssimos para o crime. O tempo que presos passam na cadeia equivale a uma pós-graduação em tempo integral e de dedicação exclusiva. Entra traficante de papagaio, sai assassino. Quem sabe os Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia se dedicam a fazer um estudo sobre isso, para ver se alguma coisa se aproveita para tornar mais eficiente essa “política de formação de mão de obra”?
Mas a porca já avisou que vai torcer o rabo mais uma vez: acabou a prisão especial e, com a democratização do ensino superior (de maior ou de menor qualidade, não é o caso de discutir aqui), a turma do “ppp” está chegando à faculdade. Como fica a elite? Mudará a lei para prender menos gente, reservando a prisão para crimes violentos, a fim de nos vermos livres deste humilhante quarto lugar, ou continuaremos a encarcerar com a mesma sanha?
A pós-graduação em crime obtida na cadeia é exclusiva em relação a outros treinamentos de alto nível. Deixamos estar para ver como é que fica? Ou pensaremos seriamente em reabilitar as pessoas que cometeram violações legais não violentas sem mandá-las para a prisão?
A demografia dos Brics pode nos dar conselhos sobre isso. A China e a Índia têm população sobrando. Se desperdiçarem alguns milhões, seu progresso e seu crescimento não serão ameaçados. A Rússia e o Brasil, não. Na Rússia a população já está em queda. No Brasil o ritmo de crescimento populacional reduziu-se bastante e, pelas estimativas que fazem os demógrafos – os únicos cientistas sociais que têm capacidade real de prever o futuro acertadamente -, nossa população se estabilizará em torno de 2030 e daí para a frente começará a declinar. Não temos, portanto, o superávit populacional da China e da Índia, que permite desperdícios. Aqui, cada cidadão produtivo recuperável que perdermos em definitivo para o crime fará falta. E muita.
É alentador ler as declarações de Marcos Carneiro de Lima, delegado-geral da Polícia Civil (Estado, 28/9): “Não defendo que a prisão seja solução para todos os crimes, como furtos e outros casos mais leves. A prisão deve ser lugar de crimes violentos”. Esperemos que mais pessoas responsáveis por essas áreas se mobilizem para que possamos usar produtivamente os recursos humanos que as cadeias têm enorme potencial de desperdiçar.
* Alexandre Barros é cientista político (PhD, University of Chicago), professor universitário e consultor de empresas.
Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo