Inquérito policial e o combate à criminalidade
Por Marcos Leôncio Ribeiro*
A Operação Lava-jato, que desvendou o maior número de fraudes e conluios entre empreiteiras, servidores e políticos já vistos no país, envolvendo desvio de grande volume de recursos públicos, em proporções inéditas, encontra definição jurídica como sendo um conjunto de provas coletadas no bojo de Inquérito Policial presidido por delegados de Polícia Federal. Para se compreender a magnitude dessa investigação policial e entender como foi possível chegar a esses resultados, algumas aspectos merecem reflexão.
Investigar crimes que demandam instrução robusta e complexa exige profunda especialização da autoridade policial e dos seus agentes. Nesse sentido, é inegável que, desde 2002, a Polícia Federal vem realizando importantes investigações relacionadas a desvio de recursos públicos que demandaram aos delegados de Polícia Federal, bem como aos demais policiais federais, que se capacitassem cada vez mais no tema, criando um “modus operandi” investigativo próprio, voltado ao enfrentamento da criminalidade organizada.
Entretanto, somente a expertise da Polícia de Investigação Criminal (polícia judiciária), não é suficiente para punir os responsáveis por crimes de tamanha gravidade. É imprescindível uma relação institucional direta com o Poder Judiciário visando à completa elucidação de delitos considerados de alta complexidade técnica. Assim, muitas das informações necessárias à investigação demandam a mitigação temporária de direitos e garantias constitucionais. Muito embora tais medidas sejam sempre submetidas ao crivo imparcial do Poder Judiciário.
O juiz federal Sergio Moro, por ser uma referência acadêmica em crimes financeiros e profissional sabedor do papel que compete a cada órgão do sistema de persecução penal, foi crucial durante a investigação e possibilitou a concessão das medidas cautelares e quebras de sigilo necessárias à produção de provas. Daí a importância da criação e expansão das varas especializadas em crimes financeiros em todo território nacional.
Priorizar a atuação de autoridades policiais e servidores policiais nessas investigações se mostra, sem dúvida, medida fundamental para que sejam colhidos resultados tão exitosos. De fato, o contingente da Polícia Federal saltou de cerca de oito mil policiais em 2002 para quase 14 mil em 2014. Além disso, policiais federais foram realocados de outras áreas para se dedicar às investigações de crimes financeiros, corrupção e desvio de recursos públicos, como resultado da mudança de visão cultural na Polícia Federal, pois se antes a repressão a entorpecentes era a única área nobre, hoje divide espaço com o enfrentamento aos chamados “crimes do colarinho branco”.
Importante, ainda, registrar o apoio dos órgãos de controle, como a CGU, o TCU e o COAF e outros, assim, também, da Receita Federal, às investigações da Polícia Federal. Não restam dúvidas de que o modelo de Segurança Pública e Justiça Criminal a ser seguido no país deve ser o da integração entre os mais diversos órgãos públicos. Cada um realizando seu papel, de acordo com as suas competências legais e constitucionais, com o objetivo comum de combate à corrupção, sem olvidar o necessário respeito às regras do Estado Democrático de Direito.
Uma boa noticia a todos os cidadãos brasileiros é que a Polícia Federal caminha a passos largos para consolidar a sua autonomia investigativa. Os Delegados Federais já possuem, por força da lei 12.830/2013, a independência necessária ao seu desempenho funcional. A lei 13.047/2014, que assegurou a direção técnica do órgão, ao estabelecer que somente delegados de carreira concursados possam ser dirigentes da Polícia Federal, veio afastar a possibilidade de interferências externas indevidas em suas atividades.
A instituição Polícia Federal, porém, ainda carece de autonomia administrativa e orçamentária. Felizmente, a sociedade brasileira – a partir dos resultados hoje vistos – já compreendeu a importância de garantir à Polícia Federal as condições administrativa, orçamentária e financeira adequadas para agir no combate ao crime, sobretudo cometidos pelos detentores de poder político e econômico. A população está cada vez mais vigilante quanto à necessidade de novos avanços institucionais em favor da Polícia Federal do Brasil.
É importante também destacar que, tecnicamente, todas as “operações” são, na verdade, inquéritos policiais nos quais foram empregadas técnicas especiais de investigação em razão da complexidade da organização criminosa investigada. Nesse viés, entende-se como rasa, descompromissada e despida de valor prático, a crítica desferida por alguns setores classistas ao Inquérito Policial. Uma ferramenta que ainda consiste no melhor instrumento formal de garantia do cidadão contra o Estado arbitrário, cujo procedimento e controle estão previamente estabelecidos em lei.
Por fim, ressaltamos que a discussão sobre a melhoria no sistema de Segurança Pública e Justiça Criminal não deve se cingir ao Inquérito Policial, instrumento imprescindível no combate ao crime, mas sim em torno da melhor estruturação da Polícia Federal e das demais polícias civis estaduais, com competência de investigação criminal, para que cumpram cada vez melhor as suas funções constitucionais, resultando na promoção de tantas outras “Operações Lava Jato”, quanto necessárias, por todo o país.
* Marcos Leôncio Ribeiro é delegado e presidente da ADPF
Fonte: Site ADPF