Gestão suprema
Tornaram-se públicos nos últimos dias dois relatórios de extrema importância para o debate acerca do Poder Judiciário.
Elaborados por equipes distintas e divulgados na mesma semana apenas por coincidência, estimulam, quando tomados em conjunto, a busca de novos caminhos para resolver problema central da nossa Justiça: a lentidão extrema.
Um deles, o “Justiça em Números 2014”, não traz propriamente novidades, mas os montantes que registra são ainda assim espantosos. Em sua 11ª edição, o trabalho feito pelo Conselho Nacional de Justiça consolida informações relativas a 90 tribunais, com exceção do Supremo Tribunal Federal –que está fora da alçada do CNJ.
Para suprir essa lacuna, a FGV Direito Rio produz, de forma independente, o estudo “Supremo em Números”, que chega neste ano a sua terceira edição com o título “O Supremo e o Tempo”. Suas conclusões são verdadeiros achados.
Sempre predominaram, nas discussões a respeito da morosidade judicial, visões panorâmicas sobre o sistema. O imenso volume de novas ações e o excesso de recursos processuais à disposição com frequência têm aparecido como principais explicações para a letargia.
Não se pode tirar a razão desses argumentos. Como o relatório do CNJ mostra, o Judiciário conheceu, somente em 2013, 28,3 milhões de processos, aos quais se acresce um estoque de 66,8 milhões de demandas pendentes para alcançar o total de 95,1 milhões de autos em tramitação no ano passado.
Como os 16,5 mil juízes do país deram cabo de 27,7 milhões desses casos (média de 1.684 por magistrado), este ano começou com um passivo acumulado de 67,4 milhões, quantia 0,9% superior à de 2013. A pilha só faz crescer.
Diante desse diagnóstico, são naturais, e mesmo necessárias, iniciativas com vistas a fomentar o uso de mecanismos extrajudiciais. Por meio da mediação e da conciliação, os envolvidos procuram acordo entre si; na arbitragem, submetem-se à decisão de um especialista escolhido por eles.
Também têm seu lugar propostas para reduzir o número de recursos judiciais oferecidos às partes. No STF, por exemplo, passam de 30 as portas abertas a quem quiser contestar uma sentença.
Nada há de estranho no raciocínio: com menos ações, os juízes poderiam resolvê-las num prazo menor; com menos recursos, as decisões logo produziriam efeitos.
Existe, porém, um aspecto pouco explorado nas análises: o desempenho individual dos magistrados. Números são médias, e as metas fixadas pelo CNJ, inclusive as gerenciais, referem-se, como regra, a tribunais como um todo.
Olhar para o todo tem muitos méritos, mas valeria examinar com atenção as partes que o compõem. Como o relatório “O Supremo e o Tempo” evidenciou, cada ministro do STF tem seu próprio ritmo de trabalho –e é razoável supor que no Judiciário inteiro seja assim.
Algumas comparações explicitam o tamanho da disparidade. Uma decisão liminar, concedida em caráter provisório e urgente, demora em média 44 dias no Supremo. Quando cai nas mãos de Teori Zavascki, sai em 15 dias; quando cabe a Luiz Fux, tarda 72.
Diferenças maiores existem na redação do acórdão, espécie de sentença do colegiado. Da atual composição, seis ministros entregam a peça no prazo regimental, de 60 dias. Zavascki, de novo, tem o melhor desempenho (23), enquanto Celso de Mello tem o pior (679).
A leniência do STF com o descumprimento de seus próprios ritos é inaceitável. A corte máxima do Judiciário deveria ser a primeira a dar o exemplo. A eficiência dos melhores gabinetes, aliás, bem que poderia ser estudada e replicada. Para não ficar apenas com Zavascki, do Supremo, tome-se o caso de Sidnei Beneti, ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça.
Em artigo publicado neste mês no jornal “Correio Braziliense”, Joaquim Falcão, diretor da FGV Direito Rio, conta que o ministro encontrou no STJ 9.000 processos acumulados. Recebeu 10 mil por ano. Na saída, deixou para o sucessor um estoque de apenas 1.200.
Beneti participará, nesta segunda-feira (29), de debate promovido por esta Folha sobre a lentidão do Judiciário. Também comparecerão, entre outros, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, e Ivar Hartmann, coordenador do “Supremo em Números”.
Será boa ocasião para discutir novas soluções para velhos problemas. Variáveis estruturais sem dúvida entram na equação, mas respostas pontuais podem ter impacto decisivo. Se racionalizar a gestão de processos, criando regras padronizadas para a administração dos gabinetes, a Justiça brasileira já avançará muito.