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Geração Cebola e Geração Deserto

Por Wilson Luís Vieira*

O conflito entre o novo e o velho é um tema recorrente em qualquer instância, instituição, época e sociedade. Nascemos e morremos a cada dia em um processo contínuo onde os sete bilhões de habitantes deste planeta se encontram em uma fase diferente da vida. Enquanto alguns estão aprendendo as primeiras palavras outros dominam as sutilezas e formas da comunicação verbal, por exemplo.

Não há dúvidas de que as perspectivas do futuro são mais fascinantes que as realizações do passado. Mas estas seriam possíveis sem as ações do tempo presente e as construções do pretérito? Criar fundamentos, desbravar e vencer são ações que se diferenciam cronologicamente?  Será tudo mais simples nos dias atuais, dado a rapidez das mudanças? Ou tudo ficou mais complexo com a inexistência de espaços físicos, provocada pelas comunicações virtuais que aproximam e também distanciam as pessoas? Pensando sobre este assunto, e aproveitando o tempo da quaresma, faço um paralelo com a realidade histórica de fatos vividos pelo povo hebreu durante o êxodo, os quarenta anos que vagaram pelo deserto em busca de uma terra prometida, e com o contexto religioso expresso no livro dos livros, a Bíblia Sagrada.

Historicamente temos os registros de uma nação que, tendo crescido dentro do território de outro povo, dos egípcios, tornou-se uma ameaça à segurança e à soberania destes. Um pequeno grupo familiar unido pela crença e fé que professavam agregou e cresceu como “o povo de Deus”. A conveniência de mantê-los como escravos contrastava com o risco de uma rebelião. A expulsão representava a temeridade de ter um grande contingente de pessoas vagando pelas fronteiras que poderiam se organizar militarmente e retornar como invasores. Massacrá-los dentro de suas cidades seria um ato muito cruel a ser assistido por todos os egípcios. Por que então não libertá-los e persegui-los logo depois?

Sob a visão religiosa consta-se o surgimento de um libertador, um hebreu criado como príncipe egípcio, o ungido que manifesta o poder de Deus mediante pragas. Independente do ponto de vista, seja ele religioso ou histórico, deu-se a libertação. Também por uma destas duas óticas ocorreu a destruição de um exercito, que pode ser explicada pela abertura do Mar Vermelho ou por uma mudança brusca da maré.

Por fim, iniciaram os hebreus uma caminhada para a terra prometida. Se considerarmos a distância de 450 quilômetros entre o Egito e Israel e a quantidade de pessoas – estimada por historiadores em 600 mil, incluindo mulheres e crianças, todos levando consigo pertences pessoais e animais -, a viagem não demoraria mais do que três meses.  Entretanto, a jornada durou 40 anos.

A justificativa religiosa é a de que aquele povo fraquejara e adorara um bezerro de ouro, traindo assim a Deus, que os perdoou, mas impôs a pena de que nenhum daqueles entraria na “terra prometida”, que restou como legado somente para a geração nascida durante a peregrinação pelo deserto.

A lógica histórica impõe o questionamento: seria possível a uma geração de pessoas, acostumadas a viver como escravos, comendo cebolas, apanhando e sendo humilhados por seus senhores, ter a determinação e coragem de entrar em um território já habitado e enfrentar os moradores do local, impondo à força de armas sua determinação de ocupá-lo? Não seria então uma boa estratégia um processo de renovação? Não seria o caso deixar para novos indivíduos, nascidos no deserto, acostumados aos extremos do calor do dia e do frio da noite e a se defender de tribos inimigas o sonho de alcançar uma promessa?

Entenda, caro leitor, que não é meu propósito levantar nenhum questionamento sobre a  manifestação divina na história vivida pelo povo hebreu. Faço apenas um paralelo para bem demonstrar as diferenças possíveis entre gerações.

Uma Geração Cebola teve a coragem de sonhar com uma realidade nova e, acima de tudo, mesmo não possuindo preparo e condições para tanto, lançou-se no deserto em busca da “terra prometida”. Por outro lado, a Geração Deserto surgiu dos rigores de uma vida nômade, também alimentada com sonhos, e lançou-se na luta pela conquista desta terra.

Seria então possível dizer qual geração, a cebola ou deserto, foi de maior importância? Não há pesos possíveis de serem estabelecidos. Uma é o produto da outra e ambas comungaram de um só objetivo.

Para trazermos este paralelo às nossas vidas e de nossas instituições, só resta uma importante observação: cada um de nós vive realidades e momentos únicos, nos encontramos em estágios diferentes. A conjunção de indivíduos em um mesmo estágio de propósitos é que pode determinar avanços na história das instituições e da humanidade. A coragem para se lançar no deserto é tão importante como a determinação de lutar pela promessa recebida.

A que geração você pertence, cebola ou deserto?

Delegado de Polícia e presidente do SINDEPOL

Fonte: Jornal Diário da Manhã

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