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Fase policial do procedimento sumaríssimo. Aspectos teóricos e pragmáticos

Por Rafael Francisco Marcondes de Moraes e Marcelo da Silva Zompero

1 – Introdução
Serão abordados neste ensaio relevantes aspectos, de ordem teórica e prática, afetos à fase policial do procedimento sumaríssimo do processo penal brasileiro, expondo considerações quanto à classificação das infrações de menor potencial ofensivo, bem como acerca dos denominados “termos circunstanciados” e da autoridade que os preside, além de outras especificidades correlatas.

Para situar o tema, urge lembrar que o procedimento comum sumaríssimo encontra alicerce constitucional no artigo 98, inciso I, da Lei Maior, e expressa previsão no Código de Processo Penal, no inciso III, do § 1º, de seu artigo 394, com a redação dada pela Lei Federal n. 11.719/2008, que vincula sua aplicação às denominadas “infrações de menor potencial ofensivo”, a serem definidas “na forma da lei” e atinentes aos “Juizados Especiais Criminais”.

Nessa esteira, para regulamentação desses juizados, foi editada a Lei Federal n. 9099, de 26 de setembro de 1995, delineando as mencionadas infrações em seu artigo 61:

“Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa”.
Nota-se, pela literalidade do dispositivo, com o texto atual determinado pela Lei Federal n. 11.313/2006, que o parâmetro para a caracterização das infrações sujeitas ao procedimento sumaríssimo é estipulado pela pena máxima fixada a cada tipo penal, independente da cumulação ou não de pena de multa.

Assim, transgredida uma infração de menor potencial ofensivo, deve o Poder Público buscar a punição do agente violador pelo regramento dos Juizados Especiais Criminais, que tem seu início na chamada fase preliminar, a seguir estudada.

2 – Fase Preliminar e Autoridade Presidente
A fase preliminar do procedimento sumaríssimo, também designada extrajudicial ou policial, é tratada no artigo 69, da Lei n. 9.099/95, in verbis:

“Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.

Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima”.
Inicialmente necessário se faz definir o significado e a abrangência da nomenclatura “termo circunstanciado”.

À luz dos princípios ou critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, norteadores do Juizado Especial Criminal, extraídos do artigo 62, da Lei 9.099/95, assim como da redação legal e dos significados que costumam ser empregados à expressão, conclui-se que o termo circunstanciado, de um modo geral, traduz-se no documento que sintetiza e inicialmente substitui o auto de prisão em flagrante delito ou até mesmo o inquérito policial, não se confundindo, todavia, nem com um, nem com outro. No auto de prisão em flagrante ou mesmo no inquérito policial as declarações da vítima ou de eventual suspeito, bem como os depoimentos das testemunhas, compõem cada qual um termo próprio, assinado individualmente pelo Delegado de Polícia, pelo inquirido e pelo Escrivão de Polícia.

No termo circunstanciado o procedimento é outro. Todos os envolvidos na ocorrência (autor dos fatos, vítimas e testemunhas) prestam sua versão, que será colhida de modo resumido em um único documento, ao final assinado pelo Delegado de Polícia, por referidas pessoas e pelo escrivão. Deve a Autoridade Policial também fazer consignar todas diligências e apurações inicialmente realizadas, quais os bens e eventuais instrumentos do crime apreendidos, bem como as perícias requisitadas.

Ao comentar sobre a fase preliminar a que se submetem as infrações de menor potencial ofensivo, diz Eugenio Paccelli de Oliveira que esta consiste “na tentativa de reunir, em uma só assentada, todas as pessoas cujos interesses possam ser afetados por uma decisão judicial relativa ao fato pena.” (2010, p. 728).

É de se anotar que essa simplificação na coleta e formalização dos elementos informativos determinada pelo legislador, longe de significar a dispensa da necessária eficiência, está a exigir ainda mais do Delegado de Polícia qualidade e conhecimento das regras processuais, a fim de, valendo-se de seu poder de síntese, bem insculpir no termo circunstanciado os dados mínimos exigidos para propositura e futura aplicação das benesses legais ou, caso estas não sejam cabíveis, viabilizar ao titular da ação penal lastro probatório mínimo para a propositura da denúncia ou queixa.

Nesse mesmo sentido se posiciona Manoel Messias Barbosa (2009, p. 58) :

“O legislador não dispensou a Autoridade Policial da obrigação funcional de ser diligente e eficiente na coleta e confecção dos elementos indiciários que devem subsidiar a propositura de uma futura ação penal. Ao contrário, ao simplificar o procedimento investigatório, passou a exigir dela mais qualidade na elaboração do substituto do inquérito policial. A autoridade policial tem que ter consciência que referido termo deverá reunir dados suficientes para possibilitar ao titular da ação penal postular a aplicação da lei penal, isto é, tem que configurar a existência de justa causa para a propositura de aplicação das penas alternativas à prisão, que, em outros termos, não deixa de ser o início e, quando aceita, o fim da ação penal. Com isso, a ação penal não mais se inicia somente com o oferecimento da denúncia ou queixa, mas também com a proposta de transação penal formulada pelo Ministério Público”.
Vale lembrar, contudo, um ponto de suma relevância. Antes de se partir para elaboração do termo circunstanciado deve o Delegado de Polícia, após ter entrevistado testemunhas, vítimas e o próprio autor dos fatos, bem como analisados eventuais vestígios deixados pela infração, realizar um breve juízo de delibação buscando verificar se o fato constitui infração penal – e aqui se faz necessária a aplicação dos institutos da ciência jurídico-penal – e, na hipótese de um juízo positivo, se tal infração poderia ser ou não considerada de menor potencial ofensivo, atento não só aos critérios legais para tal adequação, mas também ao que jurisprudência e doutrina vem entendendo acerca da consideração de concurso de crimes ou incidência de causas de aumento para se excluir do Juizado Especial a competência para apurar e julgar tais violações ao ordenamento repressivo.

Após esse juízo hipotético, caberá, ainda, à referida Autoridade Policial, dentre tudo o quanto lhe é narrado pelas pessoas envolvidas na ocorrência, filtrar e lançar, de modo resumido no termo circunstanciado, aqueles elementos que reputa estritamente essenciais ao anúncio da autoria e materialidade delitiva.

Veja-se, portanto, que apesar da simplicidade, celeridade e informalidade que orientam esse novo procedimento preliminar, não é a confecção do termo circunstanciado mero ato autômato, robótico, de preenchimento de “claros” em uma folha de papel tipo “formulário”. É ato, ao nosso ver, de polícia judiciária, ou seja, de Polícia auxiliar da Justiça; de órgão incumbido na apuração de infrações penais e sua autoria, através da coleta de elementos informativos que, no futuro, poderão se transmudar em prova do fato delituoso.

Desse modo, tal qual o auto de prisão em flagrante (que serve como parâmetro para a síntese), regulado no artigo 304, do Código de Processo Penal, dentre as informações integrantes do termo circunstanciado, reputam-se indispensáveis os dados de identificação e as versões, ainda que resumidas, sustentadas pelas partes envolvidas, assim como das eventuais testemunhas, elementos indiciários mínimos que revelem a materialidade e a autoria da infração, incluindo exames periciais e outras diligências e, principalmente, a motivação, mesmo que sucinta, da autoridade policial que deliberou pela lavratura do documento.

Como se pode observar, contrariando posicionamentos de alguns respeitáveis juristas, não há como admitir a supressão, em sede policial, do devido juízo de delibação para a adequação de uma conduta a um fato típico, independente de seu grau de potencialidade. Repise-se que é à Polícia Judiciária, dirigida por Delegados de Polícia de carreira (artigo 144, parágrafo 4º, da Constituição Federal) a quem se atribui tal mister. É o Delegado de Polícia quem primeiro avalia os fatos à luz da lei, da jurisprudência e da doutrina, conferindo-lhes o primeiro contorno jurídico. Entendendo que é caso de infração de menor potencial, determinará, de imediato, a lavratura do termo circunstanciado e demais providências que se façam necessárias, remetendo em seguida o expediente ao Juizado Especial Criminal competente.

Tanto é o termo circunstanciado ato de polícia judiciária que, caso o suposto autor não se comprometa a comparecer posteriormente ao Juizado Especial, será a ele imposta “prisão em flagrante”, regra que se depreende da leitura, a contrario senso, do parágrafo único, do destacado artigo 69, da Lei 9099/95. Aliás, é de se consignar que o apontado texto legal se refere, por óbvio, à submissão do autor à lavratura do auto de prisão em flagrante delito, o que consiste na efetiva formalização de sua prisão. Se o agente foi surpreendido após ou durante a prática da infração de menor potencial ofensivo (estado flagrancial), presume-se que foi capturado ou conduzido até a presença da autoridade competente (abordagem e “prisão-captura”), para adoção das medidas legais de polícia judiciária. Registre-se que, no caso da infração de “porte de droga”, há expressa vedação legal quanto à lavratura da prisão em flagrante, limitando-se a autoridade a determinar a elaboração do termo circunstanciado (artigo 48 e seus parágrafos, da Lei n. 11.343/2006).

Questão importante que merece ser trazida e discutida no presente arrazoado é a existência da divergência na doutrina e jurisprudência a respeito da abrangência da expressão “autoridade policial”, inserida no referido artigo 69. Teses há, capitaneadas por renomados juristas, no sentido de que integrantes da polícia militar também poderiam lavrar os denominados “termos circunstanciados” da fase policial do procedimento sumaríssimo.

É de bom alvitre frisar que não se quer aqui, insuflar discussões e rixas entre Polícia Civil e Polícia Militar. Ao revés, o que se busca com essas breves ponderações é, tão-somente, trazer à lume o campo de atuação de cada uma dessas nobres e essenciais Instituições, demonstrando que suas atribuições estão estritamente delineadas no texto da Constituição da República e na legislação infraconstitucional.

O Professor Bismael Batista de Moraes em lapidar trabalho, intitulado Direito e Polícia, uma introdução à Polícia Judiciária, assevera que a clássica divisão da Polícia em Preventiva e Judiciária é perfeita. Se observada sem utilitarismo, de forma correta, cada órgão atuando dentro dos limites que lhes são fixados, haverá efetiva segurança pública(1986).

O Poder Público, no primeiro momento, procura prevenir a violação da legislação penal e preservar a ordem pública, por intermédio do uso da força e da intimidação inerentes às atividades do policiamento ostensivo (polícia de segurança e administrativa), que nos Estados da Federação é atribuído às Polícias Militares, nos precisos termos do § 5º, do artigo 144, da Carta Magna.

Não evitado o cometimento de uma infração penal, e assim frustrada a prevenção por parte do policiamento ostensivo, inicia-se efetivamente a persecução criminal, para apuração do fato tido como ilícito criminal pelo Estado-investigador, tarefa constitucional e legalmente conferida à polícia judiciária, exercida pela Polícia Federal no âmbito da União, e pelas Polícias Civis no âmbito dos Estados Federados, consoante expresso comando do artigo 144, § 1º, I, e § 4º, da Lei Maior.

O mesmo professor Bismael Batista de Moraes, na supramencionada obra, traz o conceito de Autoridade Policial, citando, para tanto, as lições do renomado mestre Hélio Tornagui (1986, p.113-114):

“…são autoridades policiais, de que a fala a lei de processo, os que exercem o poder público para consecução dos fins do Estado – poder, esse, exercido em matéria de polícia judiciária.

Não são autoridades policiais, no sentido do artigo 4º (do CPP): 1º) os que não perseguem os fins do Estado, mas são apenas órgãos-meios, como, p. ex., os médicos do serviço público, os procuradores de autarquias, os oficiais da Polícia Militar (ou da Força Pública); 2º) os que, mesmo pertencendo à Polícia, e seu sentido amplo, não Polícia Judiciária, mas Polícia Administrativa (exs.: Polícia de Parques, Corpos de Bombeiros) ou Polícia de Segurança (ex.: Força Pública).

O citado autor, por fim, estabelece a distinção entre autoridade e agente de autoridade, mostrando que os primeiros são servidores que exercem em nome próprio o poder do Estado (tomam decisões, impõem regras, dão ordens, restringem bens jurídicos e direitos individuais, tudo dentro dos limites traçados por lei) e os segundos são servidores que não têm autoridade para praticar esses atos por inciativa própria, mas que agem (agentes que são) a mando da autoridade. São agentes da autoridade.

Assim, escreveu o Dr. J. Pereira: ‘os investigadores de polícia, escrivães, policiais fardados, graduados ou oficiais não são autoridades, mas agentes de autoridade, ou seja, são auxiliares do homem (delegado de policia) encarregado de exercer a função de auxiliar da Justiça, de fazer funcionar a Polícia Judiciária.”
Dessa forma, sendo o termo circunstanciado matéria de natureza processual e, ainda, ato de polícia judiciária como prenunciado em linhas anteriores, evidente que a única Autoridade competente para presidi-lo é o Delegado de Polícia. Na exata dicção do artigo 144, § 4º, da Constituição Federal, temos que:

“Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e apuração de infrações penais, exceto as militares” (grifo nosso).
Ampliar o conceito de Autoridade Policial previsto no artigo 69, da Lei n. 9099/95, sem passar os olhos na Constituição Federal, longe de atender aos princípios da simplicidade, celeridade, informalidade e da economia processual, significa ir de encontro à Lei Magna, praticando franca ofensa aos princípios da legalidade e do devido processo legal. Sem nos olvidarmos, por óbvio, que a matéria tratada em um “mero termo circunstanciado”, por ser de natureza processual penal, coloca em risco um dos bens mais supremos do ser humano, qual seja, a sua liberdade individual.

Daí por que entendemos, não comportar o artigo 69, da Lei em comento, o elastério que alguns pretendem lhe dar. Caso fosse a vontade do legislador deixar a cargo de outras instituições, em concorrência com a Polícia Civil, a elaboração do termo circunstanciado, teria ele próprio feito constar tal previsão expressamente no texto da lei, o que seria ainda de duvidosa constitucionalidade. “Onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo”, reza a sempre atual máxima jurídica, principalmente nas hipóteses em que se coloca em jogo o jus libertatis.

Ao enfrentar questão semelhante em representação proposta por um membro da Polícia Militar, decidiu o Juiz de Direito, Dr. Julio Osmany Barbin, da Comarca de Rio Claro/SP no sentido de que:

“As co-irmãs são instituições destinadas à manutenção da segurança e da ordem pública, cada uma delas com funções específicas designadas na lei, sem possibilidade de conflitos no âmbito de suas atuações, mercê da perfeita e legal divisão de tarefas.

(…)A Polícia Militar, de longo conceito histórico e glorioso, incumbe o sagrado dever de impedir que as infrações ocorram, via de realização da Polícia Preventiva ou Ostensiva, fincada essa função na presença do Policial Militar fardado e pulverizado no corpo social que defende. A Polícia Civil está afeta a administração da Polícia Judiciária realizando a Polícia Repressiva, que atua depois da ocorrência do fato delituoso, levando seu autor à estrutura do Poder Judiciário, onde se lhe apurará a culpabilidade em sua dimensão “latu sensu”: responsabilidade e punibilidade, segundo ensinamentos do saudoso e festejado administrativista Helly Lopes Meirelles.

Assim, colocada a questão, fácil inferir, por via de conclusão, que a autoridade policial, por excelência e na forma de nossa estrutura legal, que suporta a organização da Secretaria de Segurança Pública, é o DELEGADO DE POLÍCIA. A ele incumbe, mercê de sua formação jurídica e por exigência de requisitos para o ingresso na carreira policial, apreciar as infrações penais postas por seus agentes (policiais, genericamente entendidos), sob a luz do Direito, máxime, em se cuidando de Segurança Pública, do DIREITO PENAL. Sempre que tiver conhecimento de uma infração penal o Delegado de Polícia (autoridade policial por excelência) deve fazer uma avaliação, a fim de visualizar se se cuida fato típico, como espelha a Teoria da Tipicidade, o “TATBESTAND” do Direito Alemão, ou não, daí procedendo de acordo com o que a lei regrar.

Do mesmo modo, concluído que se cuida de “fato típico”, incumbe ao Delegado de Polícia, por via da formulação de um juízo de valor, decidir se se trata de prisão em flagrante, em quase-flagrante (flagrante próprio e impróprio), flagrante preparado, ou, se, efetivamente, não houve flagrante. A formulação desse juízo de valor não tem regra matemática a ser seguida. Cuida-se de uma avaliação subjetiva, realizada com os supedâneos do conhecimento jurídico e da experiência, amealhada ao longo da carreira policial. É conhecimento personalíssimo e ao abrigo de qualquer influência externa.

Corolário do exposto não é falho afirmar-se que entregue o fato à Autoridade Policial, por qualquer agente de sua autoridade, aquela primeira etapa do procedimento administrativo policial está exaurida.

(…)Repito, para bem cumprir sua missão é dever do Delegado de Polícia proceder a uma formalização, mesmo que precária de tipicidade, pois a definitiva incumbe ao Ministério Público, do fato criminoso a si colocado, para daquela tipicidade precária tirar efeitos jurídico-processuais, bem assim decidir se é infração da qual o agente se livra solto, mediante fiança, ou sem direito a fiança (inafiançável), ou se se cuida de crime hediondo ou qualquer outro, para pedir a segregação temporária do indiciado se julgar necessário, caso não opte pela flagrância do delito.

Todo esse complexo desenrolar subjetivo está afeto ao Delegado de Polícia, em cuja atividade funcional está a salvo de qualquer interferência, mesmo do Ministério Público, órgão de fiscalização externa da Polícia Civil (CF/88 e LOMP), caso não haja, na espécie, a prática de ilícito (advocacia administrativa, favorecimento pessoal, corrupção etc.) de parte da autoridade policial atuante.

Para completar o raciocínio aqui desenvolvido é oportuno colocar que na estrutura da Secretaria de Segurança Pública, as autoridades administrativas hierarquizadas são o Governador do Estado, seu Secretário da Segurança Pública e o Delegado de Polícia Judiciária. Todos os demais integrantes dessa complexa estrutura são “agentes da autoridade policial” que os doutos chamam de “longa manus”, em substituição ao particípio presente do verbo agir para tal fim substantivado. Assim, são agentes da autoridade policial judiciária, que é o Delegado de Polícia, toda a Polícia Militar, desde seu Comandante Geral até o mais novo praça e todo o segmento da organização Polícia Civil, bem assim o I.M.L., I.P.T etc… e nenhuma dessas categorias podendo influenciar os atos da autoridade policial, enquanto “atos de polícia judiciária” sujeitos a avaliação jurídico-subjetiva. Ademais, se o ilícito foi apurado via “persecutio criminis” pela instauração de inquérito policial, iniciado por portaria e não por ato de prisão em flagrante, essa situação não retira, jamais, a nobreza do ato do policial militar que, despojando-se da própria vida cumpre o seu altruístico dever de defender a sociedade, aliás o que a gloriosa Polícia Militar do Estado de São Paulo,tão bem sabe fazer” (fonte:http://blogdodelegado.wordpress.com/delegado-de-olicia/analise-judicial-do-conceito-de-autoridade-policial/)
Anote-se também o entendimento de Julio Fabbrini Mirabete, para quem Autoridade Policial, para fins da Lei n. 9099/95, é o Delegado de Polícia (1996).

No Estado de São Paulo, ainda se observa certa divergência, sendo importante salientar que o Conselho Superior da Magistratura chegou a editar ato relativo aos Juizados Criminais Estaduais (Provimento CSM 806/03), que admitia a elaboração de termo circunstanciado tanto por agentes da Polícia Militar, como da Polícia Civil.

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, com o fim de por côbro a essa celeuma, revogou a antiga Resolução n. 329/2003, que indevidamente trazia previsão para a Polícia Militar lavrar os famigerados termos, em casos específicos, editando a Resolução n. 233/2009, cujos dispositivos são a seguir colacionados:

“Artigo 1º – O policial, civil ou militar, que tomar conhecimento de prática de infração penal que se afigure de menor potencial ofensivo, deverá comunicá-la, imediatamente, à autoridade policial da Delegacia de Polícia da respectiva circunscrição policial, a quem compete, por sua qualificação profissional, tipificar o fato penalmente punível.

Parágrafo Único – A comunicação prevista neste artigo, sempre que possível, far-se-á com a apresentação dos autores, vítimas e testemunhas.

Artigo 2º – A autoridade policial em serviço na Delegacia de Polícia, ao tomar conhecimento da ocorrência, verificando tratar-se de infração de menor potencial ofensivo, com a máxima brevidade, adotará as providências previstas na Lei nº 9.099/95, dentre elas, a elaboração do Termo Circunstanciado”.
Todavia, tal Resolução veio a sofrer impugnação judicial por parte da Associação dos Oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo, que pela via do mandamus coletivo, no dia 15/7/2010, obteve a segurança para garantir o direito da Polícia ostensiva lavrar o termo circunstanciado, buscando, no mérito, a anulação da citada Resolução. A decisão judicial, em linhas gerais, levou em consideração uma interpretação lógica para o conceito de “autoridade policial”, atrelada a busca do princípio da eficiência, vez que sendo maior o número de policiais legitimados para a lavratura do “termo circunstanciado”, melhor seria o resultado prático para a sociedade.

Com a devida vênia, o respeitável decisum não nos parece coerente com o sistema jurídico vigente, conforme fundamentação até aqui esposada. Tanto é assim, que recentíssima decisão deste mesmo Judiciário Bandeirante, proferida no Pedido de Suspensão de Execução de Sentença, n. 990.10.362786-5, com base no artigo 15, da Lei n. 12.016/2009, deferiu a suspensão dos efeitos da sentença prolatada no mandado de segurança coletivo originário, sob o argumento de que “a execução imediata da sentença resultará em grave violação à ordem e segurança públicas, na medida em que pode aviventar antigas divergências entre as Polícias Civil e Militar, que motivaram a edição da Resolução SSP n. 233/2009, bem como gerar dúvidas e incertezas e prejuízo à administração das polícias e ao gerenciamento das políticas públicas de segurança”.

Além do aspecto teórico e legal, há situações práticas que precisam ser levadas em consideração e que não podem, ao nosso ver, sob o pretexto de se privilegiar o princípio da eficiência, por em risco a liberdade individual do cidadão. Por exemplo, não é o Delegado de Polícia, o especialista com formação jurídica e técnico-profissional, primeiro agente público legalmente incumbido de fazer a classificação jurídica preliminar e a devida distinção, por vezes tênue, entre o porte e o tráfico de drogas (inclusive com determinação legal para fundamentar sua decisão – art. 52, inciso I e art. 28, § 1º, da Lei n. 11.343/06), entre uma lesão corporal dolosa e uma tentativa de homicídio, ou ainda entre um estupro tentado e uma contravenção de importunação ofensiva ao pudor?

E o que dizer das ocorrências que envolvem jogos de azar – máquinas “caça-níqueis” – em que deve a Autoridade Policial comparecer no local, apurar quem são os exploradores da atividade ilícita, os jogadores, determinar a apreensão dos móveis, máquinas, dinheiro e outros objetos relacionados com a contravenção, bem como requisitar perícia específica para cada tipo de jogo eletrônico instalado? Não são estes atos típicos de polícia judiciária, previstos no artigo 6º do estatuto de rito penal?

A Lei Complementar n. 207, de 5 de janeiro de 1979, que instituiu a Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo, aplicável a ambas as polícias, delimitando com precisão cirúrgica a atribuição de cada um desses órgão, assim previu:

“Artigo 3º. São atribuições básicas:

I – da Polícia Civil: o exercício da Polícia Judiciária, administrativa e preventiva especializada (grifo nosso);

II – da Polícia Militar: o planejamento, a coordenação e a execução do policiamento ostensivo, fardado e a prevenção e extinção de incêndio (grifo nosso).”
Segundo o saudoso Professor Hely Lopes Meirelles, citado por Carlos Alberto Marchi de Queiroz, na obra Nova Lei Orgânica da Polícia Explicada, a Polícia Judiciária é aquela “que se destina precipuamente a reprimir infrações penais (crimes e contravenções) e apresentar os infratores à Justiça para a necessária punição” (2003, p. 16).

Em remate, argumentações fundadas em suposições fáticas, como o eventual despreparo, questionável probidade, falta de recursos materiais ou de qualificação dos agentes da Polícia Judiciária, não podem ser admitidas para alargar o conceito de Autoridade Policial. Nessas hipóteses, incumbirá ao Poder Público, por meio de políticas adequadas, proporcionar condições, estrutura e remuneração dignas aos servidores, visando, de forma salutar e correta fazer valer o Princípio da Eficiência, que implica no contínuo aprimoramento e incentivo aos agentes públicos comprometidos com o exercício de suas funções.

3 – Termo Circunstanciado indireto ou parcial
A notícia de uma infração de menor potencial ofensivo, quando ausente uma das partes envolvidas na ocorrência, gera um simples registro inicial, onde se fará constar a versão da parte presente (geralmente o suposto ofendido). Posteriormente, diligências deverão ser encetadas para se apurar e trazer aos autos a versão da outra parte (em regra o suposto autor), bem como as demais circunstâncias que o caso concreto apresentar.

Na prática, em situações como essas, parte das unidades policiais costuma instaurar, de imediato, o competente inquérito policial, que servirá de repositório para as diligências pendentes, sobretudo a notificação e oitiva da parte contrária. Com a coleta dos elementos informativos essenciais à comprovação da autoria e materialidade, posteriormente os autos serão encaminhados ao Poder Judiciário.

Em consonância com os critérios que alicerçam o Juizado Especial Criminal, em especial a celeridade, a informalidade e a economia processual, algumas comarcas do Estado de São Paulo passaram a adotar o informalmente nominado “termo circunstanciado indireto” ou “parcial”.

Tal peça nada mais é do que um expediente formado pelo boletim de ocorrência, o qual contém a versão da parte noticiante que comparece na delegacia, bem como posterior juntada do termo contendo a versão da parte contrária (ausente no primeiro momento). Nessa mesma ocasião também serão anexadas eventuais diligências que se afigurarem necessárias para caracterização preliminar da infração. Toda esta documentação será remetida, via ofício, ao Juizado Especial Criminal, em substituição ao “termo circunstanciado”, dispensada a instauração de inquérito policial.

Assim, nessas hipóteses o inquérito somente seria instaurado, excepcionalmente, para apurar casos mais complexos e de difícil elucidação, que demandassem providências mais demoradas. Normalmente essas diligências seriam aquelas que extrapolariam trinta dias para concretização, em analogia ao artigo 10, do Código de Processo Penal (réu solto). Superado este interstício, seria recomendável a instauração do competente inquérito policial, remetendo-oà Justiça para distribuição e solicitação de novo prazo para conclusão dos trabalhos, nos moldes do artigo 10, parágrafo 3º, do mencionado Codex.

Todavia há situações em que o inquérito policial deverá ser instaurado de pronto, ainda que se trate de infração de menor potencial ofensivo, como na hipótese do agente que é surpreendido participando de competição automobilística não autorizada, ou transitando em velocidade superior à máxima permitida para a via em cinqüenta quilômetros por hora (artigo 291, parágrafos 1º e 2º, do Código de Trânsito Brasileiro, alterado pela Lei n. 11.705, de 19 de junho de 2008).

Ressalte-se que a situação prevista no artigo 291, parágrafo 1º, do mencionado diploma legal (agente que conduz veículo sob influência de álcool ou qualquer substância psicoativa), por si só, reclama a instauração de inquérito policial para apuração do crime de embriaguez ao volante (artigo 306 do CTB), já que a pena máxima cominada para essa figura típica (03 anos de detenção) retira-a do rol de infrações de menor potencial ofensivo.

3 – Competência no concurso de infrações de menor potencial ofensivo entre si e nas hipóteses em que há incidência de causas de aumento de pena
Como visto acima, de acordo com o artigo 61, da Lei n. 9.099/95, cominada pena máxima não superior a dois anos, a infração penal será considerada de menor ofensividade e estará sujeita ao procedimento do Juizado Especial Criminal (JECRIM). Diante dessa imposição legal, pergunta-se: Deve ser afastada a competência do Juizado Especial Criminal nos casos em que a soma decorrente do concurso de infrações de menor potencial ofensivo entre si e do cômputo de causas de aumento impliquem pena superior a dois anos?

Trata-se de questão controvertida que vem causando polêmica nos dias atuais.

Uma parte da jurisprudência, capitaneada inclusive pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, tem entendido que no concurso de infrações de menor potencial entre si, restaria deslocada a competência do Juizado Especial Criminal para a Justiça Comum. Nesse diapasão, confira-se trecho de julgado:

“Na verdade, o acórdão atacado afastou-se da jurisprudência desta Corte ao desprezar, no tocante ao conceito de infração de menor potencial ofensivo, o concurso material reconhecido na sentença, óbice intransponível para aplicação da Lei nº 9.099/1995.

(…)

No caso, tendo o paciente sido condenado, em concurso material, por calúnia, difamação e injúria, não há falar em delito de menor potencial ofensivo, pois a soma das penas máximas previstas para cada um dos crimes ultrapassa dois anos, já considerado o disposto na Lei nº 10.259/2001″ (HABEAS CORPUS Nº 28.184-MG).
Entretanto, o tema ainda carece de pacificação, mormente após a alteração do artigo 60 e seu parágrafo único, da citada Lei n. 9099/95, promovida pela Lei n. 11.313/06:

“Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.

Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis”.
Ao comentar referida modificação, Suzane Maria Carvalho do Prado, em didático e judicioso artigo, exorta os operadores do direito a uma nova reflexão sobre a questão:

“Com a edição da Lei 11.313/2006 restou positivado que em caso conexão ou continência de infrações de menor potencial ofensivo com crimes de competência da Justiça Comum ou do Tribunal do Júri, os processos serão reunidos nestes últimos, observados a transação penal e a composição de danos civis. Ou seja, caso trate de concurso de delito de menor potencial ofensivo entre si, não se tem porque afastar a competência constitucionalmente fixada dos Juizados Especiais Criminais (artigo 98, I, CF), encaminhando o feito para a Justiça Comum, como reiteradamente tem decidido o Superior Tribunal de Justiça com o argumento de que se o “somatório das penas cominadas in abstracto for superior a dois anos, tais crimes, que isoladamente seriam considerados de menor potencial ofensivo, deixam de sê-lo”. Primeiro, porque no concurso (puro) de delitos de menor potencial ofensivo o que vai se ter é um conjunto de pequenos delitos e não uma alteração na natureza de cada um deles. Segundo, porque observada a parte final do parágrafo único, do artigo 60 da Lei 9099/95, quanto à transação e a composição dos danos civis, no Juízo Comum, criar-se-ia uma situação verdadeiramente de crise, em casos concretos, como se expõe no corpo do trabalho. Pretende-se com este breve arrazoado, demonstrar (se não convidar) para a necessidade de uma releitura do entendimento do S.T.J., mantendo no Juizado Especial Criminal o processo e julgamento das infrações de menor potencial ofensivo quando cometidas em concurso entre si”.
Nessa mesma esteira já militavam Luiz Flávio Gomes, Ada Pellegrini Grinover e Antônio Magalhães Gomes Filho, ao lecionarem que “em nenhuma hipótese de concurso de crimes deve ser levada em conta a soma das penas ou o aumento decorrente do concurso” (2002, p. 381).

O Enunciado número 11, do Fórum Nacional dos Juizados Especiais (FONAJE) também deixa claro que: “Não devem ser levados em consideração os acréscimos do concurso formal e do crime continuado para efeito de aplicação da Lei 9.099/95”.

Embora pouco se comente, será o Delegado de Polícia – profissional com formação jurídica – a primeira autoridade a se debruçar sobre essa tormentosa questão. E a repercussão prática de sua decisão, a depender do posicionamento jurídico adotado, poderá acarretar ou não a restrição de um dos bens mais importantes do indivíduo: a sua liberdade.

Assim é que, entendendo a Autoridade Policial que o concurso de várias infrações de menor potencial ofensivo não desnatura esta sua característica elementar, determinará a elaboração do Termo Circunstanciado e seu posterior encaminhamento ao Juizado Especial Criminal, observadas as cerimônias do artigo 69, da Lei n. 9.099/95. Todavia, se optar por entendimento diverso, estando o autor dos fatos em situação de flagrância, lavrará o auto de prisão em flagrante delito, aquilatando a seguir sobre a possibilidade de arbitrar fiança, caso as infrações sejam puníveis, no máximo, com pena de detenção, conforme regra prevista no artigo 322, do estatuto de rito penal.

Também existe controvérsia no que se refere à necessidade de se considerar ou não eventuais causas de aumento para se determinar a natureza de uma infração penal e o seu rito procedimental.

Uma das posições que pode ser sustentada é aquela segundo a qual as causas de aumento devem apenas incidir na terceira fase da dosimetria da pena, conforme preceitua o artigo 68, do Código Penal. Assim, não seriam levadas a efeito, de início, para fins de classificação provisória de uma infração como de menor potencial ofensivo.

Por outro lado, considerada a majorante desde a prática do delito, e resultando do acréscimo pena em abstrato superior a dois anos, deixaria a infração de possuir o status de menor ofensividade, afastando-se o procedimento sumaríssimo da Lei 9099/95. Nesse caso, por coerência, as causas de diminuição, como a tentativa (art. 14, II, CP), também deveriam influir na definição da natureza da infração, tornando-a de menor potencial ofensivo no caso de resultado da redução em abstrato igual ou aquém dos dois anos de pena máxima.

Da mesma forma como ocorre no concurso das infrações entre si, a Autoridade Policial, a depender do seu posicionamento jurídico, determinará ou a elaboração de termo circunstanciado, ou a lavratura do auto prisional.

Frise-se que em quaisquer situações, o Delegado de Polícia sempre ordenará as medidas pertinentes e consignará na peça que adotar a presença das causas de aumento ou de diminuição, independentemente de considerá-las ou não para fins de caracterização da natureza da infração.

Como se verifica, a lei traz uma lacuna, vez que o art. 60, da Lei n. 9.099/95 não é explícito no tratamento das hipóteses de concurso de infrações de menor potencial entre si, e na existência de causas de aumento. Os entendimentos até aqui expostos, traduzem um esforço em integrar o sistema por meio da chamada analogia “juris”, ou seja, retirando do próprio material legislativo em vigor os elementos necessários à resolução de casos não previstos na lei.

Assim, respeitados entendimentos contrários, inclinamo-nos por uma interpretação mais benéfica ao agente infrator, adotando a tese de que os delitos devem ser analisados de maneira individualizada e sem incidência das causas de aumento para fins de caracterização ou não da infração de menor potencial ofensivo, pois, ao nosso ver, uma infração penal não poderia ser em um primeiro momento de pequena ofensividade e, após um juízo hipotético, transmudar-se em comum, sob pena de se fazer uma interpretação extensiva e abrangente, em sede de lei que restringe o jus libertatis.

Sob o ponto de vista prático, a aplicação desse entendimento impediria que o agente fosse considerado em solo policial “indiciado”, e depois, na fase judicial, “acusado” e “réu”. Figuraria apenas, de início, como “suposto autor do fato” e depois, em juízo, como “autor do fato”.

4 – Ação Penal e outras considerações
Há uma interessante previsão no artigo 94, da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) sobre a aplicação do procedimento sumaríssimo às infrações cuja pena máxima não ultrapasse quatro anos. Inicialmente surgiram várias correntes doutrinárias para explicar tal dispositivo, algumas entendendo, inclusive, que o conceito de infração de menor potencial ofensivo, teria sido ampliado a partir da vigência do referido diploma legal. Hoje, contudo, prevalece o posicionamento segundo o qual não se aplicam aos crimes previstos no Estatuto do Idoso os institutos benevolentes da Lei n. 9099/95 (transação, conciliação e suspensão condicional do processo), mas tão-somente o seu procedimento, em razão de conferir maior celeridade ao processo nos quais figuram pessoas idosas como vítimas.

Nesse sentido, destaca-se a observação de Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 659/660):

“Preceitua o art. 94 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) que ‘aos crimes previstos nesta lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei 9.099/95 de 26 de setembro de 1995, e, subsidiariamente, no que couber, as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal’. Há duas interpretações possíveis para esse dispositivo: a) aos crimes previstos no Estatuto do Idoso pode-se aplicar, integralmente, o disposto na Lei 9.099/95, ou seja, cabe transação penal e suspensão condicional do processo, bem como, na impossibilidade destes benefícios, apenas o procedimento célere lá previsto; b) aos crimes previstos no Estatuto do Idoso aplica-se o procedimento célere da Lei 9.099/95, mas não a transação penal ou a suspensão condicional do processo. Esses benefícios seriam válidos somente se as infrações não ultrapassem os limites legais (dois anos de pena máxima para a transação; um ano de pena mínima para a suspensão condicional do processo). Adotar a primeira interpretação seria exterminar a principal meta da Lei 10.741/2003, que é a consagração da maior proteção ao idoso. Assim, ao invés disso, estar-se-ia permitindo a transação a infrações cujas penas atingissem até quatro anos de reclusão, o que fere o propósito de definição de infração de menor potencial ofensivo”.
Na esteira do que preleciona o Professor espanhol Jesús-Maria Silva Sánchez, doutrinador de acentuada influência na formação do pensamento dogmático-penal brasileiro, a implementação do procedimento sumaríssimo para as infrações consideradas de menor potencial ofensivo, relaciona-se com a corrente doutrinária moderna denominada de “segunda velocidade do direito penal”. Tal corrente propõe que a persecução penal para condutas criminosas tidas como menos gravosas aos bens jurídicos tutelados, deve se desenvolver por meio de procedimentos mais céleres, onde se observe certa dose de flexibilização do contraditório e da ampla defesa. O escopo, ao final, deve ser a imposição de medidas alternativas à privação da liberdade.

Para os adeptos dessa corrente haveria uma “primeira velocidade”, representada pelo direito penal tradicional, donde emerge um procedimento mais moroso, com estrita observância aos direitos e garantias individuais, tendente a impor penas de privação da liberdade.

Na “terceira velocidade” do direito penal, apenas à título de complementação, teríamos o chamado “Direito Penal do Inimigo”, doutrina radical e de poucos adeptos, que preconiza procedimentos céleres e imposição de penas privativas de liberdade para aqueles acusados rotulados de “inimigos” do Estado.

No tocante às contravenções penais, por expressa dicção legal, serão todas consideradas infrações de menor potencial ofensivo (artigo 61 da Lei 9.099/1995), independentemente da pena cominada. Esta última afirmação tem sua razão de ser pelo fato de o Decreto-lei nº 6.259/1944, que dispõe sobre os serviços de loterias e outras providências, em seu artigo 45, trazer previsão de uma contravenção penal, cuja pena máxima cominada é superior a quatro anos. O mencionado dispositivo está assim redigido:

“Art. 45. Extrair loteria sem concessão regular do poder competente ou sem a ratificação de que cogita o art. 3º.

Penas: de um (1) a quatro (4) anos de prisão simples, multa de cinco mil cruzeiros (Cr$ 5.000,00) a dez mil cruzeiros (Cr$ 10.000,00), além da perda para a Fazenda Nacional de todos os aparelhos de extração, mobiliário, utensílios e valores pertencentes à loteria.”
Discussões também existem a respeito de qual seria a ação penal cabível nas contravenções penais, não obstante o artigo 17, do destacado Decreto-lei nº 3688/41, dispor que a “ação penal é pública, devendo a autoridade proceder de ofício”.

Em alguns casos, como por exemplo, o artigo 21, do citado Codex (vias de fato), vem se entendendo que a ação penal seria pública condicionada, porquanto o delito de lesão corporal simples e lesão corporal culposa, que configuram condutas mais graves, com o advento da Lei n. 9.099/95, passaram a depender de representação da vítima. Assim, o menos lesivo e grave, no caso, vias de fato, por questão de coerência e proporcionalidade também deve receber o mesmo tratamento legal, ou seja, para instauração penal necessária a devida representação.

Nessa linha é o escólio de Victor Eduardo Rios Gonçalves (2010, p. 149):

“Apesar de o art. 17 da Lei das Contravenções Penais estabelecer que todas as contravenções se apuram mediante ação pública incondicionada, a jurisprudência vem entendendo que, nas vias de fato, a ação depende de representação, por analogia in bonam partem. Com efeito, após a Lei 9099/95 ter passado a exigir representação no crime de lesão lese, deve a regra ser estendida à contravenção em análise, já que se trata de agressão de menor gravidade, pois seque causa lesão”.
Outrossim, possível estender esse mesmo raciocínio à contravenção de importunação ofensiva ao pudor (artigo 61, da LCP), já que crimes sexuais (estupro, por exemplo), mais graves, atualmente intitulados “crimes contra a dignidade sexual”, em regra exigem a representação, consoante artigo 225, do Código Penal. Nesse mesmo sentido teríamos a contravenção de perturbação da tranqüilidade (art. 65, da LCP), em face do crime de ameaça (art. 147, CP), mais ofensivo ao bem jurídico “paz de espírito” ou “tranqüilidade pessoal”, que também prescinde de representação (artigo 147, parágrafo único, Código Penal).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GRINOVER, Ada Pellegrini, GOMES FILHO, Antonio Magalhães e GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

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NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

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PRADO, Suzane Maria Carvalho do. Concurso de Infrações de Menor Potencial Ofensivo entre si e a permanência do feito no Juizado Especial Criminal. Disponível em: “http://www.mp.rs.gov.br/criminal/doutrina/id629.htm”, acesso em 10.08.2010.

QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de (coord.). Manual de polícia judiciária: doutrina, modelos, legislação. São Paulo: Delegacia Geral de Polícia, 2007.

QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Nova Lei Orgânica da Polícia Explicada. São Paulo: 2ª edição, 2003.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, volume 1. São Paulo: Saraiva, 2003.

(referência Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação, Ed. Atlas, 1996, p. 61).

Fonte: Site Jus Navigandi

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