A falácia da falta de leis
Um batalhão de candidatos elegeu-se deputado em 2014 com o discurso de urgência em mudar leis como solução para o persistente aumento da violência no País. Os eleitos formaram no Congresso e na Assembleia Legislativa a chamada Bancada da Segurança.
Reportagens publicadas pelo POPULAR nas últimas semanas desmontam esse discurso simplista de que o problema está nas leis frouxas e mostram que a solução para esse trágico problema exige ações bem mais complexas.
Há duas semanas, a repórter Rosana Melo revelou que o serial killer enviou em 2013 uma carta à Delegacia de Homicídios se apresentando como um assassino que tinha matado 11 pessoas por esfaqueamento. A perícia detectou as impressões digitais de seu autor, mas a polícia não o identificou por falta de recursos tecnológicos.
A carta foi guardada sem que a polícia enxergasse naquela revelação o fio da meada de sua investigação. Os assassinatos de moradores de rua e de mulheres continuaram e a polícia só aceitou a hipótese de existência de um serial killer em agosto de 2014, quando dezenas de mulheres já haviam sido mortas. Faltaram leis para elucidar estes crimes?
A dificuldade de investigação da polícia decorre de sua estrutura ser incapaz de lidar com casos complexos e em grande quantidade. As delegacias têm um delegado, um agente e um escrivão. Os crimes se acumulam sem solução, como se vê neste exemplo: entre novembro de 2011, data do primeiro crime do serial killer, até março de 2013, quando ele escreveu à polícia, 47 pessoas foram mortas a facadas e nenhum dos crimes foi esclarecido. Faltam leis para tornar a polícia mais eficiente?
Nesta semana, O POPULAR revelou o esquema de fraudes de alvará de soltura que tirou da cadeia pelo menos quatro presidiários. As fraudes estão sendo investigadas, mas o Ministério Público e a Vara de Execuções Penais suspeitam que houve conivência no cartório do Presídio Odenir Guimarães (POG). Faltam leis para impedir crime de concussão?
Condenado a 69 anos de prisão, Flávio Fernandes da Silva, o Flávio Ladrão, um dos beneficiados pela fraude, comandou, da cadeia, uma quadrilha de roubo de carros, contrabando de armas e tráfico de drogas. O sistema prisional brasileiro tem várias quadrilhas organizadas que comandam o crime do lado de fora. Faltam leis para impedir esses crimes?
É notório, portanto, que novas leis não diminuirão a violência. Essa falácia serve apenas para eleger políticos populistas que abusam da boa fé pública ao mesmo tempo em que joga para debaixo do tapete as causas que alimentam a violência: deficiência das polícias para investigação, corrupção de servidores e de policiais, falta de investimento no sistema prisional, morosidade da Justiça, etc. Enquanto a sociedade seguir entretida e conivente com esse populismo, a violência continuará a lhe aterrorizar sem dó nem piedade.
*Cileide Alves é editora-chefe do POPULAR
Fonte: Jornal O Popular