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Desde quando garantir a legalidade dos processos é incentivo à corrupção? Ou não seria o contrário?

Por Paulo Dameida
Com o falacioso argumento de estímulo à corrupção, entidades ligadas ao Ministério Público (MP) têm atacado a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37/2011, alardeando informações inverídicas, com o intuito único de confundir a opinião pública. Todavia, ao trabalhar com a desinformação da população – manipulando as paixões de quem já vem sendo assoberbado pelos descalabros de políticos e entes públicos envolvidos em corrupção -, o MP só corrobora o que julga combater.
Aprovada em comissão especial da Câmara dos Deputados, a PEC 37, ou PEC da Legalidade, como vem sendo chamada pelos defensores do ordenamento constitucional, apenas reafirma o que já reza a Constituição da República, delimitando os papéis de cada um dos agentes públicos que participam da atividade persecutória penal do Estado. Em seu texto, a PEC define que a apuração das infrações penais incumbe privativamente às Polícias Federal e Civis dos Estados e do Distrito Federal.
Senão, vejamos: a Constituição federal é taxativa ao listar as funções e competências do Ministério Público – e fazer investigação criminal não é uma delas. Assim, não cabe falar em perda do poder de investigação do MP, uma vez que ninguém perde o que não tem. Ao contrário do que vem sendo difundido, não existe nenhuma norma expressa ou implícita que permita ao Ministério Público realizar investigação criminal. Por outro lado, o MP mantém intocadas as suas prerrogativas de requisitar, a qualquer tempo, a instauração de inquérito policial e de qualquer diligência que entenda necessária à denúncia. Também permanece intocado o salutar controle externo da atividade policial exercido pelo MP.
E o motivo pelo qual o Ministério Público – que é quem forma as convicções sobre a autoria do crime – não pode fazer diligências para ele mesmo se convencer é muito simples. No Brasil, o MP é a instituição que acusa. Se o promotor investigar, como teremos o equilíbrio entre acusação e defesa, se toda a prova produzida for feita pela acusação? Por isso, num sistema justo, as Polícias Civil ou Federal, que não têm interesse direto na acusação ou na defesa, são as quem devem produzir a prova, por serem imparciais e por causa desse necessário equilíbrio. Portanto, Polícia Judiciária investiga, promotor acusa, advogado defende e juiz julga. Quebrar essa sistemática fere mortalmente a segurança jurídica do cidadão. Investigação realizada pelo Ministério Público fere direitos individuais. Isso, sim, é contrário aos interesses da sociedade.
Logo, não é verdade que a PEC 37 queira mutilar o trabalho do Ministério Público, muito menos que compactue com a corrupção. Todos os que têm tomado posição a favor da PEC o fazem por entenderem que ela só vem contribuir com o órgão, propiciando maior rapidez numa de suas funções mais importantes, que é processar o autor do crime.
Outra mentira descarada que vem sendo alardeada é que, caso o Congresso Nacional venha a aprovar a proposta, “o reflexo imediato será o questionamento sobre a legalidade e a completa anulação de importantes apurações”. Não é verdade! No artigo 3.º do substitutivo aprovado, o texto ressalva todos os procedimentos investigativos criminais já realizados pelo Ministério Público até a data da publicação, mesmo sem o devido amparo legal. Ou seja, o texto não deixa espaço para questionamento nem anulação de nenhum processo em andamento.
O substitutivo reitera, também, o poder investigatório das Polícias Legislativas, das comissões parlamentares de inquérito, bem como dos tribunais e do próprio Ministério Público em relação aos seus membros, conforme previsto nas respectivas leis orgânicas. As apurações feitas por todos os demais órgãos públicos (agências, ministérios, secretarias, empresas públicas, autarquias, etc.) não são atingidas pela PEC 37, visto que se prestam à apuração de infrações administrativas, cujo resultado pode até mesmo servir de base para a propositura de ação penal pelo Ministério Público.
A investigação criminal, porém, é e continuará sendo função da Polícia Judiciária, porque é ela que possui o conhecimento e as ferramentas necessárias para isso. A investigação realizada pela Polícia Judiciária tem regras definidas por lei, além de ser controlada pelo Ministério Público e pelo Judiciário. Por ser ilegal e inconstitucional, na investigação criminal pelo Ministério Público não há regras, não existe controle, não há prazos nem acesso à defesa, deixando o cidadão à mercê de quem investiga.
Cooperação e integração não são sinônimos de invasão de competência. O que gera insegurança jurídica é o órgão responsável por ser o fiscal da lei querer agir à margem da lei, invadindo a competência das Polícias Judiciárias. E quem fiscaliza o fiscal?
O Ministério Público não está interessado em todas as investigações, passando ao largo dos casos que atentam contra a vida e os bens do cidadão comum. Investiga um ou outro caso, sem nenhum controle, escolhidos apenas por seu potencial midiático, contra os milhares de investigações realizadas pelas polícias, que atinge todos, grandes e pequenos. Basta lembrar as operações da Polícia Federal que tiveram como consequência a prisão de Carlinhos Cachoeira (Monte Carlo), a do mensalão, bem como a recente Operação Porto Seguro e tantas outras não divulgadas pela mídia. Isso é ser a favor da corrupção? Não se pode falar em PEC da Impunidade se ao MP compete fiscalizar o trabalho policial, complementá-lo por meio de requisição e prevenir eventuais omissões.
O combate à corrupção passa pelo respeito à norma legal e pelo respeito às competências legais de cada órgão. Isso, sim, é combater a criminalidade e a corrupção.

Paulo Dameida é presidente da Associação de Delegados de Polícia do Brasil.

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo

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