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Descaso mata mais que drogas

Descaso mata mais que drogasPor Fernando Reis*

No Dia das Crianças fomos chocados com a notícia da morte do garoto Enilson Alves de Souza, de apenas 12 anos. Mais uma morte colocada na conta das drogas, como se fossem realmente as drogas que tivessem matado o garoto. Esse tipo de conclusão superficial é um desrespeito à memória de todos que tiveram sua morte explicada dessa maneira, pois quando se demoniza uma substância, como se faz com as drogas ilícitas, cria-se um mostro intangível muito difícil de ser combatido.

De fato, não é esse monstro alimentado de medo que ceifa a vida de tantas pessoas. Essas mortes são consequência da política de proibição a algumas substâncias, conhecidas como drogas ilícitas, adotada por tantos países como o Brasil.

Desde sempre o ser humano consome drogas que alteram o funcionamento de seu sistema nervoso central. Durante toda a história da humanidade essas drogas serviram a vários fins: transcendência religiosa, usos recreativos, manutenção da atenção e do estado de vigília, e, desde o mercantilismo sempre esteve cercada de grande interesse comercial. Somente no fim do século 19, com o advento da farmacologia industrial revolucionando a medicina e cerceada por vários fatores econômicos e culturais, algumas dessas drogas, que eram amplamente consumidas, passaram a ser proibidas. Surgiu a diferença entre fármaco, drogas lícitas e drogas ilícitas.

Só que a proibição não impede o uso. Pelo contrário, para alguns, em especial os jovens, aquilo que é proibido passa a ser mais sedutor. Um exemplo dos efeitos nocivos da proibição aconteceu na década de 20 nos EUA, com a Lei Seca. Apesar de proibido, ainda existia uma grande demanda de consumo do álcool. Sem fiscalização de qualidade ou taxação de impostos, criminosos como Al Capone dominaram essa fatia de mercado pela força, aumentando os índices de violência e ficaram muito ricos. Depois de cerca de 10 anos de Lei Seca, quando o consumo de álcool voltou a ser permitido, as taxas de criminalidade caíram para os índices de antes da proibição.

Recentemente estudos mostraram que a maior parte dos detentos que lotam as penitenciárias do Brasil estão presos por crimes relacionados ao tráfico de drogas. A proibição inventou o tráfico, e este segue as próprias leis, regulando-se por meio da violência e alimentando uma rede de investimentos mal feitos de combate e repressão ao uso e comercialização de drogas. Promete-se muito mais repressão como combate à criminalidade e isso significa mais e mais investimentos pouco eficazes. Investimentos que poderiam ser feitos na educação ou na saúde, melhorando, por exemplo, a situação os Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), como o que o menino Enilson frequentava. Os CAPS são as melhores alternativas para o tratamento de uso problemático de drogas, mas sem investimentos, não podem realizar um bom trabalho. É esse descaso que mata mais que as drogas, porque todos somos potencias vítimas.

* Fernando Reis é psicanalista e mestre em psicologia social.

Fonte: Jornal O Popular

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