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Carreira jurídica

Por Thiago Alexandre Martimiano da Silva*
Na data de 06/06/13, nesta seção de Opinião Pública, foi publicado texto do coronel Avelar Lopes de Viveiro versando sobre a carreira jurídica reconhecido aos delegados de polícia de nosso Estado.
Primeiro deve se deixar claro aos leitores o que significa atividade jurídica. De acordo com o artigo 59, III da resolução nº 75/12 do Conselho Nacional de Justiça, é considerado de natureza jurídica a atividade em que se utilize de maneira preponderante o conhecimento jurídico.
Ocorre que de acordo com a nossa Constituição Federal, são incumbidas às Polícias Militares a função de polícia ostensiva e preservação da ordem pública. Indubitavelmente, sem diminuir de maneira alguma as funções da Polícia Militar e de seus oficiais, estes não se utilizam do conhecimento jurídico de maneira reiterada e preponderante no exercício de suas atribuições diárias. A atividade da PM, e especialmente de oficiais, exige sim o conhecimento de técnicas de policiamento ostensivo e de prevenção criminal.
Embora, eventualmente, oficiais da Polícia Militar se utilizem de noções básicas de direito na presidência de um Inquérito Policial Militar (na apuração de crimes militares) ou o exercício esporádico da função de juiz militar, tal fato não transforma os oficiais da Polícia Militar em operadores do Direito. A Polícia Militar, em sua atividade precípua, não utiliza preponderantemente de conhecimento jurídico.
Por outro lado, a Polícia Judiciária (Polícia Civil), se estreita com o Poder Judiciário, exercendo a atividade repressiva, após o cometimento do delito, interpretando as normas legais e aplicando o Direito efetivamente ao caso concreto, mediante convencimento jurídico da autoridade policial (delegado de polícia), este sim, utilizando preponderantemente em seu desiderato diário do conhecimento jurídico.
Digo com isso que a atividade exercida pelos delegados de polícia é de natureza jurídica por uma questão ontológica e não por quê uma lei assim a define. É de natureza jurídica pois preenche a condição de se utilizar preponderantemente da aplicação do Direito na sua prática.
Como consequência disto, a qualificação formal ou atribuição de “jurídica” a qualquer atividade de maneira artificial não tem o condão de contrariar a natureza e a essência dos trabalhos exercidos pelos integrantes das instituições. O exercício do oficialato é de natureza técnica. O de autoridade policial (delegado de polícia), jurídica.
A propósito, o próprio STF reconheceu a natureza jurídica do cargo de delegado de polícia. Na ADI nº 3460-0, quando discorria sobre a natureza das atividades policiais, o ministro Carlos Ayres Brito se manifestou dizendo que “se a atividade policial diz respeito ao cargo de delegado, ela se define como de caráter jurídico”, acrescentando logo a frente que “desde o primitivo § 4º, do artigo 144, da Constituição, que o cargo de delegado de polícia é tido como equiparável àqueles integrantes das chamadas carreiras jurídicas”.
Por outro lado, o mesmo tribunal superior, no julgamento do Recurso Especial nº 401243, de relatoria do ministro Marco Aurelio Mello, onde se discutia a equiparação de salários entre delegados de polícia e procuradores do Estado no Rio Grande do Sul, afirmou ser constitucional lei que estabelece isonomia entre os dois cargos, uma vez que realizam atividades da mesma natureza (jurídica).
Já em relação aos oficiais da Brigada Militar (nome dado à Polícia Militar naquele Estado), no mesmo recurso, o ministro explica que não é possível garantir a mesma paridade com os Procuradores do Estado, uma vez que “não obstante detenham os oficiais da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul formação de grau superior, não é possível, entretanto, reconhecer à carreira dos oficiais de Polícia Militar atribuições sequer assemelhadas às da carreira jurídica de procurador de Estado, pertencente cada uma ao respectivo domínio de atividade profissional”
Porém, como o próprio coronel Avelar Lopes de Viveiro afirma em seu texto, de que a carreira jurídica que almejam os oficiais da Polícia Militar “se presta mais a nossos interesses pessoais que aos resultados”, denota-se que tal aspiração de contorcionismo jurídico aparentemente tem único e exclusivo fito de atender pretensões salariais, antevendo pedidos futuros de equiparação salariais com outros cargos, onerando ainda mais e de maneira juridicamente desonesta, nossos cofres públicos.
Desta forma, embora em alguns Estados da Federação as assembleias legislativas tenham considerado a atividade dos oficiais da Polícia Militar como jurídica, atribuindo artificialmente esta qualidade ao cargo, não significa que tenhamos que trazer esta aberração para o Estado de Goiás.

*Thiago Alexandre Martimiano da Silva é delegado de polícia de Campos Belos-GO; bacharel – Direito; pós-graduado – Direito Penal e Processo Penal/Unisul/SC)

Fonte: Jornal Diário da Manhã

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