A carceragem, de Pedrinhas a Curitiba
Por Carlos Fernando dos Santos Lima*
Jô de Souza Nojosa. Conhece esse nome, caro leitor? Possivelmente não. Salvo para a família, se a tem, ele não passa de mais um dado na triste estatística de presos mortos enquanto sob custódia do Estado brasileiro. Morreu em janeiro de 2014, no presídio de Pedrinhas (MA) em uma continuidade de mortes anunciadas. Mas não precisamos usar argumentos fáceis.
Basta olhar as prisões do Paraná para vermos qual é a situação prisional no Brasil. Em agosto passado, por exemplo, quatro presos foram mortos, sendo dois decapitados, no presídio de Cascavel (PR), uma das regiões mais ricas do país.
Mas por que lembrar de assuntos tão desagradáveis? A resposta deve ser buscada nas páginas desta Folha, que contava, no domingo passado, como presos na operação Lava Jato seriam tratados de maneira desumana na custódia da Polícia Federal em Curitiba. Na carceragem eles comeriam com as mãos e defecariam sob o olhar de curiosos.
A verdade está longe disso. Estão presos, é certo, e presos sofrem restrições, inclusive quanto à privacidade. Ninguém imagina que lhes serão ofertados talheres de metal, ou que tenham direito a contatos com visitantes sem controle. É assim aqui e no resto do mundo.
Podemos vislumbrar ao menos dois problemas. O primeiro atinge a nós, classe média formada por executivos, funcionários públicos, advogados, jornalistas, profissionais liberais etc., e consiste em uma identificação de classe social.
Ali, nesse cárcere, não está o morador da favela, negro e pobre. Está alguém que poderia ser nosso vizinho, o tio que vemos só no Natal, ou o risonho habituê das piscinas dos clubes que frequentamos. Temos dificuldade em aceitar ser essa pessoa perigosa, mesmo que a continuidade dos crimes de colarinho branco seja socialmente mais danosa que a pequena criminalidade que nos assusta diariamente.
Mas não é somente essa a questão. Temos realmente um sistema prisional à beira do colapso. Não porque prendamos demais –ser preso no Brasil é uma questão de azar, como provam centenas de milhares de mandados de prisão não cumpridos–, mas porque não há condições minimamente dignas na maioria dos presídios e cadeias. Isso é espantosamente disseminado e nos causa constrangimentos internacionais, como aconteceu no caso Henrique Pizzolato.
Felizmente tal descalabro não ocorre na custódia da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba ou no setor do Complexo da Papuda onde cumpriram pena os mensaleiros. As condições desses cárceres estão entre as mais honrosas e deveriam ser o modelo mínimo para que o país não se envergonhe da forma como trata seres humanos.
Enfim, temos que buscar, de maneira republicana, tratar a todos igualmente, inclusive quando encarcerados. Que todos tenham as mesmas condições que os empresários têm, ou que os mensaleiros tiveram. E que eventuais histórias em quadrinhos sobre esse assunto reflitam a realidade de qualquer pessoa presa neste país.
P.S.: Já que o assunto carcerário é essencialmente tratado pelo Ministério da Justiça e que o atual ministro se mostra tão acessível a advogados de presos, seria o caso de os advogados organizarem excursões para conversar com Sua Excelência. Pedrinhas poderia começar a vender os tíquetes.
*CARLOS FERNANDO DOS SANTOS LIMA, 50, procurador regional da República, é mestre em direito pela Universidade Cornell (EUA), ex-membro da Força-Tarefa Banestado e membro da Força-Tarefa Lava Jato
Fonte: Jornal Folha de S.Paulo