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Audiência de Custódia e o Sistema da Dupla Cautelaridade Como Direito Humano Fundamental

Por Ruchester Marreiros Barbosa (UNESA)

Resumo: O objetivo do trabalho não é discordar da aplicação efetiva do art. 7, item 5, art. 8, item 1 e art. 25, todos do Pacto de San Jose da Costa Rica, mas contextualizá-lo devidamente com a dogmática e hermenêutica adequada das normas internacionais de proteção aos direitos humanos e sua vigência e eficácia no âmbito interno e criticar a forma superficial e pueril do modelo que se quer implementar no Brasil através de atos administrativos, transformando-a em mais um instrumento de criminalização ao revés de instrumento de transformação. Razão pela qual realizamos sua contextualização criminológica, política e sociológica, bem como um estudo de casos já julgados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. A audiência como está se transforma em um ato estritamente jurisdicional e não um direito subjetivo do imputado a uma audiência de garantia de restabelecimento de sua liberdade.

Palavras-chave: Audiência de Custódia; Direitos Humanos Fundamentais; Pacto de San José da Costa Rica; Bloco de Convencionalidade; Autoridade Com Funções Judiciais; Delegado de Polícia.

Abstract: The objective is not to disagree with the effective application of art. 7, item 5, art. 8, item 1 and art. 25, all of the Pact of San Jose, Costa Rica, but contextualize it properly with the dogmatic and proper hermeneutics of international norms protecting the human rights and their validity and effectiveness internally and criticize the superficial and childish form of the model that wants to implement in Brazil through administrative acts, turning it into another criminalization instrument upside down from a transformation tool. That is why we conducted a criminological context, political and sociological as well as a case study already judged by the Inter-American Court of Human Rights. The audience as is turns into a strictly judicial act and not a subjective right of the detainee to a restoration assurance hearing of his freedom.

Keywords: Custody Hearing; Fundamental Human Rights; Pact of San José of the Costa Rica; Conventionality Block; Authority With Judicial Functions; Chief of Police.

1. Introdução
O Brasil é o 3º país no mundo em taxa de encarceramento. No entanto, da leitura mais detida das estatísticas sobre as taxas de encarceramento, do perfil do preso e a natureza de sua prisão, não se trata de um lugar no pódio a se comemorar, mas sim a triste explicação em números de um Brasil com um sistema penal dos mais seletista, punitivista e autoritarista, que expresso em números, totaliza 711.463 pessoas presas, segundo dados divulgados este ano de 2015 pelo Conselho Nacional de Justiça.
A realidade demonstra que o Brasil tem prendido muito, como conseqüência de uma política criminal seletiva de perspectiva interacionista , tendo como cliente uma massa populacional pobre e, pior ainda, 41% deste número se refere a pessoas presas provisoriamente, ou seja, sem uma decisão penal condenatória transitado em julgado. Em alguns Estados esse número pode ser ainda pior, como no Estado da Bahia, segundo os quais, entre os 13 mil detentos, 64% são provisórios. Ambos índices são considerados autos pelos organismos internacionais de direitos humanos.
Diante deste quadro, de fácil compreensão, resultado de um complexo sistema de seletividade punitiva surge a idéia da audiência de custódia, resultante de um discurso reducionista. Dentre os pontos importantes destacados por seus defensores, é que a audiência representaria uma “forma eficiente de combater a superlotação carcerária” e “disseminar a tortura”, posto que segundo Maria Laura Canineu, Diretora da Human Rights Watch/Brasil :
“O risco de maus-tratos é frequentemente maior durante os primeiros momentos que seguem a detenção quando a polícia questiona o suspeito. Esse atraso torna os detentos mais vulneráveis à tortura e outras formas graves de maus-tratos cometidos por policiais abusivos.(sic)” (destaque nosso)

Nosso parlamento, com vistas nestes dados apresentou o PLS 554/2011 , que visa alterar o art. 306, §1º do ,CPP conferindo-lhe a seguinte redação:

“Art. 306. . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . .
§ 1º No prazo máximo de vinte e quatro horas depois da prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz competente, ocasião em que deverá ser apresentado o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.” (grifo nosso)

Segundo a exposição de motivos do referido projeto de lei, o Brasil viola sistematicamente o art. 7.5 do Pacto de San Jose da Costa Rica, ratificado pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992.
O projeto de lei inspirou os Tribunais do Maranhão e de São Paulo a editarem atos administrativos normativos com o intuito de regulamentarem a audiência de custódia nos termos do projeto de lei, respectivamente pelo Provimento 14/2014 de 24 de outubro de 2014 e o Provimento Conjunto 03/2015 de 22 de janeiro de 2015.
No Maranhão, em apertada síntese, a audiência de custódia seria implementada somente nos plantões judiciários e em São Paulo, o contrário, somente ocorreria durante a semana, menos aos fins de semana e feriados. Em outras palavras, uma maneira inovadora de se atribuir uma eficácia limitada à um direito humano fundamental, além de uma interpretação míope dos casos já decididos sobre o tema na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O Brasil demorou 23 anos para efetivar um direito e mesmo assim capenga? A forma com que foi idealizada a audiência impactará o sistema carcerário, diminuindo o número de presos provisórios?
Realizar mudanças no contexto complexo que se tornou o sistema penal brasileiro, por meio de fabulosos atos administrativos, sem o devido debate com o saber e o conhecimento dos Delegados de Polícia, acadêmicos e estudiosos sobre o sistema penal é elaborar um emaranhado de interpretação sistemicamente disforme “forma o que L.A. Becker chama de micro-legislação esterilizante da Constituição. E qualquer um deveria saber que por ausência de Lei em sentido estrito descabe ao ato administrativo revogar/modificar o Código de Processo Penal. Estamos no paraíso dos atos administrativos manipuladores da Constituição em nome da eficiência.”
Não é por outro motivo que o ex juiz brasileiro, que já compôs a Corte Interamericana de Direitos Humanos entre 1994 e 2008 e ocupando o cargo de presidente da Corte entre 1999 e 2004, em uma palestra proferida na III Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada em 13 de maio de 1998, intitulada Memorial em Prol de uma Nova Mentalidade quanto à Proteção dos Direitos Humanos nos Planos Internacional e Nacional, ao criticar a resistência do poder judiciário em avançar na jurisprudência comparada alertou: “O problema não é de direito, mas sim de vontade, e para resolvê-lo, requer-se sobretudo uma nova mentalidade”.

2. Fonte e vigência da norma
Não obstante, os atos administrativos supramencionados atribuírem eficácia a um projeto de lei. É salutar destacar que a Convenção Americana de Direitos Humanos, apelidada de Pacto de San Jose da Costa Rica, seja uma norma de status constitucional no escólio da esmagadora maioria e mais balizada doutrina. Apesar disso, nossa jurisprudência do STF , contrariando a constituinte de diversos países, definiu que a mesma possui status de norma supralegal, tendo sido vencida, por 5×4, a tese do Min. Celso de Mello, do Pacto se tratar de uma garantia.
De qualquer maneira, em quaisquer das teses, o tratado possui eficácia plena e imediata , por se tratar de um direito e uma garantia humana fundamental e invalida qualquer norma jurídica em sentido contrário, em razão do que a doutrina denomina de controle de Convencionalidade das leis.
Ademais, o que determina de fato e direito a submissão do Brasil às decisões, opiniões consultivas, relatórios e demais documentos, além dos princípios e costumes que orientam o direito internacional, além do Decreto 678/92 é o Decreto Legislativo de 89/98, ato declarativo que o Estado brasileiro se submete a jurisdição da Corte Interamericana, passando a ter, desde 1998 obrigação de cumprir as sentenças pelos quais fosse condenado, inclusive, já tendo sido 4 vezes , perante a Corte Interamericana e 98 vezes (entre 1970 e 2008) , perante a Comissão Interamericana.
Insta salientar, que adotar como marco teórico de regulação de um instituto por ato administrativo com fundamento em uma norma de direito internacional de direitos humanos, na lição de Carlos Villán Durán é considerar que:
“El derecho internacional de los derechos humanos es un sistema de principios y normas que rigen la cooperación internacional de los Estados y cuyo propósito es promover el respeto de los derechos humanos y las libertades fundamentales universalmente reconocidos, así como aclaran los mecanismos de garantía y protección de tales derechos.”(grifo nosso)
Como destacamos, a audiência deve ter o propósito de promover as liberdades fundamentais, assim como servir com esclarecimento dos mecanismos de garantias e proteção a tais direitos.
A garantia da liberdade somente se dará com a efetividade da audiência (judicial) de custódia, da forma que está sendo implementada pelos Tribunais de Justiça de São Paulo e Maranhão?

3. A Epistemologia do Provimento Para a Audiência
Por amor ao debate, lembremo-nos que a epistemologia é o estudo crítico das ciências, com o objetivo de determinar a sua origem lógica e o seu valor. É a teoria do conhecimento e da sua validade.
E qual o argumento de saber que valida ou legitima a audiência de custódia regulamentada pelo provimento já citado, alusivo ao art. 7, item 5 da CADH?
É bem previsível que o Tribunal de Justiça de São Paulo, como fundador da pedra filosofal , “Seduzido pela simplicidade das fórmulas para duplicar o ouro (….)”, haja vista que segundo a iniciativa, ratificada por todos os brilhantes expositores, na qual tivemos a oportunidade de participar como ouvinte (sem respostas às perguntas realizadas) do Curso de Capacitação para Audiências de Custódia ministrado pela Escola Paulista da Magistratura, entre os dias 04/02/2015 a 12/02/2015, visam diminuir a patamares aceitáveis pela ONU do número de pessoas encarceradas, em especial, dos presos provisórios.
Mas perguntemos: Por que a produção de saber, símbolo do magnífico curso de 7 dias ministrado por excelentes expositores juízes, promotores, defensores públicos e advogados, (delegados? Cri… cri… cri…) doutores em processo penal ditaram a regra de que o poder de liberdade é um passaporte emitido somente pelo juiz?
Desde o início do processo inaugurado pela justiça transicional ou justiça de transição, sob o aspecto das reformas institucionais, como método de transição de um regime político autoritário (1964 a 1985) para um regime democrático se investiu no fortalecimento da Magistratura, Ministério Público, ainda com muita resistência política, inclui-se a Defensoria Pública, e totalmente esquecida ficou a Polícia Judiciária deste processo de fortalecimento como órgão essencial à administração da justiça, e portanto, da democracia.
Deixemos claro que o ponto nevrálgico deste trabalho repousa no corpo do preso e sob que aspecto a democracia repousará sobre ele, não nos deixando mentir Michel Foucault, em Vigiar e Punir, e citando Rusche e Kircheimer, explicitando o paralelismo que possuem os regimes punitivos e os sistemas de produção que se efetuam (economia servil, feudal e capitalista), in verbis:
“Mas podemos sem dúvida ressaltar esse tema geral de que, em nossas sociedades, os sistemas punitivos devem ser recolocados em uma certa ‘economia política’ do corpo: ainda que não recorram a castigos violentos ou sangrentos, mesmo quando utilizam métodos ‘suaves’ de trancar ou corrigir, é sempre do corpo que se trata – do corpo e de suas forças, da utilidade e da docilidade delas, de sua repartição e de sua submissão.”
Em outras palavras, a audiência de custódia implementada como resultado de uma interpretação distorcida do alcance atribuído ao art. 7, item 5 e 8, item 1 da CADH, interpretação esta, totalmente distinta que se realiza na Corte Interamericana de Direitos Humanos, nada mais se torna do que mero suplício (FOUCAULT, 1997, p. 47) ao criminoso como forma de submissão e demonstração de poder.
Sabemos que em seu aspecto criminológico ainda vivemos sob a égide de um sistema penal, que associado atualmente com o populismo penal (FERRAJOLI, ZAFFARONI et. al., 2012, p. 60) midiático, no papel de substituto da justiça, fazendo às vezes do justiceiro, e como resposta a atuação das instâncias oficiais (polícia, acusação e juízes) a criminalização de quem foi acusado e condenado pelo que chamamos de imprensa inquisitiva, retrocedendo à uma fenomenologia criminológica de entiquetamento, e assim, o sistema realiza um verdadeiro método de entiquetamento, o “labelling approuch”, não contribuindo em nada para o discurso resultante da criminologia crítica atual, que fez florescer o direito penal mínimo.
Basta refletir nas palavras de Alessandro Barata (BARATA, 2002) para enxergar com facilidade que a audiência de custódia sem expansão da decisão pela liberdade pelo Delegado de Polícia em nada diminuirá a realidade das prisões provisórias:
“(….) esta direção de pesquisa parte da consideração de que não se pode compreender a criminalidade se não se estuda a ação do sistema penal, que a define e reage contra ela, começando pelas normas abstratas até a ação das instâncias oficiais (polícia, juízes, instituições penitenciárias que as aplicam), e que, por isso, o status social de delinqüente pressupõe, necessariamente, o efeito da atividade das instâncias oficiais de controle social da delinqüência, enquanto não adquire esse status aquele que, apesar de ter realizado o mesmo comportamento punível, não é alcançado, todavia, pela ação daquelas instâncias. Portanto, este não é considerado e tratado pela sociedade como “delinquente”. Nesse sentido, o labeling approach tem se ocupado principalmente com as reações das instâncias oficiais de controle social, consideradas na sua função constitutiva em face da criminalidade. Sob este ponto de vista tem estudado o efeito estigmatizante da atividade da polícia, dos órgãos de acusação pública e dos juízes.” (grifo nosso)
Em outras palavras, a audiência de custódia tornou-se reflexo de uma política com discurso humanista, mas com a manutenção da prática do labeling approach, pois de nada adianta o juiz vê ou “olhar no olho” do conduzido, com uma mentalidade de entiquetamento. A capacitação deveria ultrapassar a esfera da forma, do procedimento, e alcançar uma política minimalista de alterações estruturais com vistas à expansão da liberdade, aumentando ferramentas para a manutenção da presunção de inocência, também previsto no art. 8, item 2 da Convenção Americana de Direitos Humanos.
Tal assertiva não é fruto nosso de devaneio jurídico. Os juízes responsáveis pela instalação da audiência de custódia ao se pronunciaram no Curso de Audiência de Custódia já mencionado deixaram isso bem claro.
No dia 11/02/2015 a Juíza Titular da 16ª Vara Criminal Cental/AP, Maria Domitila Prado Mansur, em sua palestra “O Juiz e a Audiência de Custódia” deixou bem explícito, ipsis literis:
Que a audiência de custódia dará um “maior empoderamento ao juiz”
No dia 12/02 no mesmo curso a Juíza assessora da Corregedoria Geral de Justiça Marcia Helena Bosch em sua palestra “Audiência de Custódia – aspectos práticos do procedimento” declarou, in verbis:
“mesmo que não tenha advogado ou defensor irá fazer a audiência de custódia”; “Soltar e prender, nada vai mudar”; “A audiência é para formar maior convencimento para analisar prisão”
No mesmo dia 12 na palestra “O projeto piloto no Departamento de Inquéritos Policiais da Capital (DIPO) – aspectos sistemáticos e operacionais” pelo Juiz coordenador do DIPO Antônio Maria Patiño Zors, afirma:
Que estão lançando a “pedra fundamental” e que “cadeia é para o mau sujeito”.
Diante, portanto, da evidente expansão do poder da magistratura sobre o corpo, e não uma luta para mudanças estruturais, incluindo, por exemplo, aumento do rol de possibilidades do Delegado de Polícia conceder liberdades provisórias, nos deparamos com o contrário: Com a banalização do mal (ARENDT, 1999, 31) , com a desvalorização e uma inutilização de um dos atores do sistema penal, o Delegado de Polícia, e o pior de tudo, ao argumento de que se protege direitos humanos.
O que em verdade ocorre com a sistematização nacionalizante da interpretação do art. 7, item 5 e 8, item 1 da CADH é o fortalecimento da criminalização secundária e reforço da seletividade punitiva, como ocorreu e ocorre com a má aplicação da transação penal e conciliação previstos na lei 9.099/95 (GOMES, 2002, p. 87), diante de um discurso de implementação de uma justiça penal consensual, transformou-se em mais um sistema violador de garantias mínimas no processo penal .
Não deixemos de registrar, que inobstante o nobre propósito de se defender direitos humanos fundamentais, e a resistência de se buscar alterações na legislação para se expandir o direito de liberdade também para decisão de um Delegado de Polícia, esconde uma constante suspeita advinda de um péssimo processo de transição do regime militar para o democrático, no Brasil a partir de 1985, e se construiu um estigma social (ZAFFARONI;PIERANGELI, 2011, p. 73) para o Delegado de Polícia como um cargo que se estabeleça constantes abusos e que seja incapaz de avaliar a condução coercitiva de forma técnico-jurídica e o (r)estabelecimento de um direito de liberdade, através da liberdade provisória ou até mesmo de outra medida cautelar alternativa à prisão.
Como se pode verificar com essa breve análise, não houve um estudo sério sobre o que significa realmente a audiência de custódia. Não há nenhum estudo de capacitação sobre a compreensão do sistema internacional de proteção dos direitos humanos. Não há sequer, no Brasil, tradição em aplicação dos casos já julgados pela Corte IDH. É o sistema político do populismo penal de empoderamento do poder pelo poder, e não do poder pelo saber.
Rubem Alves , psicanalista e Doutor em filosofia nos Estados Unidos, ensinando sobre a epistemologia e a validade do discurso científico leciona:
“(….) é somente o teste das declarações que irá tornar possível a decisão de serem elas verdadeiras ou falsas. Se houver uma declaração qualquer que não possa ser testada, essa mesma declaração estará fora do jogo em que é fundamental poder dizer ‘falso’, ‘verdadeiro’.”

4. A Epistemologia de uma Legislação Garantista pelo Delegado de Polícia
É sobre esta declaração da verdade cientificamente válida que apresentamos um estudo que vai na conclusão da contramão do que se apregoa como verdade válida da audiência de custódia como antídoto contra o abuso na utilização das prisões provisórias e o mal do encarceramento arbitrário de massa.
Um estudo inédito sobre USOS E ABUSOS DA PRISÃO PROVISÓRIA NO RIO DE JANEIRO realizado pela Associação pela Reforma Prisional, Centro de Estudos de Segurança e Cidadania e a Universidade Cândido Mendes, com apoio da Open Society Foundations coordenados pela Socióloga Julita Lemgruber revelou dados sobre a prisão provisória antes e depois do advento da lei 12.403/11, que indicam cientificamente qual ponto da legislação é preciso mudar para ocorrer uma verdadeira expansão do direito de liberdade e efetivação da presunção de inocência.
A Associação para a Reforma Prisional (ARP) desenvolveu de janeiro de 2009 a junho de 2011, na cidade do Rio de Janeiro, um experimento controlado de prestação de assistência jurídica a presos provisórios mantidos em delegacias de polícia do município. Graças ao apoio da Open Society Foundations, à parceria estabelecida entre a ARP e a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, e à colaboração do Tribunal de Justiça do Estado, foi possível assistir diretamente a 130 presos provisórios, acusados de crimes contra o patrimônio sem violência nem grave ameaça e de tráfico de drogas sem ligação com facções criminosas – ou seja, de tipos de delitos para os quais a legislação brasileira faculta liberdade durante o processo.
O trabalho revelou que cerca de 2/3 dos presos provisórios com desfecho processual conhecido estavam encarcerados ilegalmente, quer pelo fato de os juízes não concederem a liberdade mesmo quando garantida pela legislação, quer porque os promotores não exerciam seu papel de fiscais da lei e/ou porque os defensores públicos não formulavam pedidos de liberdade nos primeiros 20 dias após a distribuição do Auto de Flagrante, como reza a norma legal. Comprovou-se também que a assistência de advogados particulares – geralmente só acessível a quem tem recursos para pagá-la, mas oferecida gratuitamente aos presos incluídos no experimento da ARP – é mais eficaz em obter a liberdade do que aquela prestada pela defensoria pública. Isso atesta claramente o caráter seletivo do sistema de justiça criminal brasileiro, com sua “opção preferencial pelos pobres”, e mostra o quanto o funcionamento de tal sistema ainda está distante do mínimo compatível com um Estado democrático de direito .
Foram estudados 4.859 casos de acusados, nas quais se referiam a casos não arquivados e nos quais havia informação sobre a primeira medida cautelar imposta pelo juiz logo após a distribuição do Auto de Prisão em Flagrante. 2.653 deles (55%) detidos antes e 2.206 (45%) depois da entrada em vigor da Lei 12.403/2011.
O trabalho científico, de critério epistemológico sério e correto focou exatamente no mesmo problema que a audiência de custódia promete resolver, qual seja o elevadíssimo percentual de presos provisórios no sistema carcerário, conforme denota a introdução da pesquisa, p. 5:
“Um dos problemas mais dramáticos do sistema penitenciário brasileiro é o grande número de presos provisórios que ele abriga: são 195 mil e representam 35% das pessoas encarceradas no país como um todo. No Rio de Janeiro, somam aproximadamente 11 mil, ou 39% do total de presos do estado .”
Os resultados que serão esposados adiante são frutos de uma mentalidade dos atores jurídicos, principalmente promotores e magistrados, que efetivam, respectivamente, em suas promoções e decisões uma forte carga de um discurso do labelling approuch, agravando o sistema do entiquetamento como reação social à criminalidade, elevada a potência deletéria do populismo penal, mantendo o venal sistema da seletividade punitiva, na qual destacamos o trecho da pesquisa, p. 35:
“Tal como entre os juízes, há entre os agentes do Ministério Público uma forte convicção de que a Lei das Cautelares vai contra os anseios de proteção dos cidadãos, pois favorece a soltura de pessoas que, aos olhos da sociedade, deveriam ficar presas. Para eles, a população supostamente clama por uma atitude “mais firme” do Estado no combate à criminalidade, mas, em vez disso, criam-se mecanismos de garantias individuais que destoam das aspirações coletivas, e prejudicam a “ordem pública”, a “paz” e a “tranquilidade” social – termos cuja definição, contudo, os próprios agentes admitem ter dificuldade de precisar.” (grifo nosso)

Prosseguindo na página 43 da pesquisa:

“Comprova-se a partir dessa análise a impressão de juízes, promotores e defensores de que um dos impactos da Lei 12.403 foi estimular fundamentações mais detalhadas para a imposição da prisão preventiva. Antes dela, prevaleciam justificativas “de etiqueta”, com poucas linhas, adaptáveis a uma vasta gama de situações. Depois dela, promotores e magistrados parecem ter-se sentido na obrigação de explicar melhor as razões da sua opção pela prisão provisória, já que passaram a dispor de um leque muito maior de medidas a indicar e aplicar. Como afirmou um promotor já citado, agora dá “mais trabalho” justificar a prisão processual do que antes da vigência da lei.”

Como disse Cançado Trindade, já citado no presente trabalho, não adianta mudar a lei, “o problema não é do direito mas da mentalidade” punitivista, que se enraíza nas entranhas do sistema penal, como uma erva daninha, repetindo práticas autoritárias, que remontam há época do regime militar. Destacamos, novamente o discurso dos atores apresentados na pesquisa com esse teor:
“Como afirmou um promotor já citado, agora dá “mais trabalho” justificar a prisão processual do que antes da vigência da lei” (lei 12.403/11). Destaque nosso

“Tanto promotores como juízes justificam frequentemente o recurso à prisão como necessário à “garantia da ordem pública” – argumento que aparece até mesmo em casos de baixíssima gravidade, como tentativa de furto. Também é comum invocarem a gravidade abstrata do delito e, mais ainda, os já mencionados argumentos da falta de documentação comprovadora de residência fixa e trabalho, ou da existência de antecedentes criminais – todos eles, como também já dito, em desacordo com os princípios da presunção de inocência e do ônus da prova para quem acusa.”
Por esse tipo de mentalidade totalmente contrária ao direito penal de proteção aos direitos humanos fundamentais, a pesquisa chegou aos seguintes resultados:
1 – A prisão provisória como primeira medida cautelar, dos 4.859 pesquisados foi de 83,8% antes da lei 12.403/11 e de 72,3% depois da lei.
2 – De 3.672 processos concluídos em 2013 23.4% resultam em regime fechado; 18,7% no semi-aberto; 4.6% em regime aberto;15,9% outras penas; 7,8 absolvidos; 20,7% outras situações processuais; e 1,4% réu revel. Esses percentuais se mantiveram com diferença para mais ou para menos de 1.0 percentual, antes e depois da lei 12.403/11, ou seja, tecnicamente não houve diferença antes ou depois da lei 12.403/11, o que revela uma desproporção entre a prisão provisória e sua real necessidade com o resultado final do processo.
Um dos dados que mais se destacam é o da liberdade provisória proferida pelo Delegado de Polícia em razão da fixação da fiança. Antes da lei era de 0,7% e após a lei 12.403/11 foi para 22,4% de liberdades concedidas! Enquanto a fiança pelo juiz era de 1,0% e aumentou para 1,2% após a lei.
Segundo a pesquisa, p. 51, que apesar desses avanços, cerca de metade dos acusados de furto, receptação e estelionato seguiu recebendo como primeira medida cautelar a prisão provisória, mesmo após a entrada em vigor da Lei 12.403.
Em outras palavras, a verdadeira redução da prisão cautelar e onde realmente foi observado o direito de liberdade foi na fase da investigação criminal presidida pelo Delegado de Polícia, carreira jurídica, onde efetivamente garantiu o direito humano fundamental da liberdade, mesmo diante de uma pequena expansão do direito de liberdade, pois após a realização de uma audiência de custódia (interrogatório do conduzido em sede flagrancial), na qual decidiu pela liberdade e não negou fiança ao detido. A lei dá margem a possibilidade de negar a fiança quando o delegado vislumbre motivos para a prisão preventiva, mas ao invés de representar pela mesma, analisou com técnica e reconheceu a sua desnecessidade, fixando fiança, consolidando uma verdadeira audiência de garantia e não de custódia, como preconiza a atual visão em atos administrativos do TJSP e TJMA.

5. O Delegado de Polícia Como Garantidor dos Direitos Humanos Pela Convenção Americana de Direitos Humanos
Como visto na pesquisa acima fica fácil concluir sob que aspecto deve haver o fortalecimento institucional da polícia judiciária para concretizar-se a transição do sistema autoritário vigente no regime militar, incluindo as lei aprovadas em sua ocasião, que continuam em vigor, em um sistema verdadeiramente democrático. Além da mentalidade humanística que se deve instituir no saber produzido pelas instituições é salutar que o fortalecimento com prerrogativas ao Delegado de Polícia seja visto como uma das portas de entrada para a expansão do direito de liberdade como garantia dos direitos humanos fundamentais.
Para além da fenomenologia do Estado Policial, como figura que aproxima a Democracia a um estado autoritário, evidentemente desnaturando aquela, vivemos atualmente, como já salientado neste trabalho, diante de uma perigosa generalização destorcida e preconceituosa do papel do Delegado de Polícia como “primeiro garantidor da lei e da justiça”, na feliz observação do Min. Celso de Melo em sede do HC 84548/SP, o mesmo magistrado que mostrou lucidez humanística ao interpretar o Pacto de San Jose da Costa Rica como norma de status Constitucional.
O Delegado de Polícia não tem papel de garantir uma política criminal de direito penal máximo denominada de lei e ordem (“law and order” – política norte americana de tolerância “0”), mas sim uma política criminal garantista de direitos humanos fundamentais e seu papel garantidor tem sido pouco estudado, como também pouco se debruçam nos estudos sobre o Pacto, e por todas as razões acima esposadas, o Delegado tem sido colocado à margem do debate sobre o tema. O que por nós já é um exemplo antidemocrático, haja vista que a própria Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Palma Mendoza Vs. Ecuador decidiu que este Estado não teria violado direitos humanos ao não processar todos os apontados como responsáveis pela morte de Marco Bienvenido Palma Mendoza, mas somente 3 pessoas.
Neste caso, a Corte IDH entendeu que não teria havido violação dos direitos humanos por ter o estado rejeitado a denúncia na qual se acusavam todas as pessoas vinculadas ao delito, com base na ponderação da provas obtidas na investigação criminal.
A contrario sensu, a forma com que as provas obtidas numa investigação criminal é determinante para se entender se o procedimento estatal viola ou não o Pacto de San Jose da Costa Rica, sendo forçoso concluir a elevada responsabilidade do Delegado de Polícia diante do sistema interamericano de direitos humanos.
Neste mesmo sentido, o Caso Nadege Dorzema e outros Vs. República Dominicana no parágrafo 195, ao analisar em conjunto o art. 7.5 e 8.1 do Pacto de San Jose da Costa Rica e citando como precedente a opinião consultiva, OC-9/87 del 6 de octubre de 1987. Serie A Nº 9, párr. 27, ipsis literis:
“Dichas garantías (do conduzido ser ouvido por um juiz ou outra autoridade que exerca funcões judiciais) deben ser observadas en cualquier órgano del Estado que ejerza funciones de carácter materialmente jurisdiccional, es decir, cualquier autoridad pública, sea administrativa, legislativa o judicial, que decida sobre los derechos o intereses de las personas a través de sus resoluciones.” (Grifo nosso)
Basta ter olhos para se ver, que a Corte IDH adota um sistema descentralizador de garantia da liberdade aos direitos humanos fundamentais, discurso este bem harmônico e uníssono com a denominada reserva relativa da jurisdição, na qual Canotilho já nos ensina que o juiz não tem o monopólio da primeira palavra, mas sim da última, distinto do que ocorre na reserva absoluta da jurisdição, em que o juiz tem a primeira e última palavra sobre uma decisão.
Salutar para nossos estudos que entendamos como funciona o sistema internacional de proteção aos direitos humanos já que a audiência de custódia vem apregoada como uma garantia prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos e a mesma somente seria efetivada, segundo renomados doutrinadores como Gustavo Badaró e Aury Lopes Jr. , se o detido for levado diante de um juiz, por se tratar, segundo eles, de um ato estritamente jurisdicional, ou seja, sob a égide da reserva absoluta da jurisdição.
Neste sentido, o professor Aury Lopes Jr. em sua palestra “Audiência de Custódia – cautelaridade e processo penal: novas luzes sobre o sistema de justiça criminal.” ministrada no Curso sobre audiência de custódia ocorrido na Escola da Magistratura Paulista no dia 06/02/2015, reafirmou o que já havia escrito em seu artigo “Audiência de custódia e a imediata apresentação do preso ao juiz: rumo à evolução civilizatória do processo penal”, publicado a duas mãos por ele e o Defensor Público Caio Paiva, na Revista Liberdades do IBCCRIM, nº 17 setembro/dezembro de 2014, na qual enfrentaremos mais adiante.

6. Sistema Internacional de Proteção de Direitos Humanos e a Validade das Decisões da Corte IDH no Direito Interno.
O conjunto de normas de direito constitucional internacional humanístico, complementam as garantias fundamentais da pessoa humana trazida pela Constituição da República, formando um sistema ou “bloco de convencionalidade “, à semelhança do conhecido bloco de constitucionalidade, que tem como escopo, primordialmente, servir de anteparo para contenção das massas, ou seja, da vontade da maioria, ao contrário do populismo penal midiático :
“A maioria não pode dispor de toda a ‘legalidade’, ou seja, não lhe está facultado, pelo simples facto de ser maioria, tornar disponível o que é indisponível, como acontece, por ex., com direitos, liberdades e garantias e, em geral, com toda a disciplina constitucionalmente fixada (o princípio da constitucionalidade sobrepõe-se ao princípio maioritário).”
Diante disso, passa a ser o documento legitimador, que seleciona a divisão de atuação dos órgãos públicos na persecução criminal, separando e delimitando a atuação de cada qual, explicitamente , sendo os destinatários destas verdadeiras normas jurídicas ao próprio legislador e aos operadores do Direito. Normas que se revertem como um verdadeiro manto protetor, esculpido no mármore das garantias, contra o abuso do poder punitivo do Estado, na qual é evidente que se engloba o poder persecutório.
Diante disso, as decisões da Corte IDH realizam tecem verdadeiras teias protetoras contra interpretações nacionalistas. Ou seja, as interpretações realizadas pela Corte IDH em seus julgados formam um emaranhado de sub normas que costuram os dispositivos do Pacto de San Jose a uma interpretação internacional, evitando que os Estados façam interpretações “particulares”, prevenindo que se realizem mundo a fora “saltos triplos carpados hermenêuticos” parafraseando o eterno Ministro Ayres Brito , iniciando-se uma série de “aberratio interpretatio”, ao ponto de se defender qualquer tipo de interpretação do Pacto, que possam colocar em cheque até mesmo sua própria razão de ser.
Em outras palavras, as sentenças proferidas pela Corte IDH devem tem observância obrigatória e vinculante do Estado-parte condenado no caso concreto e sua fundamentação consolida a uniformização da interpretação da Convenção por TODOS os Estados-partes, inclusive os que não foram réus condenados pela Corte. Não é outra a lição da Doutrina estrangeira sobre o tema:
“Por ende, importa parar mientes en que tanto en Barrios Altos como en los casos Tribunal Constitucional de Perú y La Cantatuta, la Corte Interamericana se comportó como un Tribunal Constitucional anulando las leyes de amnistía, con efeito erga omnes. Obsérvese, entonces, cómo dicho órgono ha “amplificado” notadamente su tradicional postura, sosteniendo ahora que la obligatoriedad de sus pronunciamientos no se agota en su parte resolutiva (que vale para el caso particular), a los fundamentos del fallo, obligando a los tres poderes del Estado para la generalidad de los casos similares.” (grifo nosso)
Novamente se reafirma com a assertiva acima, que além da vinculação dos estados a parte dispositiva da sentença, todos estão obrigados a seguir a fundamentação da mesma como metodologia de uniformização da jurisprudência perante a Corte IDH, à todos os poderes, legislativo, executivo (Delegado de Polícia) e judiciário.
Por isso, preconizar a audiência de custódia, ignorando completamente os diversos precedentes da Corte IDH, para limitar a incidência dos tratados de direitos humanos, o que é pior, por meio de ato administrativo, e adotar metodologia centralizadora, oposta a disseminada nos precedentes, como o de cima apontado, é “nacionalizar” o Pacto de San Jose, descaracterizando-o como documento internacional. Enfim, distorce seu alcance.
Colocando no cenário somente o ator judiciário como único órgão efetivador do alcance jurídico e político da eficácia do princípio pro homine é engessar a eficácia dos direitos humanos fundamentais e criar uma interpretação “nacionalista” e não “inter-cortes” , como já ocorre nas Cortes Supremas da Costa Rica, Bolívia, República Dominicana, Peru, Colômbia e Argentina .
Quanto ao Brasil, não há histórico em obedecer as decisões da Corte IDH, quem dirá a interpretação realizada por ela, como vem ocorrendo no caso Gomes Lund Vs. Brasil, explicitado na ADPF 153 .
Este emaranhado de interpretação sistemicamente disforme “forma o que L.A. Becker chama de micro-legislação esterilizante da Constituição e dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos (destaque nosso). E qualquer um deveria saber que por ausência de Lei em sentido estrito descabe ao ato administrativo revogar/modificar o Código de Processo Penal. Estamos no paraíso dos atos administrativos manipuladores da Constituição em nome da eficiência” e da nacionalização das interpretações sobre o Pacto.
Ora, estamos diante de ditames constitucionais de garantias de que o cidadão possa se valer de agências jurídicas previstas na Carta Política. Não é a toa que o Delegado de Polícia, quem preside a investigação criminal seja qual nome receber o procedimento, inquérito policial (CPP), termo circunstanciado (Lei 9.099/95), boletim de ocorrência circunstanciado (Lei 8.069/90); auto de investigação de ato infracional (Lei 8.069/90), é bacharel em direito , concursado e aferido juridicamente sobre conhecimentos para se chegar ao cargo, que é destinado exercer o papel de verdadeiro filtro processual contra imputações infundadas e deslegitimar ações penais temerárias, bem como deve ser mais um agente de expansão das liberdades. É essa a visão garantidora que possui o Delegado de Polícia hodierno. Em nossa visão, uma Autoridade de Garantias , a primeira a realizar uma audiência de garantias.

7. A “Audiência de Custódia” Perante os Julgados (Casos) da Corte Interamericana de Direitos Humanos
Estas garantias não passaram desapercebidas pelos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, segundo aos quais dispõem como garantia do cidadão que a condução coercitiva em desfavor de um suspeito, este deve ser lavado imediatamente perante um juiz ou outra autoridade jurídica que exerça a função de decidir sobre a liberdade do conduzido, de modo que possa restabelecer sua liberdade, que em nosso ordenamento jurídico constitucional, é o Juiz e o Delegado de Polícia, cada um na sua atribuição, míope, definida pelo Código de Processo Penal.
Em outras palavras, o que querem os países signatários dos tratados e convenções sobre direitos humanos e a ONU é que o preso seja levado perante alguém que tenha conhecimento jurídico para poder decidir sobre a legalidade de sua prisão, ou acaso seja a hipótese, poder garantir seu direito de ser considerado presumidamente inocente e conseqüentemente, participar da instrução processual em liberdade.
Este é o sentido do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos em seus artigos 5º§ 2 e 9º,§§ 1º e 3º, bem como o artigo 7, item 5 da Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), in verbis:
Artigo 5º
§2. Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado-parte no presente Pacto em virtude de leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob pretexto de que o presente Pacto não os reconheça ou nos reconheça em menos grau.(grifo nosso)

Artigo 9º
§1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. Ninguém poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente. Ninguém poderá ser privado de sua liberdade, salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com os procedimentos nela estabelecidos.

§3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência e a todos os atos do processo, se necessário for, para a execução da sentença. (grifo nosso)

Artigo 7º
5. “Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.”

Se os tratados não reconhecessem a legitimidade de órgãos não jurisdicionais, exercendo a função igualmente jurídica, ou materialmente jurisdicional , de prender e soltar, o Pacto não iria dispor sobre o direito dos presos de se socorrerem de juízes e tribunais acaso as decisões daqueles órgãos, de não soltar, seja arbitrária, conforme o artigo 7.6 do Pacto de San Jose da Costa Rica, verbis:
“Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura, se a prisão ou a detenção forem ilegais. Nos Estados-partes cujas leis prevêem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa.” (grifo nosso)
Neste mesmo sentido dispõe outro documento das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, denominado de “Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer forma de Detenção ou Prisão – 1988” . Segundo este documento, que elenca 39 princípios sobre pessoas, capturadas, detidas e presas, realiza uma interpretação teleológica sobre o alcance de “ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais.”, disposto em seu ANEXO, e seu princípio 11.3, in verbis :

“Para los fines del Conjunto de Principios :
a) Por “arresto” se entiende el acto de aprehender a una persona con motivo de la supuesta comisión de un delito o por acto de autoridad; b) Por “persona detenida” se entiende toda persona privada de la libertad personal, salvo cuando ello haya resultado de una condena por razón de un delito; c) Por “persona presa” se entiende toda persona privada de la libertad personal como resultado de la condena por razón de un delito; d) Por “detención” se entiende la condición de las personas detenidas tal como se define supra; e) Por “prisión” se entiende la condición de las personas presas tal como se define supra; f) Por “un juez u otra autoridad” se entiende una autoridad judicial u otra autoridad establecida por ley cuya condición y mandato ofrezcan las mayores garantías posibles de competencia, imparcialidad e independencia.” (grifo nosso)
Princípio 11
1. Ninguém será mantido em detenção sem ter a possibilidade efetiva de ser ouvido prontamente por uma autoridade judiciária ou outra autoridade. A pessoa detida tem o direito de se defender ou de ser assistida por um advogado nos termos da lei.
2. A pessoa detida e o seu advogado, se o houver, devem receber notificação, pronta e completa da ordem de detenção, bem como dos seus fundamentos. . (Griffo nosso)
3. A autoridade judiciária ou outra autoridade devem ter poderes para apreciar, se tal se justificar, a manutenção da detenção.
Como se pode observar, o sistema de proteção internacional de direitos humanos possui uma hermenêutica própria, na qual o País signatário não pode dispor, ou seja, não lhe pode atribuir se quer uma nomenclatura disforme, como ocorre no Brasil, por exemplo, que confunde conduzido, com detido, com preso, com capturado. Esta ausência sistêmica, no Brasil, de proteção da pessoa conduzida, detida e presa contribui para uma interpretação destoante dos escopos trazidos nas decisões da Corte IDH.
Nesta hermenêutica internacionalizante da ONU, que buscar uniformizar o discurso jurídico sobre o sistema de proteção dos direitos humanos da pessoa atingida em seu direito de liberdade, é nada mais nada menos do que uma tipicidade processual, ou seja, a aplicação da legalidade estrita e seu alcance ampliativo para garantia da liberdade e restritivo para a manutenção da prisão.
Esta análise pode se observar pelos princípio ora esposados e pelas interpretações a estes princípios e do art. 7, item 5 da CADH, conforme traremos casos concretos sobre casos pelos quais a Corte IDH os interpretou e uniformizou o entendimento de que órgão com função judicial não significa estritamente jurisdicional, mas que a revisão da prisão, tendo sido ela mantida por um juiz ou outra autoridade, deverá ser realizada por outro juiz, num sistema de duplo grau de audiência de garantia (custódia), conforme interpretação sistêmica e teleológica do art. 7, item 5 c/c 8, item 1 c/c 25, todos da CADH.

8. A lei 12.830/13 Como Garantia da Imparcialidade e Independência do Delegado de Polícia Conforme Exigência Preconizada nos Casos Julgados Pela Corte IDH
No Brasil, o Delegado de Polícia sempre teve competência, imparcialidade e independência, visto que não está subordinado ao Judiciário ou ao Ministério Público, tendo a lei 12.830/13 lhe concedendo, ainda mais garantias com a sua inamovibilidade legal, que se distingue do Judiciário e do Ministério Público apenas pela hierarquia das normas que as conferem, mas de acordo com os tratados sobre direitos humanos, conforme se pode verificar acima, possui status de norma supra legal e materialmente convencional, por se tratar de uma garantia de proteção aos direitos humanos, acima da garantia do órgão ou da pessoa que o ocupa.
Para não cometermos a leviandade de interpretar as referidas normas sobre direitos humanos fundamentais de forma desassociada com a hermenêutica da própria Corte Interamericana de Direitos Humanos, trazemos a baila trechos da sentença, no Caso Vélez Loor Vs. Panamá. , na qual o Panamá foi condenado por violação aos direitos humanos, in verbis:

“108. Este Tribunal considera que, para satisfacer la garantía establecida en el artículo 7.5 de la Convención en materia migratoria, la legislación interna debe asegurar que el funcionario autorizado por la ley para ejercer funciones jurisdiccionales cumpla con las características de imparcialidad e independencia que deben regir a todo órgano encargado de determinar derechos y obligaciones de las personas. En este sentido, el Tribunal ya ha establecido que dichas características no solo deben corresponder a los órganos estrictamente jurisdiccionales, sino que las disposiciones del artículo 8.1 de la Convención se aplican también a las decisiones de órganos administrativos. Toda vez que en relación con esta garantía corresponde al funcionario la tarea de prevenir o hacer cesar las detenciones ilegales o arbitrarias, es imprescindible que dicho funcionario esté facultado para poner en libertad a la persona si su detención es ilegal o arbitraria.” (grifo nosso)

Em tradução livre:
“Este Tribunal considera que, para atender à garantia estabelecida no artigo 7.5 da Convenção em matéria migratória, a legislação interna deve assegurar que o funcionário autorizado pela lei para exercer funções jurisdicionais preencha as características de imparcialidade e independência que devem orientar todo órgão encarregado de determinar direitos e obrigações das pessoas. Nesse sentido, o Tribunal já estabeleceu que essas características não apenas devem corresponder aos órgãos estritamente jurisdicionais, mas que as disposições do artigo 8.1 da Convenção se aplicam também às decisões de órgãos administrativos (Delegados de Polícia, destaque nosso). Uma vez que, em relação a essa garantia, que cabe ao funcionário a tarefa de prevenir ou fazer cessar as detenções ilegais ou arbitrárias, seja imprescindível que esse funcionário esteja autorizado a colocar em liberdade a pessoa, caso sua detenção seja ilegal ou arbitrária.”

Ora, se em nosso ordenamento qualquer pessoa possa prender, e é dever dos agentes policiais realizarem prisões e apresentarem ao Delegado de Polícia, salta aos olhos que se trata de um órgão autorizado por lei “a colocar em liberdade a pessoa, caso sua detenção seja ilegal ou arbitrária.”
Este caso foi um julgamento do imigrante equatoriano, Jesús Tranquilino Vélez Loor, ilegal no Panamá, onde foi preso pela Polícia Nacional de la zona e somente após 25 dias a autoridade administrativa competente para verificar a ilegalidade ou legalidade da mesma, la Dirección de Migración y Naturalización de Darién, conforme art. 67 do Decreto Lei 16 de 1960, Panamenho, para exercer o mesmo papel que o Delegado de Polícia faria no Brasil, ratificou a sua condução coercitiva (após 25 dias) e sem nenhuma fundamentação, não tendo comunicado ao juiz nem nomeado um defensor público, no período enquanto estava encarcerado.
Neste caso concreto, dentre outras fundamentações sobre violações sobre direitos humanos, ressaltou, conforme o trecho transcrito acima, a importância da autoridade administrativa exercer a função materialmente jurisdicional de forma imediata para que o judiciário e a defensoria pudessem atuar, bem como sua prisão pelo Diretor (no Brasil seria o Delegado) fosse necessariamente fundamentada.
Para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a proteção dos direitos humanos fundamentais, desde o início da análise imediata da condução realizada pela polícia e sua análise pelo órgão administrativo, que exerce função materialmente jurisdicional, com direito à revisão pelo judiciário e à defesa técnica, tudo de forma fundamentada, seria a maneira pela qual lhe seria assegurado o acesso à justiça.
Pouquíssimos estudiosos se aprofundam em estudos de casos de forma contextualizada, como o fazem a Professora Flávia Piovesan (PIOVESAN, 2012, p. 395 a 430), Nereu José Giacomolli (GIACOMOLLI, 2014, p. 134 a 143) e por nós através de artigos publicados em mídia digital com o título “A Autoridade Policial e a Garantia dos Presos nos Tratados de Direitos Humanos”, “Controle de Convencionalidade pelo Delegado de Polícia diante da CADH” e “A Inconvencionalidade da lei 12.234/10 não observada pelo Supremo Tribunal Federal e a duração (ir)razoável da prescrição retroativa.”
O professor, Giacomolli publicou sua obra no final de 2014 e comentou o caso Vélez Loor vs. Panamá, julgado em 2010, (GIACOMOLLI, 2014, p. 137 a 139), que para a nossa felicidade, que já havíamos publicado uma análise anterior ao do jurista antes da publicização de sua obra, que avaliou o caso na qual não contradiz com o que escrevemos através do artigo “A Autoridade Policial e a Garantia dos Presos nos Tratados de Direitos Humanos” disponibilizado no site jurídico JusBrasil.
Em breve síntese, para não se tornar repetitivo, nosso artigo e a obra do renomado jurista informam que o Panamá foi condenado a garantir o direito a ser ouvido (“audiência de custódia”) e à defesa, dentre outras violações, mas focaremos no estudo do art. 7, item 5 da CADH, ainda na fase administrativa.
Em outras palavras, o Corte IDH em nenhum momento decidiu ou fundamentou uma linha sequer de que este direito somente deva ser exercido em sede judicial e que a liberdade seja uma função estritamente jurisdicional, entendendo que o órgão de imigração, por sua lei interna, teria errado por não ser ouvido o imigrante e não lhe oportunizado defesa para poder decidir pela sua liberdade em um prazo razoável (já que demorou 25 dias para ser levado ao Diretor de Imigração). Ou seja, o direito de liberdade DEVE ser analisado também por órgão administrativo quando a lei assim permitir, desde que a este órgão lhe caiba a análise da liberdade.
Afirmou Giacomolli em sua análise que: “(….) a pessoa submetida a um processo administrativo sancionador deve ter acesso à defesa técnica, desde o início.” Observe-se que no Caso Véles Loor o mesmo foi condenado a uma pena de prisão por 2 anos, mas que o direito de ser ouvido e a análise de sua liberdade deveria ter sido garantido desde o início de sua condução coercitiva, inclusive a defesa técnica.
Isto significa dizer, que não há violação alguma a direitos humanos quando a lei autoriza a “audiência de custódia” ser realizada por outro órgão distinto do judicial, como preconiza o art. 7, item 5 da CADH.
O que viola direitos humanos é a lei impedir que a outra autoridade definida no referido artigo realize a análise sobre a necessidade ou não de manutenção da liberdade. Neste ponto nosso código de processo penal, quando autoriza ao Delegado de Polícia conceder liberdade provisória somente a crimes cuja pena máxima seja igual ou inferior a 4 anos está prestando um desserviço à Corte IDH e violando frontalmente direitos humanos fundamentais, sendo uma regra arbitrária que afronta os tratados internacionais de direitos humanos, devendo, portanto, ser considerada inválida, por impedir o Delegado de analisar todo o caso de liberdade provisória com ou sem fiança.
Neste sentido, esta norma deve ser considerada pelo Delegado como inválida e conceder liberdade provisória a qualquer crime, pois os tratados são normas que estão acima do código de processo penal e as dezenas de precedentes das cortes autorizam a invocação do princípio pro homine para afastar norma inconvencional, inclusive normas trazidas pela própria constituição que contrariem o tratado.

9. A Interpretação Equivocadamente Nacionalizante de Alguns Doutrinadores sobre casos já julgados pela Corte IDH
Alguns doutrinadores renomados, como já citado Aury Lopes Jr., em artigo publicado no IBCCrim, já referido no presente trabalho, citam alguns casos, utilizados como argumento de autoridade como sendo paradigmas impeditivos de se interpretar a expressão “(….) ou outra autoridade autorizada por lei a realizar funções judiciais.”, impressa no art. 7, item 5 e, para o autor, inaplicável ao Delegado de polícia.
Não conseguimos identificar o motivo de tal interpretação, pois com uma leitura de boa fé sobre os julgados verifica-se de forma cristalina que não é possível realizar a inferência trazida em seu artigo e em sua palestra de que a referida autoridade tenha que ser pessoa que ocupe cargo na magistratura somente .
Assim leciona em seu artigo:
“Em diversos precedentes, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem ressaltado que o controle judicial imediato assegurado pela audiência de custódia.”
Em outro trecho:
Desta forma, a Corte IDH já recusou considerar como “juiz ou outra autoridade por lei a exercer funções judicias” (a) a jurisdição militar,[Corte IDH. Caso Cantoral Benavides Vs. Perú. Sentença de 18.08.2000.] (b) o Agente Fiscal do Ministério Público[Corte IDH. Caso Acosta Calderón Vs. Equador. Sentença de 24.06.2005], e (c) o Fiscal Naval [Corte IDH. Caso Palamara Iribarne Vs. Chile. Sentença de 22.11.2005.]. Fácil perceber, portanto, a partir da jurisprudência da Corte IDH, que juiz ou autoridade habilitada a exercer função judicial somente pode ser o funcionário público incumbido da jurisdição, que, na grande maioria dos países (a exemplo do Brasil), é o magistrado[19]. (grifo nosso)
Curiosa a observação realizada pelo autor em sua nota de rodapé número 19, que pedimos vênia em transcrevê-la para refletirmos em conjunto com o leitor, em especial a parte por nós destacado:
“Registra-se, aqui, uma curiosidade: em pleitos individuais ajuizados na Justiça Federal de Manaus/AM, nos quais se requereu a efetivação do direito à audiência de custódia, um dos motivos que têm ensejado o indeferimento é o de que o Defensor Público (assim como a autoridade policial – Delegado) exerceria, no Brasil, “função judicial”. De tão descabido, o argumento sequer merece considerações. Tivesse o Defensor (ou o Advogado) “função judicial”, poderia ele próprio, então, cessar a ilegalidade/desnecessidade da prisão, colocando o cidadão em liberdade?”
Salta aos olhos, que na própria reflexão, destacada pelo autor sob nota de rodapé, a despeito do sentido e alcance do termo “função judicial”, à luz da interpretação (que ele fez) atribuída pela Corte IDH, que ele mesmo conclui, a contrario senso à critica ao TRF de Manaus, que teria sustentado ter o defensor público função judicial, de que este não o teria porque não poderia cessar a arbitrariedade da prisão. Ora, neste ponto está certíssimo. O Defensor Público ou Advogado não possuem, no exercício de suas funções tal “poder”.
No entanto, ousamos discordar do autor quando inclui neste “pacote” de atores jurídicos o Delegado de Polícia, por uma razão óbvia: O Delegado tem poder de cessar por ele mesmo detenções ou como referenciado no “Conjunto de Principios para la Protección de Todas las Personas Sometidas a Cualquier Forma de Detención o Prisión, Adoptado por la Asamblea General en su resolución 43/173, de 9 de diciembre de 1988”, conduções coercitivas arbitrárias, diante da possibilidade de analisar juridicamente a ausência de situação flagrancial e relaxar a condução coercitiva (prisão) ou conceder liberdade provisória com ou sem fiança (art. 322 c/c 325, ambos do CPP).
Diante da seriedade do tema, que impinge um discurso de flagrante empoderamento autoritário (na contra mão ao fortalecimento institucional de expansão da liberdade, que se pretende pela justiça transicional) no oligopólio da liberdade por um único órgão do sistema penal, sem a devida compreensão sobre o significado e distinção a despeito da reserva absoluta e relativa da jurisdição, pedimos venia ao leitor para que possamos contextualizar suas afirmativas e desmistificar a interpretação defendida por ele, que data maxima venia se afasta por completo do que preconizam os precedentes da Corte IDH.

10. O Citado Caso Acosta Calderón Vs Equador
Por uma questão de retórica epistemológica não podemos citar um caso com paradigma sem que o mesmo se apresente como regra que guarde identidade à legislação brasileira, sob pena de estarmos diante de um sofisma e conseqüentemente uma conclusão cientificamente falsa.
O ponto nevrálgico reside na interpretação e alcance do art. 7, item 5 da CADH no trecho sob destaque:
“5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.”(grifo nosso)
De forma eloqüente, Lopes, busca a interpretação do significado e alcance do trecho “ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais”, com o órgão legitimado a realizar a devida interpretação, qual seja, a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
E deixa claro em seu artigo publicado na revista IBCCRIM e na palestra por ele ministrada na Escola da Magistratura Paulista no dia 06/02/2015, que esta autoridade somente poderia ser um membro da magistratura, ou seja, que função judicial seria aquela estritamente jurisdicional e conclui então que nos casos acima citados Cantoral Benavides, Acosta Calderón e Palamara Iribarne, não poderiam ser respectivamente o juiz militar, o Ministério Público e o Fiscal Naval. Conseqüentemente, para o autor, por essa lógica, não poderia ser também o Delegado de Polícia. Pergunta-se que lógica?
Data maxima venia, esta interpretação espanca a mais basilar regra de hermenêutica, qual seja de que a lei não possui palavras inúteis, bem como a regra epistemológica de que discursos sem objeto verdadeiro não evidenciam verdades válidas (ALVES, 2003, p. 176).
Por que a convenção não se limitou a dizer apenas juiz ou tribunal competente como o faz no art. 7, item 6 da CADH? Para que a Convenção perderia seu tempo em criar esta regra no art. 7, item 5 e torná-la inútil logo em seguida em seu mesmo artigo, item 6? Qual o objeto destas normas para que possam ser utilizadas como argumentos de validade cientificamente ‘verdadeiros’ e não ‘falsos’?
Como afirmou Karl Popper , “aceitar-se-á, como credencial de qualquer teoria, sua capacidade de ser ‘ser testada pela experiência’, sendo que os únicos testes possíveis são aqueles que, eventualmente podem demonstrar a falsidade de seus enunciados.” É o que já vem evidenciando toda a falsidade de que o judiciário isoladamente vêm protegendo direitos humanos fundamentais e servindo como freios ao poder punitivo e ao direito penal máximo que tem como escopo o encarceramento desmedido, como foi a máquina de condenar da inquisição .
Evidentemente que esta afirmativa não prospera e se trata de um lamentável erro de interpretação e de contextualização da expressão com as decisões da Corte IDH citadas pelo próprio autor.
No caso Acosta Calderón, por exemplo, se trata do Colombiano Sr. Acosta Calderón, preso em flagrante pela polícia militar na Aduana por tráfico de drogas.
Após a prisão do mesmo demorou 2 anos para que o mesmo fosse ouvido por um juiz pela primeira vez. Antes disso ele teria sido ouvido apenas pela polícia e pelo Ministério Público, e segundo a Corte, este contato não teria atendido a regra do art. 7, item 5 acima referido.
Aury Lopes Jr. utiliza esta decisão da Corte IDH para afirmar que a mesma teria chegado a conclusão de que o Ministério Público não seria considerado a outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais, pois essas funções judiciais são aquelas estritamente jurisdicionais.
Não podemos concordar com tal afirmativa, pois na sentença do caso em tela, não se extrai esta assertiva, nem possui linha alguma que se permita concluir desta maneira. Ou se tratou de um erro de interpretação ou erro de tradução. Pedimos venia ao leitor e vejamos a interpretação, agora, contextualizada e no original da sentença:
“78. (….) En primer lugar, los términos de la garantía establecida en el artículo 7.5 de la Convención son claros en cuanto a que la persona detenida debe ser llevada sin demora ante un juez o autoridad judicial competente, conforme a los principios de control judicial e inmediación procesal. Esto es esencial para la protección del derecho a la libertad personal y para otorgar protección a otros derechos, como la vida y la integridad personal. El simple conocimiento por parte de un juez de que una persona está detenida no satisface esa garantía, ya que el detenido debe comparecer personalmente y rendir su declaración ante el juez o autoridad competente.

79. En el caso en análisis, el señor Acosta Calderón, al momento de su detención, sólo rindió declaración ante la Policía y un Fiscal, sin la presencia de su abogado. No consta en el expediente que el señor Acosta Calderón haya rendido declaración alguna ante un juez, sino hasta transcurridos casi dos años de su detención. En este sentido, el 8 de octubre de 1991 el mismo Tribunal de Lago Agrio expresó que “dentro del proceso no consta[ba el testimonio indagatorio de la presunta víctima], presumiéndose que el actuario de ese entonces no ha[bía] incorporado en el expediente dicha diligencia”, por lo que ésta se tomó el 18 de octubre de 1991 (supra párr. 50.23, 50.25 y 50.27).

80. En segundo lugar, un “juez u otro funcionario autorizado por la ley para ejercer funciones judiciales” debe satisfacer los requisitos establecidos en el primer párrafo del artículo 8 de la Convención. En las circunstancias del presente caso, la Corte entiende que el Agente Fiscal del Ministerio Público que recibió la declaración preprocesal del señor Acosta Calderón no estaba dotado de atribuciones para ser considerado “funcionario autorizado para ejercer funciones judiciales”, en el sentido del artículo 7.5 de la Convención, ya que la propia Constitución Política del Ecuador, en ese entonces vigente, establecía en su artículo 98, cuáles eran los órganos que tenían facultades para ejercer funciones judiciales y no otorgaba esa competencia a los agentes fiscales. Por tanto, el agente fiscal que actuó en el caso no poseía facultades suficientes para garantizar el derecho a la libertad y la integridad personales de la presunta víctima.”(grifo nosso)
Para ser mais fiel à contextualização do sistema penal, Constituição e ao Código de Processo Penal Equatorianos, não há previsão de um cargo equivalente ao de Delegado de Polícia no Brasil, que possa lavrar o auto de prisão em flagrante e decidir pela sua liberdade, mas o sistema equatoriano determina que a prisão em flagrante deva ser apresentado a um juiz, diferente da Constituição brasileira, in verbis:
“nadie será privado de su libertad sino en virtud de orden escrita de autoridad competente, en los casos, por el tiempo y con las formalidades prescritas por la ley, salvo delito flagrante, en cuyo caso tampoco podrá mantenérsele sin fórmula de juicio por más de 24 horas […]”

Tradução livre:
“Ninguém será privado da sua liberdade, salvo por ordem escrita da autoridade competente, onde, para o tempo e com as formalidades prescritas em lei, ressalvado o flagrante delito, caso em que não podem ser detidos sem apresentação ao juízo por mais de 24h […] ”
E prossegue em seu CPP, no art. 174, vigente à época:
(….) en caso de delito flagrante cualquier persona puede aprehender al autor y conducirlo a presencia del Juez competente o de un Agente de la Policía Nacional o de la Policía Judicial. En este último caso, el Agente inmediatamente pondrá al detenido a órdenes del Juez, junto con el parte respectivo. […]

O Código de Procedimento Penal do Equador adota o sistema procesual de juizado de instrução, onde o juiz possui o monopólio do contato com a investigação criminal, e por esta razão, as prisões são apresentadas a ele para decidir se mantém preso ou concede liberdade provisória, ou seja, possui a gestão de toda a prova.
Ademais, o sistema processual de juizado de instrução está em pleno declínio na Europa por se caracterizar com um sistema inquisitorial, e portanto, autoritário. A título de exemplo a Corte Constitucional de Portugal, que adota expressamente o sistema acusatório em seu art. 32, nº5, declarou o art. 40 do Código de Processo Penal português inconstitucional, visto que permitia a participação do juiz da instrução no julgamento da causa.
Contextualizado o caso com o sistema equatoriano autoritário percebe-se que a Constituição e o Código de Procedimento Penal não conferem à polícia nem o Ministério Público de lá o poder de conceder liberdade provisória, que possui o Delegado de Polícia no Brasil, restando a fácil conclusão que este caso não seve de paradigma com nosso sistema de garantias fundamentais.
Em outras palavras, se equivocou o referido autor, quando asseverou que a Corte IDH não considerava o MP como a outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais, pois no ordenamento equatoriano o MP não possuía autorização legal para exercer esta função como possui o Delegado de Polícia no Brasil, e isso não autoriza afirmar que a Corte não considere esta possibilidade como possível e em plena harmonia com os precedentes dela, como demonstramos acima.

11. O Citado Caso Cantoral Benavides Vs. Perú.
Este caso, fundando-se nas epistemológicas já assentadas acima, trata-se de um caso absurdamente incomparável com a situação Brasileira e não serve em absoluto como uma hipótese paradigmática a se afirmar que a Corte IDH tenha inadmitido um juiz militar como outra autoridade, como forma de desqualificar o caso brasileiro, na qual o Delegado se insere na qualidade de um órgão administrativo.
Para se ter uma idéia, à época dos fatos o Perú tinha decretado estado de emergência através do Decreto Ley No. 25.475 y 13 del Decreto Ley No. 24.475, nas quais os crimes de traição à pátria passaram a ser julgados pela justiça militar, daí a razão de um caso aparentemente de crime comum ter sido julgado na justiça militar.
Em certo aspecto o caso é inclusive semelhante ao do Equador, haja vista que a polícia nacional peruana não tinha o poder de conceder liberdade provisória e a legislação inquisitorial determinava que esta liberdade somente poderia ser determinada pelo juiz militar, que no caso concreto não permitiu ao preso o direito à audiência, tendo sido este o contexto pelo qual a Corte entendeu que o juiz militar não cumpriu o papel do juiz disposto no art. 7, item 5.
Outrossim, a Corte entendeu que ele não poderia ser o juiz que dispõe no referido artigo da CADH porque este Tribunal Internacional, em diversos outros precedentes, e entendeu neste caso também, que a justiça militar não pode ser competente para investigar e processar crimes que não sejam estritamente militares, sob pena de violação do princípio do juiz natural, como deixa bem claro o parágrafo 112 do caso em estudo:
“112. Es necesario señalar que la jurisdicción militar se establece en diversas legislaciones para mantener el orden y la disciplina dentro de las fuerzas armadas. Por ello, su aplicación se reserva a los militares que hayan incurrido en delitos o faltas en el ejercicio de sus funciones y bajo ciertas circunstancias. (…) El traslado de competencias de la justicia común a la justicia militar y el consiguiente procesamiento de civiles por el delito de traición a la patria en este fuero, como sucede en el caso, supone excluir al juez natural para el conocimiento de estas causas. Al respecto, la Corte ha dicho que “[c]uando la justicia militar asume competencia sobre un asunto que debe conocer la justicia ordinaria, se ve afectado el derecho al juez natural y, a fortiori, el debido proceso, el cual, a su vez, encuéntrase íntimamente ligado al propio derecho de acceso a la justicia.” (grifo noso)
Como se observa claramente, foi um equívoco utilizar este julgado como paradigma objeto de estudo para contextualizar o art. 7, item 5 da CADH à audiência de custódia no Brasil, pois em nenhum aspecto o fato se assemelha a nossa realidade. Sequer a polícia judiciária lá é civil, posto que possuem uma única polícia e totalmente militarizada, subordinada ao Ministério Público que é civil, enfim, uma aberração!

12. O citado Caso Palamara Iribarne Vs. Chile
Por fim, e lamentavelmente, este caso, pelas mesmíssimas razões de equívocos epistemológicos já referidos acima, em hipótese alguma se equipara a uma situação brasileira, bem como a Corte IDH, em nenhum momento concluiu que a violação do art. 7, item 5 da CADH teria ocorrido porque um Fiscal Naval (Ministério Público Militar) não poderia ser a outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais, como já estudado acima.
Para entender o caso o Sr. Palamara era militar e teria escrito um livro que fazia referência ao trabalho das forças armadas e foi considerado como uma obra que atentava contra a segurança pública.
Assim sendo, os militares procederam a uma busca e apreensão domiciliar e aprenderam livros e o HD do computador dele contendo os textos, tendo sido preso preventivamente por ordem do Ministério Público Militar (Fiscal Naval), que é responsável pela investigação militar e pela propositura de eventual ação penal militar.
Como se pode verificar neste caso, novamente o exemplo dado pela doutrina em absolutamente nada se assemelha ao sistema processual penal brasileiro. E mesmo um caso paradigma tão distante ao nosso sistema, ainda assim, o Corte IDH não afirmou que o MP não poderia ser a “outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais.”
Pelo contrário!!! A Corte afirmou que o MP tinha autorização pela lei para exercer funções judiciais e era um órgão que poderia decidir pela prisão e pela liberdade, no entanto, violou o art. 7, item 5, porque para ser esta autoridade referida neste artigo deve exercer estas funções com independência e imparcialidade, e como ele era o órgão investigador e acusador não possuía esta última característica (imparcialidade) exigida pela Corte IDH.
Para não cometermos o mesmo equívoco interpretativo realizado pelo digno autor, citemos a parte da sentença que aborda a violação do art. 7 e 8, item 1 da CADH, ipsis literis:
“191, g) si una detención es llevada a cabo por una persona que no es juez, esta debe cumplir con tres requisitos: estar autorizado por ley para ejercer funciones jurisdiccionales, cumplir con la garantía de independencia e imparcialidad y tener la facultad de revisar los motivos de la detención de una persona y, de ser el caso, decretar su libertad. El fiscal naval que ordenó la detención del señor Palamara estaba autorizado por ley para cumplir funciones jurisdiccionales y tenía la facultad de decretar la libertad de la persona. Sin embargo, no era independiente e imparcial.” (destaque nosso)
Como se percebe com clareza solar e de lógica cartesiana, que emerge deste parágrafo da sentença da Corte IDH é que a outra “autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais”, quando não se tratar de um juiz, deve ela preencha 3 requisitos: 1º) AUTORIZADA POR LEI; 2º) POSSA DECRETAR A LIBERDADE DO DETIDO; e 3º) INDEPENDENTE E IMPARCIAL;
Com estas ,características denota-se que a lei 12.830/13, quando garante ao cargo do Delegado de Polícia a garantia contra remoções infundadas e impede a avocação das investigações por ele presididas, por superior hierárquico, completa o 3º requisito exigido pela Corte IDH, incluindo-se esta norma no rol de garantias trazias pelos precedentes da Corte fortalecendo o bloco de convencionalidade, acima mencionado, sendo portanto, uma norma materialmente Convencional, possuindo status de norma supra legal, bem como materialmente constitucional, por guardar simetria a uma garantia fundamental da prisão em flagrante ser lavrada pela polícia judiciária.

13. Considerações Finais
O que ocorre no Brasil é uma insistência em manter a legislação processual fascista em vigor sem a devida alteração, para além da lei 12.403/11 e não permitir que o Delegado de Polícia conceda liberdade provisória para qualquer crime! Isso mesmo, qualquer crime! A partir daí, acaso a condução coercitiva seja mantida pelo Delegado, por não ser hipótese de liberdade provisória, na independência técnico jurídica que lhe cabe, o conduzido deve ser levado à presença de um juiz porque o pacto também prevê a direito de revisão imediata da prisão e de recurso contra ela, como fica claro no parágrafo 221 da sentença do caso Palamara Iribarne Vs. Chile, verbis:
“221. Este Tribunal estima necesario realizar algunas precisiones sobre este punto. Los términos de la garantía establecida en el artículo 7.5 de la Convención son claros en cuanto a que la persona detenida debe ser llevada sin demora ante un juez o autoridad judicial competente conforme a los principios de control judicial e inmediación procesal. Esto es esencial para la protección del derecho a la libertad personal y para otorgar protección a otros derechos, como la vida y la integridad personal. El simple conocimiento por parte de un juez de que una persona está detenida no satisface esa garantía, ya que el detenido debe comparecer personalmente y rendir su declaración ante el juez o autoridad competente .”
O que estamos defendendo no presente trabalho é um sistema ainda mais depurado e garantista do que uma audiência (judicial) de custódia. Inauguremos a audiência de garantias!
Podemos dizer seguramente que o Brasil terá maior impacto humanístico nas estatísticas aberrantes sobre população de presos provisórios, se houver uma expansão da liberdade por outros órgãos e não concentração de poder da liberdade nas somente da magistratura.
Novamente defenderemos o óbvio! Mesmo incorrendo no risco de sermos “chatos”, mas não inconvenientes. A concentração de poder da primeira palavra sobre a liberdade, nas mãos da magistratura (hipótese de reserva absoluta da jurisdição), é somente quando da manutenção da prisão pelo Delegado e conseqüente conversão do flagrante em prisão.
Quanto a análise da liberdade provisória, a magistratura não é a primeira palavra, mas sim o Delegado de Polícia, como já o faz hoje (art. 325 do CPP), por uma razão também simples: A liberdade é a regra, e portanto deve ser expandida, e por assim ser, ontologicamente se situa no âmbito da reserva relativa da jurisdição, onde o controle jurisdicional é a última palavra.
Na reserva absoluta, primeiro se analisa a manutenção da liberdade para depois se prender (jurisdição como primeira palavra sobre prisão) caso tenha sido mantida pelo Delegado primeira autoridade da audiência de garantias (custódia) (art. 7, item 5 da CADH) o detido é encaminhado para a segunda autoridade da audiência de garantias (custódia) (art. 7, item 6 da CADH). Convertida a prisão em flagrante em preventiva, tem agora o detido, direito ao recurso a um juiz ou Tribunal (art. 7, item 6 c/c art. 8, item 1 da CADH)
Na reserva relativa, primeiro se solta (Delegado de Polícia concedendo liberdade – primeira palavra sobre liberdade – (art. 7, item 5 da CADH), depois se analisa, se a liberdade for cassada (jurisdição como primeira e última palavra para cassar a liberdade – prisão, neste caso art. 7, item 5 e 6 da CADH para a audiência de custódia pelo próprio juiz ou Tribunal).
O que falta para a audiência de garantias (custódia) ser implementada no Brasil é torná-las garantistas, principalmente a primeira! Pois o Tribunal de Justiça de São Paulo está enfatizando somente a segunda audiência, criando uma espécie de criminalização secundária diante da concentração do Estado policial (controle por prisão) nas mãos da magistratura, e não um processo de expansão de direitos da liberdade.
A pessoa presa é conduzida à frente do juiz (no modelo de audiência que se quer implementar), porque o Delegado em muitos casos é IMPEDIDO DE GARANTIR O DIREITO DE LIBERDADE e fica a falácia e idiocrática idéia de que garantia de liberdade só é possível pelo juiz, o que é um ledo engano. E os casos que o Delegado garante a liberdade porque a lei lhe permite assim decidir? Nesses casos a pessoa não é levada à frente de um juiz, pois a audiência de custódia é para aferir a cautelaridade da prisão e não da liberdade.
Mas ao que parece, ao argumento de proteção de direitos humanos fundamentais, agigantam-se os poderes para liberdade nas mãos de poucos, que sequer mudaram sua mentalidade de dominação do poder sobre o corpo, resquício do sistema penal medieval.
Enfim, propomos uma alteração no PLS 554/11 para fortalecer a primeira audiência de garantias (custódia) como verdadeira medida para diminuir o impacto dos abusos criados pela lei, que impedem o Delegado analisar de forma plena a liberdade do conduzido até sua presença. Prisão esta, que é perpetuada pelos juízes e promotores, por força dos aspectos criminológicos, políticos, sociológicos e jurídicos acima refletidos. Com essa mudança estaríamos avançando ainda mais em nossa traumática e lenta justiça de transição.
Saudemos a Democracia plena e digamos adeus à Demagogia.

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