As prisões e a profecia de Cora
Por Edemundo Dias*
Uma nova modalidade de supressão de liberdade, que tem prospecções eficazes no combate ao crime, está sendo implantada pelo Governo de Goiás. As tornozeleiras eletrônicas constituem uma realidade que se traduz nas muitas formas de conjunção entre tecnologia e segurança. Em todos os tempos os avanços tecnológicos foram alvo de suspeitas e críticas, pois até que ponto a adoção de uma nova metodologia é capaz de incrementar ou mesmo substituir outra em uso desde sempre?
Um exemplo clássico foi o impacto da mecanização da produção com a revolução industrial, e visto com maus olhos por alguns críticos, quando, na verdade, os novos métodos de produção ampliaram o acesso aos bens de consumo primários a uma imensa parcela da população, situação inversa no sistema feudal, de tecnologias arcaicas. A concepção de mundo, certamente, tem relação direta com os benefícios tecnológicos que contribuem para o avanço da humanidade em diversas áreas, a exemplo da informação, medicina, engenharia, e, agora, a Execução Penal.
Pensar Segurança Pública é também acompanhar os avanços tecnológicos. O que é novidade em termos de monitoramento de pessoas sob custódia estatal já vinha sendo pensado na década de quarenta no Canadá, onde surgiram as primeiras experiências de monitoramento eletrônico, tendo como meta a fiscalização de presos.
Com efeito, a prática desse modelo surgiu em agosto de 1979, quando o juiz americano Jack Love inspirado na história em quadrinhos do Homem Aranha que em determinado episódio narra a passagem de um vilão controlando os passos do herói, fazendo o uso de um bracelete orientado por sinal de radar. Daí em diante é desenvolvida a ideia que culmina no atual cenário do monitoramento eletrônico.
Da década de 70 aos dias atuais, a evolução tecnológica trouxe uma maior efetividade tanto para o aparelho quando para o monitorado. E aos poucos, essa cultura do monitoramento foi se destacando como um instrumento útil no combate ao crime, aplicação de penas mais humanas e garantia de direitos fundamentais.
O monitoramento eletrônico já foi implantado em vários sistemas jurídicos do mundo: EUA, Canadá, Reino Unido, Suécia, Holanda, França, Bélgica, Itália, Alemanha, Espanha, Portugal, Suíça, Hungria, Andorra, Nova Zelândia, Argentina, Israel, Singapura e África do Sul, sendo bom lembrar que em todos eles, os resultados foram excelentes.
Buscando informações em outros países que se beneficiam do programa, percebe-se uma vasta utilidade como a redução da superpopulação prisional e a diminuição dos custos com o preso. Estudos feitos na França, por exemplo, apontam uma redução de 75% de reincidência criminal.
Em Goiás, a monitoração eletrônica é um instrumento de segurança pública que proporciona a ampliação da atuação do Estado na repressão, prevenção e investigação de crimes; e é fonte riquíssima de produção de conhecimento de interesse do setor de inteligência, e os resultados nesse sentido já começaram a aparecer.
Na verdade, esse novo dispositivo não é a panacéia para o controle da violência e da criminalidade, porém é uma alternativa a mais que o Estado-juiz e o Estado- administração passam a dispor dentro do sistema de justiça criminal. Com menos de um mês de aplicação, de 320 monitorados, apenas três violaram o dispositivo, ou seja, os números mostram que o sistema tem menos de 1% de defecção. Dentre outros benefícios, podemos destacar que o custo é totalmente viável, vez que um preso custa mensalmente em torno de R$ 2 mil para os cofres públicos, enquanto as tornozeleiras eletrônicas têm um custo de apenas R$ 240 mensais por unidade.
Refletir sob uma nova maneira de levar a efeito a punição de criminosos, aberta para novas tecnologias, é vislumbrar a materialização do pensamento carregado de sabedoria de nossa poetisa maior Cora Coralina quando vaticinou ainda no século passado: “Tempo virá. Uma vacina preventiva de erros e violência se fará. As prisões se transformarão em escolas e oficinas e os homens imunizados contra o crime, cidadãos de um novo mundo, contarão às crianças do futuro, histórias absurdas de prisões celas, altos muros de um tempo superado”.
*Edemundo Dias de Oliveira é delegado de Polícia (aposentado), pastor evangélico e secretário de Estado da Justiça de Goiás
Fonte: Jornal O Popular