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Além de investigativa, busca pessoal pode ser preventiva

Por Henrique Hoffmann

A par de sua enorme importância, a busca pessoal ainda é tratada de forma tímida pela doutrina e jurisprudência, sendo também a legislação incompleta na sua disciplina.

Consubstancia-se na inspeção do corpo do indivíduo e sua esfera de custódia (vestimenta, pertence ou veículo não utilizado como habitação), com a finalidade de evitar a prática de infrações penais ou encontrar objeto de interesse à investigação.[1] Regra geral é antecedida por uma abordagem anunciada por comando verbal.

A averiguação pode ser imediata (manual) ou mediata (uso de instrumentos como scanner corporal, cão farejador ou espelho). Diferentemente da busca e apreensão domiciliar, a busca pessoal independe de mandado judicial, e pode ser realizada a qualquer tempo. Além disso, a par de relativizar a intimidade do revistado, e em menor grau sua liberdade, não pode malferir sua integridade física. Deve ser feita em diferentes níveis conforme o grau de ameaça, seguindo o uso proporcional da força (desincentivando o uso de expressões pejorativas como dura e baculejo).

Em se tratando de mulher, a revista deve ser feita preferencialmente por outra mulher (artigo 249), inexistindo proibição legal para que a busca seja feita em face de adolescente, idoso, deficiente ou detentor de foro privilegiado. O advogado e o diplomata ou cônsul também podem ser revistados, muito embora se exija respeito à inviolabilidade do escritório (artigo 7º, II do EOAB) e dos pertences (artigo 30 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e artigo 33 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares).

Consideradas essas premissas, é importante deixar claro que a finalidade da busca pessoal não é somente apurar ilícitos, mas também evitá-los. Daí sua divisão em busca pessoal investigativa ou preventiva.

A busca pessoal investigativa tem a finalidade de angariar provas para a persecução penal, ou seja, investigar a infração penal já praticada. Sua base legal está no artigo 240 do CPP, que traz três hipóteses de busca pessoal que dispensam mandado judicial: a) prisão; b) mandado de busca e apreensão domiciliar; c) fundada suspeita. Apesar de não constar no rol exemplificativo, o consentimento do revistado também autoriza a busca pessoal, pois o indivíduo tem a faculdade de dispor de sua intangibilidade pessoal.

A busca pessoal também pode ser feita pelo próprio juiz, nas situações de prisão, busca e apreensão domiciliar ou fundada suspeita, não sendo necessário o mandado pois não faz sentido ordenar a si mesmo o cumprimento de uma ordem. Esta hipótese não consiste em modalidade autônoma de busca pessoal, senão de rara forma de cumprimento das espécies de revista existentes.

Das três hipóteses de busca pessoa investigativa, a que ganha mais destaque é a decorrente de fundada suspeita. A permissão para a revista decorre da desconfiança justificada no sentido de que a pessoa traz consigo armas ou outros objetos ilícitos ou perigosos, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência. Não sendo possível conseguir um mandado a tempo de concretizar a busca, a lei processual dispensa a autorização judicial.

Na abordagem policial, o executor deve somar o tirocínio policial à proporcionalidade da ação, para que o poder não se convole em arbítrio. A desconfiança é legítima quando o policial detecta alguma anomalia no comportamento do indivíduo, ou algo atípico em suas vestes, pertences ou veículo. A suspeita será frágil, e não fundada, quando o policial basear-se exclusivamente em sua intuição.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu, negando a presença de fundada suspeita pelo tão só fato de o revistado trajar um blusão suscetível de esconder uma arma, que “a ‘fundada suspeita’ prevista no artigo 244 do CPP não pode fundar-se em parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do constrangimento que causa”.[2]

Parcela da doutrina critica o fato de o requisito estabelecido pelo legislador através da expressão fundada suspeita constituir cláusula genérica, de conteúdo vago e indeterminado, dando azo à subjetividade do agente público e fomentando a seletividade do sistema penal, que recai preferencialmente sobre a camada economicamente menos favorecida da sociedade.[3]

A presença do requisito deve ser aferida antes da diligência, ainda que seja justificada a posteriori, aplicando-se analogicamente o entendimento da Corte Suprema quanto à busca e apreensão domiciliar decorrente de flagrante delito.[4]

A doutrina aponta que a fundada suspeita exigida para a busca pessoal admite menor concretude do que as fundadas razões demandadas para a busca e apreensão domiciliar.[5]

De outro lado está a busca pessoal preventiva, cujo estudo é desprezado por muitos. Não é disciplinada de forma expressa pelo CPP, mas sua existência possui respaldo em outras leis (como Estatuto do Torcedor, Código de Trânsito Brasileiro e Legislação de Fiscalização Aduaneira).

A busca pessoal preventiva visa a garantir a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio. O desiderato é prevenir o cometimento de crimes, tendo em vista que a segurança pública traduz dever do Estado. É realizada para fiscalizar indivíduos que ingressem em estabelecimentos públicos e privados, e pessoas e veículos em vias públicas, decorrendo do próprio artigo 144 da CF, estando também disciplinada direta ou indiretamente na legislação esparsa.

A busca pessoal preventiva pode ser feita como condição para ingresso em estabelecimentos públicos e privados, a exemplo de recintos esportivos, que pressupõem a chamada revista pessoal de prevenção e segurança (artigo 13-A da Lei 10.671/03).[6] Em se tratando de espaço privado, a vistoria baseia-se não no poder de polícia, mas na aquiescência do interessado a essa condição de acesso. Nada mais natural que a entrada de pessoas em certos estabelecimentos seja precedida de revista por precaução, afinal, a segurança é uma qualidade tanto do serviço privado (artigo 6º, I da Lei 8.078/90) quanto do serviço público (artigo 6º, §1º da Lei 8.987/95).

Na esfera privada, vale lembrar que o prestador de serviços responde objetivamente se não fornecer a segurança adequada (artigo 14, §1º do CDC) e por isso deve tomar as cautelas necessárias para evitar a ocorrência de ilícitos no interior do recinto. Nessa linha, muito embora não seja exigível a realização de busca pessoal em todo e qualquer estabelecimento,[7] em alguns locais em que haja grande concentração de pessoas, movimentação de dinheiro ou uso de bebidas alcoólicas, a exemplo de micaretas, bancos e casas noturnas,[8] exige-se um cuidado adicional quanto à incolumidade dos frequentadores, concretizado por meio de medidas como a revista pessoal. Obviamente, a revista deve ser feita com observância dos limites da urbanidade e civilidade, constituindo mero desconforto a que os consumidores se submetem voluntariamente em nome da segurança.[9]

A busca pessoal preventiva se verifica, de igual maneira, na fiscalização de trânsito por meio das chamadas blitze ou barreiras de trânsito (artigo 269, §1º da Lei 9.503/97), incidindo preferencialmente sobre veículos conduzidos em vias públicas onde numericamente haja maior incidência de delitos de trânsito ou possivelmente sejam utilizados como rota de fuga de criminosos. Insere-se no âmbito do poder de polícia e, em que pese nem sempre ser vista com simpatia por quem a ela se submete, é importante.

Também pode ser empregada na vistoria de veículos e pessoas em portos, aeroportos ou pontos de fronteira alfandegados (artigo 34 do Decreto-Lei 37/66), de modo a incrementar a segurança de todos dentro do território nacional.

Tais hipóteses, apesar do desconforto e constrangimento para quem é revistado, são lícitas por representarem medidas de prevenção em benefício da sociedade.[10]

A tarefa de prevenir a ocorrência de delitos por meio da busca pessoal preventiva pode ocorrer também em outras situações nas quais não há dispositivo legal expresso, como na fiscalização de pessoas que transitem por determinadas regiões estatisticamente afetadas pela criminalidade violenta (locais de risco).

Por fim, pode ser empregada para vistoria de presos e visitantes em estabelecimentos penais. Sua importância decorre das incessantes tentativas de ingresso de drogas, armas e aparelhos celulares nesses locais.

Essa revista pode ser tanto superficial quanto minuciosa, residindo a polêmica justamente no último caso, a chamada revista íntima.[11] Divergência esta acentuada pelo fato de nem o CPP ou tampouco a Lei 13.271/16 (editada para disciplinar a revista íntima em ambientes prisionais e proibir a revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho) terem definido o tema.

A revista íntima consiste na busca pessoal meticulosa, dada a insuficiência da busca superficial, com o objetivo de verificar se o revistado escondeu algum objeto nas cavidades corporais. É realizada com equipamento eletrônico (scanner corporal), cão farejador, agachamentos ou saltos, desnudamento ou uso de espelho, ou em último caso introdução das mãos ou objetos nas partes íntimas.

Uma parcela dos estudiosos não admite a revista íntima em presídios, chamando-a de revista vexatória, por supostamente violar a dignidade da pessoa humana e a intimidade, configurando verdadeira tortura.[12] O artigo 3º da Lei 10.792/03, ao exigir aquisição de detectores de metais nos estabelecimentos penais, teria vedado implicitamente a revista íntima. Ademais, o procedimento é proibido pela Resolução 5/14 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e por várias leis estaduais. Com o veto ao artigo 3º da Lei 13.271/16, inexiste lei federal autorizando a medida. O Estado deve substituir a revista íntima pela revista dos presos ou pelo uso da tecnologia.

Outra corrente, à qual adiro, admite a providência, pois a autorização decorre dos artigos 240 e 244 do CPP (que disciplinam a busca pessoal sem distinguir a superficial ou minuciosa) e do próprio artigo 144 da Constituição (que estabelece que a segurança pública é dever do Estado e responsabilidade de todos). O Estado não pode simplesmente ignorar a alta incidência de visitantes que ocultam objetos ilícitos nos orifícios do corpo para entregar aos presos, sendo razoável o uso da busca minuciosa, de preferência de forma indireta (com uso da tecnologia).

Entende o Superior Tribunal de Justiça que é possível a mitigação do direito à intimidade da pessoa (que não possui caráter absoluto), em benefício da preservação de outros direitos constitucionais igualmente consagrados, como a própria segurança pública.[13] O Supremo Tribunal Federal, de igual forma, reconhece a importância da busca pessoal minuciosa, ao afirmar que é lícita a limitação de visita ao parlatório (impedindo o contato físico) ao visitante que não possui condições medicas (problemas no joelho) de realizar os movimentos exigidos no procedimento de revista mecânica.[14]

Mencione-se, ainda, que a advogada gestante não se submete a detectores de metais e aparelhos de raios X (apesar de o artigo 7º-A do Estatuto da OAB se referir a tribunais, a medida para a segurança do feto deve valer para qualquer local, em respeito ao artigo 227 da CF). Todavia, em se tratando de estabelecimento penal, é imperiosa a verificação de segurança, sendo cabível a revista íntima, e caso não possua condições medicas de fazer os movimentos exigidos no procedimento de revista mecânica, pode perfeitamente ser limitada a visita ao parlatório (impedindo o contato físico).

Como se nota, a complexidade e importância do tema indicam que a busca pessoal merece tratamento mais pormenorizado no ordenamento jurídico e mais reflexão dos juristas.


1 HOFFMANN, Henrique. Aspectos jurídicos da busca e apreensão. BEZERRA, Clayton da Silva; AGNOLETTO, Giovani Celso (Org). Busca e Apreensão. Rio de Janeiro: Mallet, 2017, p. 21-119.

2 STF, HC 81.305, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 22/02/2002.

3 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 562.

4 STF, RE 603.616, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 05/11/2015.

5 TOURINHO FILHO, Fernando Costa. Processo penal. v. 3. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 420; AVENA, Norberto Cláudio Pàncaro. Processo penal esquematizado. São Paulo: Método, 2014, p. 582.

6 Norma repetida no art. 28, III da Lei 12.663/12 (Lei Geral da Copa) e da Lei 13.284/16 (Lei Geral das Olimpíadas).

7 STJ, REsp 1.384.630, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJ 20/02/2014.

8 STJ, REsp 878265, Rel. Min. Nancy Andrigui, DJ 02/10/2008; STJ, REsp 1.098.236, Rel. Min. Marco Buzzi, DJ 24/06/2014; STJ, REsp 695.000, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 03/04/2007.

9 STJ, REsp 1.120.113, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 10/10/2011.

10 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal comentados por artigo. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 645.

11 Sobre a discussão, confira a entrevista concedida ao Conjur na seguinte matéria: Lei proíbe revista íntima em mulheres e reabre debate sobre segurança. Revista Consultor Jurídico, abr. 2016. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-abr-19/lei-proibe-revista-intima-mulheres-reabre-debate-seguranca>. Acesso em: 19 abr. 2016.

12 NICOLITT, André. Manual de processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 717.

13 STJ, HC 328.843, Rel. Min. Felix Fischer, DJ 15/10/2015.

14 STF, HC 133.305, Rel. Min. Dias Toffoli, DJ 24/05/2016.

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