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A sensação crônica de desamparo

Por Miguel dos Reis Cordeiro Neto*

Aumentam em Goiânia os crimes contra mulheres jovens e com eles o medo, a insegurança e a sensação crônica de desamparo. No dia 4, a Primeira Guerra Mundial completou 100 anos como o fato que inaugurou a explosão de violência no século passado. Reuniram-se 50 países na Bélgica, onde foi disparado o primeiro tiro, que homenagearam os mortos dos cinco continentes. Papoulas vermelhas de cerâmica cobriram a torre Londres, representando cada soldado inglês morto. Ela foi uma das poucas plantas que floresceram nos campos de batalha logo que a guerra acabou. Ao regressar, um estranho fenômeno foi observado: os ex – combatentes permaneciam mudos. Não tinha nada a dizer. Freud em seus escritos chamou a atenção para a crueldade dos homens em sua capacidade destrutiva. Walter Benjamin via nesse fato a cessação das narrativas. O horror da violência extrema estagnava a experiência vivida, fazendo suas vítimas desistirem de qualquer futuro.

Goiânia e o País vivem hoje algo muito parecido com a Primeira Guerra. De um lado, o horror pela crueldade dos crimes. De outro, a ausência total de qualquer narrativa que denuncie, descreva e explique minimamente o que está acontecendo. Aos poucos, uma histeria coletiva se espalha, o comportamento de massa, sempre perigoso, violento e imprevisível, já se esboça em alguns lugares como reação à impunidade. A escritora Hannah Arent em sua obra, chama a atenção para o mal radical que comparece nas sociedades pouco democráticas e que se assemelha muito ao que se vive nesse momento. A Revista Cult na edição 129 comenta: “O tema do mal, em Arendt, não tem como pano de fundo a malignidade, a perversão ou o pecado humano. A novidade da sua reflexão reside justamente em evidenciar que os seres humanos podem realizar ações inimagináveis, do ponto de vista da destruição e da morte, sem qualquer motivação maligna”.

Para citar Arendt mais uma vez, a presente onda de mortes é proveniente da banalização da violência dentro de culturas que artificializam e desvalorizam a vida. Tanta desproteção e horror produz o quadro social presente em que milhares de pessoas tentam, pateticamente, evitar que o motoqueiro negro faça sua próxima vítima. O toque sádico da violência continua sendo de gênero: antes, eram homens negros e pardos entre 16 e 26 anos, o alvo preferencial dos matadores. Agora são mulheres jovens, a partir de 14 anos. As autoridades ainda não acreditam na hipótese de um serial killer, apesar das semelhanças óbvias das vítimas. Fazem isso com razão, pois a posse ilegal de armas cresceu absurdamente nos últimos anos: Passou de 2.625, em 2012, para 3.229, em 2013. Só em janeiro e fevereiro deste ano, 674 armas foram apreendidas, segundo dados da Polícia. Arma não é brinquedo. Se um jovem a tem vai querer usar. Outro dado que coloca em dúvida o matador maníaco é a tradição do tráfico de “tocar o terror” em certas regiões, visando ao domínio territorial. Nesse contexto tanto faz que morram pessoas envolvidas com drogas como outras que não estão.

O fato é que não há como negar que a violência seja algo banal em nosso Estado. A segurança da população não representa uma preocupação política levada a sério, algo facilmente percebido pelo estado do sistema prisional, vexatório sob todos os aspectos.

Algumas medidas podem ser imediatamente tomadas, como o dever do Estado de ocupar os espaços públicos abandonados. Deve, ainda, investir forte no policiamento ostensivo, qualificando suas polícias e dando a elas salários compatíveis com a função. Também é imprescindível que as centenas de famílias sem nenhuma condição de educar seus filhos recebam mais do que o Bolsa Família. Muitas delas, mesmo com o Programa, não se importam que seus filhos estejam longe da escola, passando as noites a serviço do tráfico. Programas assistenciais e de saúde integral têm de ser implementados, principalmente fora do modelo ambulatorial que pouco resolve.

É possível vencer o medo. Às vésperas de mais uma eleição majoritária, será muito bom que haja um coro uníssono de pessoas que se unam para exigir do poder público providências.

*Miguel dos Reis Cordeiro Neto é psicólogo

Fonte: Jornal O Popular

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