A lei dos crimes ambientais se aplica aos índios?
Por Alessandra Maria de Castro*
RESUMO: Este artigo apresenta a evolução da legislação brasileira no tratamento dispensado às comunidades indígenas, bem como ao meio ambiente até a promulgação da Constituição de 1988 e como esta trata o assunto. Adicionalmente aborda-se os direitos inerentes aos índios previstos na Lei 6.001 de 19 de dezembro de 1973 (Estatuto do Índio) e os crimes ambientais definidos na Lei 9.605/98, visando estabelecer uma comunhão entre estas duas normas, com a submissão do índio aos tipos penais previstos na Lei dos Crimes Ambientais sem, contudo, ferir as prerrogativas que lhes são inerentes em razão da sua peculiar situação.
PALAVRAS-CHAVE: Índio; Cultura; Legislação; Meio Ambiente; Crimes.
ABSTRACT: This paper presents the evolution of Brazilian legislation in the treatment dispensed to indigenous communities, as well as the environment until the promulgation of Constitution in 1988 and how it deals with the issue. In additional it approaches the rights inherits to the Indians predicted in the Law 6.001 on December 19th in 1973 (Statute of Indian) and the environment crimes defined in the Law 9.605/98, aim to establish a communion between both rules, with the Indian submission to the criminal types predicted in the Law of Environment Crimes without, however, to offend the inherits prerogatives to the particular Indian situation.
INTRODUÇÃO
Em 1973, antes mesmo que o mundo se despertasse e tomasse consciência para as problemáticas ambientais, foi criada a Lei 6.001 (Estatuto do Índio), que concede às comunidades indígenas o direito de explorar os recursos naturais dentro de suas terras.
Com o advento da lei 9.605/98, a exploração do meio ambiente foi sensivelmente restringida, passando-se a criminalizar as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente.
Em nosso Estado, existem algumas comunidades indígenas como a dos Karajás, localizada no município turístico de Aruanã, palco de diversos conflitos gerados entre a referida comunidade e os órgãos ambientais, que tentam desempenhar suas atribuições de proteção ao meio ambiente, mas esbarram nos ditames do Estatuto do Índio.
A controvérsia é pouco discutida entre os operadores do direito, pois se trata de um assunto contemporâneo, que somente a partir da década de 80, no Brasil, com o surgimento da Lei 6.938/81, começou -se a pensar em dar um tratamento adequado a nossa casa – a Terra.
Deste modo, este projeto de pesquisa se propõe a discutir o limite da exploração dos recursos naturais pelos índios e difundir seu resultado entre os órgãos ambientais diretamente envolvidos neste processo. Contribuindo assim para uma fiscalização mais eficaz e para a repressão dos crimes ambientais praticados pelos índios, os quais causam desconforto nas demais comunidades.
A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO SOBRE O ÍNDIO E O MEIO AMBIENTE
Até a promulgação da Constituição de 1988, toda a legislação editada sobre os índios tinha como referência uma situação de transitoriedade, como se o ideal e natural fosse a evolução dos índios para os moldes da cultura dos não índios. Bem retrata esta concepção a disposição contida no art. 4º do Estatuto do Índio (Lei 6.001/1973), que considera os índios como isolados, em vias de integração e integrados, ou seja, para o legislador os índios estavam fadados ao desaparecimento.
Nesta mesma linha de raciocínio podemos afirmar que até 1972, quando realizada a Convenção das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente, em Estocolmo, o pensamento predominante cuidava do meio ambiente como um bem infindável.
Já no Brasil, somente na década de 80, sob o influxo da onda conscientizadora emanada pela Conferência de Estocolmo, este pensamento começou a mudar com a edição da Lei 6.938/1981, conhecida como Lei da Política Nacional do Meio Ambiente.
Antes, porém, o Estado era omisso e entregava a tutela do ambiente à responsabilidade exclusiva do próprio indivíduo que se sentisse incomodado com atitudes lesivas à sua higidez. Neste sistema, a irresponsabilidade era a regra, pois o particular ofendido não se apresentava, normalmente, em condições de assumir e desenvolver ação eficaz contra o agressor, quase sempre poderosos grupos econômicos, quando não o próprio Estado.
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
A constituição federal de 1988 reconheceu aos povos indígenas direitos antes nunca aludidos em nenhuma outra constituição. Foi um marco de inegável valor para as sociedades indígenas ao inserir um capítulo inteiro para os Índios (Título VIII – Da Ordem Social, Capítulo VIII – Dos Índios).
Pela primeira vez, uma Constituição reconhece a diversidade cultural e multietnicidade dos povos indígenas, estabelecendo os seguintes princípios: direito à diferença; reconhecimento dos direitos originários dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam e proteção de sua posse permanente em usufruto exclusivo para os índios; princípio da igualdade de direitos e da igual proteção legal.
Assim, os índios passaram a gozar do direito de serem diferentes, o que não significa a existência de uma inferioridade de direitos, ao contrário, explicita que aos indígenas não podem ser negados direitos deferidos aos cidadãos brasileiros, impondo que seja a eles assegurado os diversos direitos decorrentes de sua peculiar situação.
Da mesma forma, a atenção dada ao meio ambiente pela Constituição Federal é um marco histórico de inegável valor, uma vez que as constituições que precederam a de 1988 jamais se preocuparam com a proteção do meio ambiente de forma específica e global. Nelas, sequer uma vez foi empregada a expressão “meio ambiente”, a revelar total despreocupação com o próprio espaço que vivemos.
O art. 225 da CF/88 preconiza que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem coletivo e essencial à qualidade de vida que, por ser findável, deve ser protegido para uso e gozo sustentável pelas presentes e futuras gerações.
Em 1998, dez anos após a promulgação da Constituição Federal, uma promessa constitucional torna-se real com o advento da Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998). Promessa esta que tem seu fundamento no §3º do art. 225 da CF/88.
O ESTATUTO DO ÍNDIO
A Lei n.º 6.001 de 19 de dezembro de 1973, denominada Estatuto do Índio, apesar de ultrapassada, foi recepcionada pela atual constituição, naquilo em que não dispõe de forma contrária.
Conforme acima mencionado, a Constituição Federal assegura aos índios o direito de usufruto exclusivo sobre as riquezas naturais de suas terras, estabelecendo também as únicas exceções a esse direito de exclusividade, que são o aproveitamento de recursos hídricos e a mineração por terceiros, desde que ouvidas as comunidades indígenas e assegurada à participação nos resultados da lavra.
Esse direito se destina a assegurar aos índios meios para a sua subsistência, para que possam se reproduzir, física e culturalmente, e não tolher as suas iniciativas e projetos de auto-sustentação econômica.
O Estatuto do Índio em vigor estabelece a seguinte definição de usufruto indígena:
Art. 24 – O usufruto assegurado aos índios ou silvícolas compreende o direito à posse, uso e percepção das riquezas naturais e de todas as utilidades existentes nas terras ocupadas, bem assim ao produto da exploração econômica de tais riquezas e utilidades.
§ 1º – Incluem-se no usufruto, que se estende aos acessórios e seus acrescidos, o uso dos mananciais e das águas dos trechos das vias fluviais compreendidos nas terras ocupadas.
§ 2º – É garantido ao índio o exclusivo exercício da caça e pesca nas áreas por ele ocupadas, devendo ser executadas por forma suasória as medidas de polícia que em relação a ele eventualmente tiverem de ser aplicadas.”
Os índios detêm a posse permanente das terras tradicionalmente ocupadas e o usufruto exclusivo das riquezas naturais ali existentes, que compreende o direito de percepção do produto de sua exploração econômica. Os índios podem retirar dos recursos naturais de suas terras todos os frutos, utilidades e rendimentos possíveis, desde que não lhe alterem a substância ou comprometam a sua sustentabilidade ambiental.
Nas terras indígenas é vedada às pessoas estranhas à comunidade a prática de caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária ou extrativa. (Art. 18, § 1º da Lei 6.001/73).
Os índios não podem alienar a terceiros o seu direito de usufruto. Isto não significa, entretanto, que estejam obrigados a gozar direta e imediatamente de seus bens, ou que não possam fazer parcerias ou ser assessorados por terceiros em projetos que visem a exploração de seus recursos naturais. O direito de usufruto exclusivo também não pode impedir os índios de desenvolver suas próprias atividades produtivas, ainda que com finalidades comerciais.
Fundamental é a preservação dos recursos ambientais existentes nas terras indígenas, de forma a assegurar a sobrevivência das próximas gerações, bem como a manutenção da posse e do controle das comunidades indígenas sobre as atividades e projetos desenvolvidos em suas terras, posto que estes devem promover a sua auto-sustentação econômica e ambiental e não a sua dependência em relação a terceiros que lhe sejam prejudiciais, ou cujos efeitos nocivos sejam desconhecidos pelos índios, devido às suas diferenças culturais.
A LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS – 9.605/1998
No título anterior, mencionamos que o Estatuto do Índio autoriza as comunidades indígenas o usufruto exclusivo das riquezas naturais dentro das terras por eles ocupadas.
No entanto, com o advento da Lei 9.605/98, as condutas lesivas ao meio ambiente foram apenadas, dando efetividade ao ideário constitucional de proporcionar um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Assim, podemos citar como exemplo algumas condutas que foram tipificadas na referida Lei:
Art. 29 – Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente ou em desacordo com a obtida: Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Art. 34 – Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente: Pena – detenção, de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem:
I – pesca espécie que devam ser preservadas ou espécimes com tamanhos inferiores aos permitidos;
II – pesca quantidades superiores às permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos;
III – transporta, comercializa, beneficia ou industrializa espécimes provenientes da coleta, apanha e pesca proibida.
Art. 38 – Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção: Pena – detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
A questão que se coloca, portanto: como se resolve este impasse gerado após o advento da Lei dos Crimes Ambientais? Ela se aplica aos índios?
Inicialmente, faz-se necessário distinguirmos o uso de recursos naturais para o atendimento de necessidades internas de uma comunidade indígena, segundo seus usos, costumes e tradições, da produção de excedentes para comercialização, ainda que vise a sua própria subsistência.
Assim, o usufruto das riquezas naturais em terras indígenas destinado a subsistência deve ser assegurado aos índios sem qualquer restrição ou imposição de normas que visem restringir este direito.
Quanto à comercialização destes recursos naturais ou dos produtos transformados, entendemos que os índios devem observar as normas ambientais impostas a qualquer cidadão brasileiro para que se exerça a atividade considerada potencialmente poluidora. Portanto, citamos como exemplo a comercialização de peixes pelos índios, que deve ser licenciada pelos órgãos ambientais competentes, em observância às regras gerais.
Em pesquisa pela internet, encontramos o parecer da Promotora de Justiça do Distrito Federal e colaboradora do Programa de Política e Direito Socioambiental / ISA, Dr.ª Juliana Santilli elaborado em abril/2000, que assim define esta questão2:
“As atividades tradicionais das comunidades indígenas, voltadas para a sua subsistência ou consumo interno, não estão sujeitas a qualquer restrição ou condicionadas por qualquer autorização do Poder Público. Já as atividades de exploração comercial de recursos naturais dependem do cumprimento das exigências e normas legais específicas, inclusive das normas ambientais aplicáveis.”
No entanto, o que se pode observar, principalmente em noticiários da imprensa, é que os índios utilizam a sua situação diferenciada para praticarem condutas extremamente lesivas ao meio ambiente. Eles capturam animais filhotes, peixes com tamanhos inferiores aos autorizados por lei, utilizam material predatório como redes e tarrafas, o que não é indicado para se ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado e, futuramente, isto irá afetar principalmente as próprias comunidades indígenas que vivem destes recursos naturais, como já falado, findáveis.
Portando, entendemos que ao índio está facultado o usufruto das riquezas naturais para sua subsistência dentro das terras indígenas sem qualquer restrição administrativa, ou seja, o índio pode caçar ou pescar para se alimentar sem obter uma permissão, licença ou autorização do órgão ambiental competente, pois ele já está autorizado pela Constituição Federal.
Todavia, esta mesma Constituição, que garante um meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa humana, não pode permitir que os índios degradem ou destruam as áreas que lhes pertencem, por isso, eles devem ser julgados pelas condutas lesivas que praticarem contra o meio ambiente.
Vale ressaltar que o meio ambiente trata-se de bem de usufruto humano coletivo, por isso deve ser protegido contra as agressões que o atingem enquanto tal. Não sendo passível de apropriação individual, reveste a qualificação de bem de uso comum do povo ou patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo.
A preocupação com a preservação do meio ambiente, no que diz respeito a exploração dos recursos naturais pelo índios, pode ser constatada nas palavras do Dr. Roberto Lemos dos Santos Filho, Juiz Federal em Bauru (SP) e mestre em Direito pela Universidade Católica de Santos (SP)3:
“É certo, pois, que os índios têm assegurado direito a exploração dos recursos naturais em suas terras, e que compete à FUNAI a adoção de medidas para que essa exploração seja realizada, o quanto mais possível, em conformidade com as normas protetoras do meio ambiente. Vale dizer que é impositivo que a FUNAI, de acordo com a lei que a instituiu, proceda de modo a dar efetividade aos princípios do desenvolvimento sustentável, da educação e da prevenção e da precaução inscritos no art. 225 da Constituição Federal”.
Esta preocupação também chegou ao mais alto escalão dos Poderes Executivo e Legislativo, os quais se sensibilizaram com a exploração ambiental desregrada praticada pelos índios, editando e promulgando a Medida Provisória n.º 2166-67/2001, que acrescentou o art. 3º A ao Código Florestal, nestes termos:
Art. 3o-A. A exploração dos recursos florestais em terras indígenas somente poderá ser realizada pelas comunidades indígenas em regime de manejo florestal sustentável, para atender a sua subsistência, respeitados os arts. 2o e 3o deste Código. (Incluído pela Medida Provisória n.º 2.166-67, de 2001)
Esta alteração visou regulamentar a exploração dos recursos florestais pelos índios, disciplinando que eles podem usar os recursos florestais de suas terras em atividades tradicionais, voltadas para a subsistência ou consumo interno, podendo cortar árvores para construir casas, fazer utensílios domésticos, móveis, instrumentos de trabalho, cercas, canoas e barcos, e usar seus recursos florestais para quaisquer outros fins que visem possibilitar a sobrevivência física e cultural da comunidade indígena, desde que observada as áreas de preservação permanente previstas nos arts. 2º e 3º do Código Florestal e em manejo florestal sustentável.
Isto significa que, qualquer exploração florestal realizada pelos índios deve ser supervisionada e fiscalizada pelo órgão ambiental competente, visando o manejo sustentável e a conservação das áreas de preservação permanente. Significada ainda que a desobediência a esta norma leva o índio a responder criminalmente pela conduta lesiva ao meio ambiente, conforme a Lei 9.605/98.
Seguindo esta linha de raciocínio, apesar de não haver expressa previsão legal a respeito, entendo que qualquer conduta praticada pelos índios que cause dano ao meio ambiente e que se amolda aos tipos penais previstos na Lei 9.605/98, principalmente quanto a caça e pesca, deve ser repreendida pelos órgãos ambientais, inclusive os de polícia, aplicando todas as normas ambientais e, principalmente, o Código de Processo Penal.
EXTRAÇÃO DE RECURSOS MINERIAS
Anteriormente, mencionamos que a extração de recurso mineral é uma das exceções ao direito de usufruto exclusivo dos índios previsto na Constituição Federal, a qual trata de forma diferenciada a Mineração Industrial da Garimpagem, referindo-se as mesmas em dispositivos diferentes.
A Mineração Industrial geralmente está voltada para os chamados grandes projetos e contam com toda infra-estrutura para alcançar a atividade a ser desenvolvida na região. Normalmente contam com investimento destinado a proteção ambiental, voltado principalmente para a fauna e flora. São exemplos na Amazônia: Carajás (ferro), Trombetas (bauxita), Pitinga (estanho), Tapajós (ouro).
A Garimpagem se realiza para a extração de vários minerais, entre eles esmeraldas, diamantes, cassiterita e outros. O modelo adotado no Brasil é desestruturado, pois a maioria dos garimpeiros não possue qualificação profissional, são até mesmo analfabetos, por isso, a produção é totalmente desordenada, que destrói e desperdiça grande parte dos recursos explorados. Neste modelo não há preocupação com a preservação do meio ambiente.
A Constituição Federal promulgada em 1988, trata da Mineração no art. 231, §3º, estabelecendo as condições específicas para a mineração em terras indígenas, que são a necessidade de autorização do Congresso Nacional, a consulta às comunidades afetadas e sua participação nos resultados da lavra. Portanto, a mineração do subsolo em terras indígenas, quer a lavra quer a pesquisa, só pode ser efetivado mediante autorização do Congresso Nacional, que ouvirá previamente as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada a participação nos resultados, sendo indispensável o estudo e o licenciamento prévio de impacto ambiental.
Ocorre que ainda não foi editada a regulamentação para a mineração em terras indígenas, conforme determina o referido dispositivo constitucional, portanto, qualquer tentativa de exploração de recursos nessas áreas por empresas de mineração é inconstitucional, ilegal e, como conseqüência, crime.
A urgência na edição desta lei se justifica para que os conflitos sejam inibidos. A riqueza de minérios encontrados nas terras indígenas faz com que milhares de empresas mineradoras voltem sua atenção para a regulamentação da lei sobre a matéria. Estando impedidas de explorarem essas reservas, as empresas se antecipam a edição da própria lei através de pedidos de pesquisas geológicas sobre as áreas.
De acordo com o DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral, são 7.203 pedidos feitos nas duas últimas décadas, que incidem em 126 territórios de índios.4
GARIMPO EM TERRAS INDÍGEMAS
A Constituição Federal, no art. 174, §§ 3º e 4º, disciplina a atividade garimpeira no Brasil, priorizando a organização desta atividade em cooperativas e chamando a atenção para o cuidado ambiental e a promoção econômico-social dos garimpeiros.
A Lei 7.805 de 18/07/1989, cria o regime de permissão da lavra garimpeira e o conceitua como sendo o aproveitamento imediato de jazimento mineral que, por sua natureza, dimensão, localização e utilização econômica, possa ser lavrado independentemente de prévios trabalhos de pesquisa, segundo critérios fixados pelo Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM.
O incentivo, porém, à garimpagem em cooperativas, não se aplica às terra indígenas, em virtude do disposto no art. 231, § 7º da CF/88 e do art. 23, alínea “a”, da Lei 7.805/89.
A garimpagem em terras indígenas, em realidade, acarreta conseqüências gravíssimas para a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas, sendo, portanto, justificável a opção constitucional de radicalmente proibir a garimpagem em terras indígenas por não índios.
Recapitulando, podemos dizer que a garimpagem é expressamente proibida em terras indígenas quando realizada por não índios, diferentemente da mineração que é permitida desde que autorizada pelo Congresso Nacional, depois de ouvidas as comunidades afetadas assegurando-as participação nos resultados da lavra.
O Estatuto do Índio de 1973, em vigor e recepcionado pela Constituição Federal, dispõe em seu art. 44 que “as riquezas do solo, nas áreas indígenas, somente pelos silvícolas podem ser exploradas, cabendo-lhes com exclusividade, a faiscação e cata das áreas referidas”. A garimpagem, portanto, é permitida se feita pelos próprios índios, conforme se vê no referido estatuto.
Ressaltamos porém, que a permissão de lavra garimpeira regulamentada pela Lei 7.805/89, não se aplica a terras indígenas, como acima mencionado, o que torna necessário a edição pelo Poder Público de normas específicas regulamentando as condições para o exercício de atividades garimpeiras pelos próprios índios.
Por outro lado, os índios não podem ser impedidos de exercer um direito (ao usufruto exclusivo de seus recursos naturais e á própria garimpagem, faiscação e cata, atividades permitidas pela Constituição e pelo atual Estatuto do Índio), devido à ausência de regulamentação legal. As leis em vigor que regulamentam as atividades minerais, simplesmente não dispõem sobre o procedimento e as exigências que as comunidades indígenas devem cumprir para requerer autorização do Poder Público para garimpar em suas terras.
Até que exista uma regulamentação legal específica para a garimpagem em Terras Indígenas, pelos próprios índios, os projetos experimentais de garimpo em terras indígenas devem ser objeto de autorizações ad hoc, concedidas pelo DNPM, caso a caso, que deverá ouvir o órgão ambiental, nos termos da legislação pertinente, e que poderá consultar o órgão indigenista sobre os possíveis impactos do projeto de garimpagem sobre a comunidade indígena.
CONCLUSÃO
Do exposto, conclui-se que, ao índio foi reconhecido seu direito constitucional de ter uma cultura diferente. Ao mesmo tempo, a Constituição assegura a todos os brasileiros, indistintamente, o direito de usufruir de um meio ambiente ecologicamente equilibrado e sustentável.
Em que pese a primeira vista, parecer contrários tais direitos, vimos que as normas infra-constitucionais vem disciplinando a conduta do índio de modo a garantir a sua própria sustentabilidade e, conseqüentemente, o equilíbrio ambiental.
Assim, aos índios está resguardado o seu direito de caça e pesca para sua própria subsistência, sem qualquer restrição ou condição a autorização do Poder Público. Mas, se destinadas à comercialização estão sujeitas ao cumprimento das exigências legais específicas, inclusive das normas ambientais aplicáveis.
Quanto à exploração florestal, os índios podem utilizar seus recursos florestais, dentro de suas terras, mas observando o que dispões o art. 2º e 3º do Código Florestal, ou seja, devem respeitar as áreas de preservação permanente, conforme está determinado no art. 3ºA do referido Código.
A questão dos recursos minerais se divide em duas situações distintas: a mineração e o garimpo. Assim, somente as empresas de extração de minério podem exercer suas atividades em terras indígenas, no entanto, dependem da regulamentação por lei ordinária até o momento em tramitação no Legislativo. O garimpo em terras indígenas está proibido para os não índios, devendo os índios, na execução desta atividade, se atentar para as regras ambientais.
Por fim, ressaltamos que a FUNAI – Fundação Nacional do Índio, órgão destinado a tutelar os indígenas, deve se atentar para estas questões, educando e auxiliando os indígenas no cumprimento das normas ambientais também a eles aplicadas.
REFERÊNCIAS
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, Jurisprudência, glossário. 3. ed. rev., atual. e amp., São Paulo: Editora dos Tribunais, 2004.
VILLAS BÔAS, Hariessa Cristina. Mineração em Terras Indígenas: a procura de um Marco Legal. Rio de Janeiro: CETEM / MCT / CNPq / CYTED / UIA, 2005.
http://www.socioambiental.org
http://jus2.uol.com.br/doutrina
http://noticias.pgr.mpf.gov.br/
http://g1.globo.com/noticias/brasil
*Alessandra Maria de Castro é Delegada de Polícia do Estado de Goiás, cursando a Especialização de Gerenciamento em Segurança Pública na Gerência de Ensino Policial Civil.