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A FALÁCIA DA PEC 37/2011

Por Roberto Serra da Silva Maia*
Em certo artigo, ao falar da PEC 37, um membro do Ministério Público (MP) afirmou que “o Congresso Nacional é o lugar do mundo que Satanás elegeu para pôr em marcha o final dos tempos”, e que “Lúcifer pode estar detrás de toda essa manobra”, qual seja, a aprovação da PEC 37.
No dia 23.6.13, no jornal “O Popular” (Goiânia-GO), em reportagem sobre as mobilizações nacionais, determinado Promotor de Justiça chegou a dizer que “a aprovação da PEC-37 interessa apenas a bandidos e significa um retrocesso”; e que “o promotor investigando determinados crimes acelera o processo e diminui a impunidade”.
De minha parte, afirmo, desde logo, que a PEC 37 jamais significou “retrocesso” ou iria “contribuir para a impunidade”. O que certamente contribuirá para a redução da impunidade será a atuação diária, constante e efetiva nas comarcas; as denúncias (ações penais) bem elaboradas (sem o risco de inépcia); a manifestação tempestiva nos processos; o rigoroso exercício do “controle externo da polícia”, dentre outras ações do Estado-acusação.
Sempre entendi que o MP jamais teve o “poder” de presidir uma investigação criminal; logo, a PEC 37 seria até desnecessária, não fez mais do que reafirmar o que já está claro na Constituição Federal (arts. 129 e 144), e nas legislações infraconstitucionais.
Mas antes que eu, e outras inúmeras pessoas que tenham esse mesmo pensamento, venhamos a ser confundidas com “corrupto”, “bandido” ou “Diabo”, como genericamente sugerido pelos ilustres representantes do MP, cabem aqui algumas considerações.
Desde a época da faculdade, ainda quando estudante do curso de Direito, sempre desconfiei daqueles discursos de “frases prontas” e acabadas, geralmente reveladores do que se chama de “argumentos falaciosos”.
O “argumento falacioso” é aquele em que as razões apresentadas parecem sustentar uma determinada conclusão, mas, na realidade, não sustentam.
No seu “guia das falácias”, Stephen Downes elenca algumas modalidades de “falácias”. Uma delas é o “apelo às consequências” (“argumentum ad consequentiam”), onde o argumentador, para “mostrar” que uma crença é falsa, aponta consequências desagradáveis que advirão de sua defesa; outra modalidade de falácia é o “apelo à emoção” ou “apelo ao povo” (“argumentum ad populum”), onde se sustenta que uma proposição é verdadeira por ser aceite como verdadeira por algum setor representativo da população, e de cujos apelos emocionais pretendem atingir, muitas vezes, a população como um todo. O autor também destaca os “ataques pessoais” (“argumentum ad hominem”), onde se procura atacar a pessoa que apresentou um argumento e não o argumento apresentado, sugerindo que a pessoa ou cargo por ela exercido, por ter algo a ganhar com o argumento, é movido pelo interesse.
Também sempre me preocupou no discurso (falacioso) de “frases prontas”, o que a sociologia chama de “efeito manada”, isto é, o risco de uma “previsão/argumento” assumida como verdadeira – embora seja falsa – poder influenciar o comportamento das pessoas, seja por entusiasmo, confusão, ou no receio de que algo possa acontecer caso não siga todos os outros, de modo que a reação delas acaba por tornar a “profecia/argumento” real.
Parece que essas lembranças se concretizaram quando assisti atônito, o(s) discurso(s)/mobilizações contrários à PEC 37, cunhados pelos jargões falaciosos “PEC da Impunidade”, “PEC da Bandidagem”, “PEC do Satanás”, etc.
Percebo que muitas pessoas, possivelmente envolvidas por tais expressões, sintetizadoras dos falaciosos “apelo às consequências”, “apelo à emoção”, “ataques pessoais”, e revolta generalizada, passaram a brandir uma bandeira (contrária à PEC 37), empunhando-a, com veemência, sem, contudo, de fato, conhecer a causa.
Mas o que significou essa tal PEC 37?
Em poucas palavras, a PEC 37 foi uma “Proposta de Emenda Constitucional”, apresentada no Congresso Nacional (2011), e recebeu o número 37; visava acrescentar no art. 144 da Constituição Federal, o § 10 com o seguinte texto: “A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente”.
Nada de “impunidade”, “bandidagem”, “diabólico” possuiu esta proposta!
Na minha visão, a proposta surgiu para tentar por um fim a uma polêmica antiga, consistente na seguinte indagação: o Ministério Público poderá promover (presidir) investigações criminais?
Muitos juristas e órgãos importantes, com os quais me alinho, são contrários ao “poder” investigatório (criminal) do MP, dentre eles: José Afonso da Silva, Ives Gandra da Silva Martins, Cezar Roberto Bitencourt, Fernando da Costa Tourinho Filho, Gustavo Badaró, Guilherme de Souza Nucci, José A. P. Boschi, Rogério Lauria Tucci, Antonio Scarance Fernandes, Antônio Evaristo de M. Filho, Sérgio de M. Pitombo, Pedro H. Demercian, OAB (Conselho Federal), Professores (maioria) de Processo e de Prática Penal do curso de Direito da PUC-GO (Mesa de Processo e de Prática Penal da PUC-GO), etc.
Entendo que a nossa Constituição Federal (arts. 129 e 144), assim como a legislação brasileira (Código de Processo Penal), efetivamente, não atribuíram ao MP o “poder” de presidir uma investigação criminal.
Isso porque já cabem a ele (MP) duas importantes missões: promover (exclusivamente) a ação penal pública, e exercer o “controle externo da polícia”.
No Brasil, diferentemente de outros países, a legislação estruturou (separou), detalhadamente, a atuação do Estado na persecução penal da seguinte forma: a polícia “investiga”, o Ministério Público “acusa”, o acusado possui direito de se defender, e o Juiz “decide”. Essa divisão, diga-se de passagem, é de extrema importância para o equilíbrio na aplicação do Direito Penal.
Basta analisarmos, por exemplo, os textos dos arts. 129 e 144 da Constituição Federal, e o Código de Processo Penal (CPP). Em nenhum momento, a Constituição outorga, expressamente, tal poder ao MP. Em nosso CPP, não há uma única vírgula atribuindo poderes de investigação ao MP. Os arts. 4º ao 23 (CPP), quando fala de investigação (inquérito policial), atribui tal atividade à “polícia judiciária”; a atuação específica do MP só aparece a partir do art. 24, quando dispõe acerca da “ação penal”. Toda a espinha dorsal do ordenamento jurídico (penal) brasileiro, portanto, é estruturada dessa forma: investigação (polícia) + Ação Penal/acusação (MP) x Defesa = Julgamento (Juiz).
Com essas breves considerações, em razão do posicionamento acadêmico que sempre defendi, espero não vir a ser confundido com “bandido”, “corrupto”, ou “satanás”…
Espero, por fim, que as pessoas não se deixem envolver pelos “argumentos falaciosos” e pelo “efeito manada”. Analisem, sem paixões, os fundamentos contrários e favoráveis à PEC 37/Poder de investigação criminal do MP, a partir da leitura dos arts. 129 e 144 da Constituição Federal, e do Código de Processo Penal, para concluir se, realmente, o Ministério Público possui ou não poder de presidir uma investigação criminal…

Roberto Serra da Silva Maia é Advogado, Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela PUC-GO; Professor do curso de Direito e da Pós-Graduação em Direito da PUC-GO e da Esmeg.

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