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A encruzilhada da segurança pública no Brasil

A encruzilhada da segurança pública no BrasilPor Juvenal Marques Ferreira

Enquanto imaginava como traduzir em palavras escritas o drama da Segurança Pública neste País, procurei um título que pudesse dar a idéia do que ocorre há dezenas de anos no Brasil. Pois sim, o problema não é novo, nem tampouco as conseqüências. Não importa agora discutir o sexo dos anjos ou como chegamos à esse caos, quer pela negligência, incapacidade ou ideologia dos governantes passados. A ineficiência do modelo dicotômico de polícia adotado no Brasil remonta ao século passado, bem como os índices alarmantes de violência, minimizados pelas “estatísticas”. A realidade da população é bem outra, pois quem sai para trabalhar, estudar ou somente desfrutar momentos de lazer, não tem a certeza de que voltará para casa sem ser vítima da violência urbana. Isso é um fato irretorquível, espelhado nas manchetes policiais, ainda que timidamente, pela grande imprensa, que hoje sobrevive com as altas somas de verbas públicas empregadas em publicidade pelos governos nas três esferas, municipal, estadual e federal. Fenômeno talvez explicado pela velocidade das informações difundidas pela rede mundial de computadores. Poucos hoje compram jornal.

Mas o cerne deste artigo é suscitar uma discussão sobre a unificação das polícias estaduais, há muito tempo deixado em stand by. Toda vez que surgem discussões a respeito da mudança do modelo vigente há um alvoroço, principalmente em relação às polícias militares que não aceitam a retirada do paradigma militar de sua estrutura funcional.

Não há, no mundo, um único país com regime político democrático, aonde a polícia conduza para quartéis seus cidadãos que tenham infringido a lei.

Nem nos tempos do recrudescimento da ditadura militar isso ocorreu no Brasil. Ainda naquele tempo os presos comuns eram apresentados nas Delegacias de Polícia, que bem ou mal, submetiam o infrator ao estatuído nas leis penais comuns.

Os presos políticos, esses sim foram conduzidos à força aos quartéis. Todos sabem o fim dessa história. A rotina era o desrespeito aos direitos do conduzido, tortura e, em não poucos casos, o desaparecimento e morte do preso.

Decorridos mais de trinta anos da redemocratização do Brasil, vemos uma gama de paramilitares eleitos por parcela do povo, que cansados da violência e fragilidade das leis penais, optaram por àqueles que trazem o discurso de que “bandido bom, é bandido morto”. Esses parlamentares de origem paramilitar não aceitam a mudança do modelo de polícias estaduais vigente, pois que não querem a retirada do militarismo do seio da polícia militar.

Não contentes com esse modelo de polícia militar, querem agora implantar o Ciclo Completo de Polícia Militar, que nada mais é do que conceder o direito de conduzir um brasileiro que cometa uma infração penal comum aos quartéis da polícia militar. Esse absurdo tem ganhado força no Congresso Nacional, graças ao lobby fortíssimo da polícia militar, que em número de homens supera em muito ao efetivo do Exército Nacional.

Não podemos esquecer que a essência do militar é o uso da força para subjugação e neutralização do inimigo. Um exército jamais deve ser usado contra seu nacional, ou seja, contra o povo, pois que se destina a destruir inimigos da pátria.

A polícia militar tem sua estrutura e doutrina de cunho militar, por isso é uma das polícias mais violentas do mundo. As notícias de ocorrências de morte, violência e tortura decorrentes da intervenção da polícia militar chegaram até aos órgãos internacionais, com a condenação pública do Brasil pela tolerância a esse tipo de atuação de órgãos de segurança.

O advento das ferramentas de busca na rede de Internet não permite mais mascarar as notícias. Basta uma pesquisa no Google sobre violência policial, tortura ou esquadrão da morte, para que retorne resultados de centenas de ocorrências com policiais militares envolvidos. O número de mortos por policiais militares é muito grande, e não são apenas infratores, os casos envolvendo inocentes e até autoridades que se põem em seu caminho também é considerável.

Alguém em sã consciência acredita que com o Ciclo Completo de Polícia Militar, o infrator da lei ou mesmo o cidadão que disser algo que o policial militar não goste, em sendo conduzido ao quartel da PM será tratado com respeito na forma da lei?

A história recente do país está aí para nos lembrar o tratamento infame dos que eram levados à força para os quartéis.

Não esqueçamos que naquela época ninguém ousava ir aos quartéis para verificar o tratamento à que eram submetidos os presos, nem mesmo o Ministério Público. Será diferente agora?

Hoje a PM está presente em todos os gabinetes de autoridades. O próprio Ministério Público tem na PM o seu braço armado policial para suas diligências investigativas.

Parece-nos claro o projeto de poder planejado ao longo dos anos pelos oficiais da polícia militar, haja vista que há anos implantaram normas para uniformização de procedimentos em todas as PMs do Brasil. Inclusive foram os primeiros a criar um órgão que agregasse todos os comandantes gerais de polícias militares para estabelecerem uma política que os fortalecesse na federação.

O Brasil é um país com suas instituições em pleno funcionamento de maneira democrática e sob a égide da lei, portanto, inconcebível que haja a institucionalização do regime militar em suas polícias, para condução de presos aos quartéis.

Passou da hora da sociedade organizada exigir das autoridades a discussão da unificação das polícias em um regime de natureza civil com estrita obediência à lei.

No entanto isso não ocorrerá, sem que haja o engajamento das autoridades, de políticos sérios e da imprensa para fomentar uma discussão nacional com projetos que venham a vingar no Congresso Nacional.

Basta de violência, mas também basta de tortura e mortes promovidas por agentes do Estado. Num país civilizado não pode se pode tolerar o mote de que “os fins justificam os meios”.

Cabe à sociedade, através de seus representantes eleitos e autoridades constituídas, a busca de uma solução para a segurança pública, que tenha como premissa a segurança de cada cidadão, com respeito à lei.

Há mais de quinze anos atrás idealizamos um anteprojeto de lei para implementação da unificação das polícias militares e civis, com a criação de uma única Polícia Estadual com todas as atribuições que hoje são divididas entre as duas polícias. Naquela ocasião enviamos o anteprojeto a vários parlamentares e para alguns editores. Houve algumas publicações, mas não houve interesse em se discutir o assunto.

Àqueles interessados em conhecer e aprimorar a ideia segue o link abaixo, onde está disponível para leitura aquele anteprojeto atualizado.

http://comentariosdodireito.blogspot.com.br/2015/10/policiacivilizada-respeito-vida-lei-e.html

* Juvenal Marques Ferreira é delegado de Polícia

Fonte: ADPF

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